Estudo com jovens de 10 a 18 mostra que 21% já pensaram em suicídio; especialista alerta para sinais
Resultado de uma combinação de fatores, como o peso das expectativas, medo do fracasso e bullying, o suicídio é, hoje, a terceira principal causa de morte de adolescentes entre 10 e 19 anos
Alerta: a reportagem abaixo trata de temas como suicídio e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final do texto onde buscar ajuda.
Imagine que você é responsável por um adolescente que, há algumas semanas, tem se mostrado diferente. As risadas ficaram raras, o quarto passou a ser refúgio quase permanente, as refeições em família viraram silêncio. Ele se irrita com facilidade, evita os amigos, diz estar cansado o tempo todo. As notas caíram, o brilho nos olhos também.
Como costumam dizer: "Coisas da adolescência". Mas algo no fundo do peito te inquieta. Essa distância crescente, esses sinais sutis de desistência, podem ser mais do que desânimo: podem ser um pedido de ajuda que ainda não encontrou palavras.
Esse tipo de comportamento, às vezes, confundido com as turbulências típicas da adolescência, pode esconder um sofrimento psicossocial profundo. A ideação suicida, que é quando a pessoa pensa ou planeja tirar a própria vida, raramente surge de um dia para o outro.
O suicídio costuma ser resultado de uma combinação de fatores emocionais, sociais e ambientais: o peso das expectativas, o medo do fracasso, o isolamento, o bullying, ou mesmo a sensação de não pertencimento em um mundo que cobra performance constante.
Dados alarmantes
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 10 a 19 anos. São mais de 700 mil pessoas morrendo por suicídio a cada ano. Quase 77% de todos os suicídios globais ocorrem em países de baixa e média renda.
No Brasil, o número de jovens que relatam pensamentos sobre a própria morte tem crescido de forma preocupante. Segundo o Boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, entre 2010 e 2019, ocorreram 112.230 mortes por suicídio registradas - um aumento de 43%.
O número anual passou de 9.454 em 2010 para 13.523 em 2019. A tendência de crescimento no país vem oscilando entre altos e baixos desde 1996, quando os dados do Ministério da Saúde passaram a ser digitalizados.
Embora ocorra em todos os grupos socioeconômicos, segundo a OMS é mais prevalente entre adolescentes em situação de vulnerabilidade social, como aqueles expostos à violência familiar e comunitária, pertencentes a minorias étnicas ou ao grupo LGBTQIA+.
A OMS caracteriza o suicídio de duas formas: por meio do comportamento suicida — que envolve pensamentos, planejamento e tentativas de suicídio — e por meio de atos autoinfligidos de violência, como a automutilação, com ou sem intenção suicida.
Segundo Matthew Nock e colaboradores, a morte por suicídio é um ato fatal com evidências de intenção de morrer. Entretanto, antes desse desfecho, o indivíduo costuma apresentar alguns comportamentos suicidas, que incluem a ideação suicida, o planejamento e as tentativas de suicídio.
Os comportamentos suicidas são ações não fatais que se caracterizam como potenciais fatores de risco para o suicídio e devem ser investigados em estudos de prevenção.
Reconhecer esses sinais e falar sobre eles, com cuidado e sem tabu, é o primeiro passo para interromper esse ciclo de silêncio.
Suicídio sem tabu
Para refletir mais sobre esse assunto que ainda é um tabu na sociedade, um estudo coordenado por mim e outros pesquisadores da Universidade São Francisco, em Campinas, e da Universidade do Porto, em Portugal, testou um modelo preditivo para a ideac¸a~o suicida, considerando vitimizac¸a~o por bullying e cyberbullying, habilidades sociais, clima escolar e sexo como variáveis em estudantes dos anos finais do ensino fundamental.
Cerca de 660 alunos, de 10 a 18 anos, de ambos os sexos, do 6º ao 9º ano de oito escolas pu´blicas, localizadas em uma cidade do estado do Rio de Janeiro, participaram do estudo. Do total de estudantes, 263 estavam no 6º ano (39,9%), 117 no 7º ano (17,8%), 203 no 8º ano (30,8%) e 75 no 9º ano (11,4%).
Os resultados apontaram que 157 ou 23,8% dos estudantes relataram ter tido ideação suicida nos 12 meses anteriores, 140 (21,2%) indicaram ter elaborado um plano para tentar o suicídio e 124 (18,8%) relataram ter tentado o suicídio entre uma e seis vezes ou mais. Participantes do sexo masculino relataram uma chance 44% menor de apresentar ideação suicida em comparação com as participantes do sexo feminino.
O aumento no bullying verbal e cyberbullying elevou as chances de ideac¸a~o suicida em 5% e 9%, enquanto um melhor autocontrole e clima escolar reduziram as chances em 6% e 2%. Os resultados deste estudo, que tem financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), serão publicados na revista Paidéia.
Nossos resultados indicaram que o bullying, em suas diversas manifestações (verbal, física e socio-relacional), e o cyberbullying estiveram associados ao aumento da ideação suicida entre os adolescentes da amostra. Por sua vez, as habilidades sociais de autocontrole, assertividade, assim como todas as dimensões do clima escolar apresentaram associação negativa com a ideação suicida.
Nossos achados são semelhantes a pesquisas realizadas anteriores e que demonstram uma associação positiva entre ideação suicida e vitimização por bullying e cyberbullying, bem como com um clima escolar adverso. Estudo mostra que esses fatores contribuem para o desengajamento, o baixo desempenho acadêmico, o comprometimento do bem-estar e a menor frequência de comportamentos socialmente habilidosos em adolescentes.
Além disso, as correlações observadas foram, em sua maioria, de magnitude fraca, o que sugere a natureza complexa da ideação suicida. Em outras palavras, embora essas variáveis apresentem associação significativa, seus efeitos isolados são limitados, provavelmente porque o comportamento suicida resulta da interação entre múltiplos fatores de risco e de proteção distribuídos em diferentes níveis (individual, familiar, escolar e comunitário). É importante esclarecer que as correlações de baixa magnitude são comuns em estudos com grandes amostras e fenômenos altamente complexos.
Importante destacar ainda que nossos resultados se assemelham a estudos da saúde escolar, produzido pelo IBGE, e outras pesquisas nacionais e internacionais que identificaram a mesma prevalência.
Problema de saúde pública
Esses resultados evidenciam a necessidade urgente de promover programas de prevenção e intervenções clínicas voltados a adolescentes. Concentrar ações no contexto escolar, com o objetivo de reduzir a violência interpessoal e o risco de suicídio entre crianças e adolescentes.
A ideac¸a~o suicida em adolescentes e´ um problema de sau´de pu´blica global, mas poucas pesquisas exploram esse feno^meno no ensino fundamental. Esperamos que os resultados deste estudo possam ajudar em intervenc¸o~es e fortalecer as atuais políticas públicas de combate à violência escolar, cujo foco seja primordialmente a promoc¸a~o de contextos educativos inclusivos e democráticos e na prevenc¸a~o da viole^ncia.
*Vanessa Barbosa Romera Leme é professora associada no Departamento de Cognição e Desenvolvimento, no Instituto de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (mestrado e doutorado), na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Este projeto contou com apoios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).E a publicação deste artigo com apoio da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Onde buscar ajuda
Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:
- Centro de Valorização da Vida (CVV)
Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.
- Canal Pode Falar
Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.
- SUS
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível buscar os endereços das unidades nesta página.
- Mapa da Saúde Mental
O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.