Professor premiado criou feira de ciências em presídio no ES: 'A gente faz educação em todos os espaços'
Rodrigo dá aulas de Química e, com os alunos detentos, desenvolve projetos que são aplicáveis ao cotidiano da unidade prisional
O professor Rodrigo da Vitória Gomes foi premiado como Professor do Ano 2025 por transformar a educação em uma escola prisional no Espírito Santo, promovendo ciência, cidadania e sustentabilidade por meio de uma Feira de Ciências com projetos aplicáveis ao cotidiano carcerário.
Há quatro anos, o professor de Química e pedagogo Rodrigo da Vitória Gomes, de 32 anos, transforma as salas de aula de uma escola prisional do Espírito Santo em um espaço de ciência, cidadania e sustentabilidade. Junto com os alunos detentos, o educador realiza uma Feira de Ciências na qual são apresentados projetos elaborados ao longo do ano letivo e que são aplicáveis ao dia a dia do cárcere.
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Vencedor do Prêmio Toda Matéria Professor do Ano 2025, Rodrigo enfatiza a importância do reconhecimento e valorização dos profissionais que trabalham com educação em prisões.
"Quando a gente fala de educação, acho que o último lugar que as pessoas pensam é em presídio. Vencer o prêmio foi muito importante, justamente pelo fato de mostrar que a gente realiza educação em todos os espaços. A gente não precisa de uma sala de aula 100% equipada com tecnologia de ponta para fazer algo acontecer", afirma o professor em entrevista ao Terra.
Rodrigo trabalha há oito anos na Escola Estadual Prof. Manoel Abreu, que é vinculada ao Centro de Detenção e Ressocialização de Linhares (CDRL), no Espírito Santo. O professor dá aulas de Química para maiores de 18 anos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que permite que as pessoas concluam o ensino fundamental e o ensino médio se não tiveram a oportunidade de estudar na idade regular.
Como funciona a feira
O educador conta que a proposta de montar uma Feira surgiu em 2021 como uma forma de motivar os estudantes em sala de aula.
"Como eles estão em processo de ressocialização e estão privados de liberdade, não têm contato com o mundo externo. Só que as disciplinas de Ciências da Natureza, que são Química, Física e Biologia, a gente precisa atrelar a contextualização para tornar aquela aprendizagem significativa. Surgiu a ideia de pensar soluções para o próprio ambiente prisional, como a ciência que eles estavam aprendendo poderia contribuir onde eles estão vivendo", explica.
Segundo o professor, eles desenvolveram no começo um desinfetante para limpar a galeria da cela, um sabão usando o óleo de fritura da cozinha da unidade e um tipo de mecanismo que melhora a ventilação da cela, por exemplo.
No início, o evento era algo menor e, com os anos, foi se consolidando. Hoje, a iniciativa mobiliza em torno de 300 estudantes privados de liberdade por edição e impacta cerca de 1,9 mil pessoas por ano, envolvendo familiares, servidores e a comunidade local.
A Feira de Ciências do CDRL acontece em consonância com a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, organizada anualmente pelo Ministério da Educação (MEC). A partir do tema nacional, os professores de todas as disciplinas e os alunos da unidade prisional começam a desenvolver os produtos que são trabalhados ao longo de todo o ano letivo. O projeto ainda conta com apoio da Secretaria de Justiça, da Secretaria de Educação e parcerias com universidades federais da região.
"Começa em fevereiro e finaliza em dezembro. Temos todo uma fase de prototipação, experimentação, aplicação, pesquisa. As famílias trazem ideias também durante as visitas. Muitas vezes, a família guarda o óleo que usa em casa e traz para eles fazerem o sabão ou guarda uma garrafa pet, por exemplo. Isso movimenta também a comunidade de forma a contribuir com esse projeto", conta Rodrigo.
Apresentação dos projetos
Atualmente, essa escola prisional tem 12 turmas e cada uma precisa apresentar ao menos cinco ideias. Em cada edição, portanto, são apresentados pelo menos 60 projetos diferentes e cinco são selecionados para serem aplicados efetivamente no cotidiano da prisão.
"A gente realiza uma feira externa e abre isso para a comunidade, para as autoridades, para as famílias virem conhecer. Uma coisa interessante é que essa escola é dentro do regime fechado, tem privados de liberdade com 10, 15 anos sem ter contato externo. A gente realiza essa feira no pátio da unidade. Os alunos que desenvolveram têm a oportunidade de sair de dentro do presídio, vir para a parte externa e apresentar o que eles desenvolveram", ressalta o professor.
Algumas ações mais recentes incluem reaproveitamento do isopor da marmita deles para fazer artesanato, hortas agroecológicas, projetos de energia sustentável e estratégias para reduzir o consumo de água.
Mudanças no ambiente
Para Rodrigo, a feira trouxe muitos resultados positivos para o ambiente prisional e, inclusive, mudou o olhar tanto da segurança quanto dos próprios internos sobre os presos. "Isso reduz o índice de violência dentro do presídio, aumenta a motivação dos estudantes quanto o reconhecimento deles no mundo externo, melhora a convivência deles. E o mais importante de tudo é a segurança", diz o educador.
"Muitas vezes a segurança tem uma visão de que privados de liberdade entram em um presídio para serem vigiados e punidos. E, na verdade, o processo de ressocialização não deve vir dessa forma. Deve ser para reconstruir a identidade do aluno para que ele possa sair uma pessoa melhor. Antes do projeto, a escola não era muito bem vista pela comunidade da segurança. Isso contribuiu muito. O policial penal viu a importância da educação ali dentro", acrescenta.
O professor também destaca que se sente muito realizado com o trabalho que vem sendo desenvolvido: "Sempre quis ser professor e isso é muito gratificante justamente pelo fato de mostrar o reconhecimento do trabalho do professor, como ele é importante, não somente ali na base na escola regular, mas nós precisamos mostrar que a educação tem esse conceito fácil. E aqui, o trabalho do professor se torna importante para dar uma luz a esses privados de liberdade que, no futuro próximo, estarão na rua e poderão se ressignificar e traçar um futuro melhor."