A Rússia e a conquista do Cáucaso
Vitorioso sobre o rei sueco Carlos XII em Poltava, batalha travada em 1709, quando derrotou definitivamente o invasor da Rússia,o czar Pedro o Grande deu para sonhar com a conquista da Ásia Menor. Dizem que foram as historias que ele ouvira em criança sobre as riquezas estonteantes da Índia e da China que o motivaram. Caravanas de camelos carregadas de essências, com sedas, peles, ouro e jóias estupendas que se misturavam enroladas em tapetes exóticos, finamente decorados, povoaram os sonhos infantis dele. A ocasião de marchar para o Cáucaso finalmente chegara.
Em busca das Índias
Livre de uma ameaça vinda da Europa, em 1722 o czar decidiu ele mesmo comandar uma expedição em direção ao Mar Cáspio, o grande lago salgado que ficava ao sul da Rússia, a meio caminho do Oriente com o Ocidente. O intento era expulsar o Xá da Pérsia e o Sultão Turco daquelas margens e fazer da cadeia de montanhas do Cáucaso, que se erguem, imensas, próximas ao Cáspio, uma fortaleza natural do Império Russo e um trampolim para alcançar a Índia e o seu mercado fabuloso.
Além de uma equipe de estudiosos levou junto na viagem de mais de 1.200 km pelo rio Volga abaixo o regimento Preobrazhensky, uma guarda de elite acompanhada por uma horda de cavaleiros cossacos, uns 60 mil homens ao todo. Foi assim que os russos começaram a colocar uma bota firme nos sopés daquelas montanhas mitológicas.
Para os gregos, era nos cimos do Cáucaso que Prometeu, o titã que roubara o fogo do céu, fora acorrentado por mando de Zeus. Puchkin (“O Prisioneiro do Cáucaso”), Lermontov (“A disputa”), Tolstoi (“Hadji-Murat”), e outros escritores russos do século 19, serviram-se do Cáucaso como cenário de grandes aventuras. Fizeram dele, dos seus picos de gelo e abismos abruptos, o faroeste dos russos, no qual oficiais a serviço do czar envolviam-se em histórias de heroísmo sem fim na luta contra os nativos. Lutavam para impor a civilização àquelas tribos bárbaras de montanheses, sempre insubmissos, dispostos a se atirarem sobre os canhões dos invasores com sabres e adagas nas mãos.
Guerra de Extermínio
“Gentileza significa fraqueza aos olhos dos asiáticos...e eu sou inexoravelmente severo. A execução de um montanhês salva a vida de centenas de russos e afasta milhares de muçulmanos da traição.”
General A.P. Ermolov, vice-rei do Cáucaso, 1817.
Na “pacificação” da região celebrizou-se o general czarista Ermolov, vice-rei do Cáucaso ( 1817-1826) que adotou a política de extermínio contra os chechenos, a quem ele devotada ódio especial (“Nunca a terra viu uma escória tão vil como os chechenos!” era uma das frases favoritas dele). Mandou sua infantaria, seguida por piquetes de cossacos, subir as montanhas e destruir uma a uma as auls, as aldeias deles. Nada de pólvora, mas baionetas e espadas, foi a ordem dada aos seus soldados. Até hoje, o nome do general causa calafrios na gente do Cáucaso, que na época desejou que a sua simples pronúncia causando imediato terror fosse mais eficaz do que a cadeira de fortalezas que ele construíra.
Ermolov, no comando do Corpo Georgiano, encarregou-se de fixar profundas raízes na região ao ordenar a construção de uma rede de fortificações que se estendia do Cáucaso Ocidental ao Oriental, além de liderar sucessivas expedições para garantir a fronteira mais meridional do Império Russo.
A vingança dos dois georgianos
Como uma dessas tantas ironias da história, terminou sendo uma dupla originada da Geórgia, então província russa da Ciscaucásia, Joseph Stalin, secretário-geral do PC , e seu subordinado Lavrenti Beria, chefe da onipresente NKVD (a polícia política soviética), quem, assumindo depois, no século 20, o poder na URSS, fizeram os russos experimentarem do seu próprio veneno.(*)
Djugashvili (dito Stalin), era nativo de Gori, onde veio ao mundo em 1879; Beria, era de Merkheuli, aldeola em que nascera em 1899. Ambos os georgianos cresceram à sombra do Cáucaso e no ódio aos moscovitas. Pois esses dois homens, que tiveram iniciação política nas organizações nacionalistas da Geórgia, um na Messame Dassy, o outro no Partido Musavat, aplicaram contra os russos, especialmente entre 1934 e 1953, todas as felonias e crueldades que se posa imaginar: encarceramentos, deportações, trabalhos forçados, fuzilamentos sumários, espancamentos e torturas. Ainda que inconscientemente e justificado pela “construção do socialismo”, pode-se entender a ação deles um ato de vingança dos povos do Cáucaso contra aqueles que antes lhes moveram guerra por tantos anos.
(*) Béria caiu nas graças de Stalin por ter mandado escrever um livro, ou simplesmente o tomou como seu, no qual considerava o secretário-geral o “Lenin do Cáucaso”.
Bibliografia
Baddeley, John F . -The Russian Conquest of the Caucasus. Londres: Martino Pub, 2006.
Barret, Thomas M. -. At the Edge of Empire: The Terek Cossacks and the North Caucasus Frontier, 1700–1860. Boulder, Colorado/EUA.: Westview. 1999.
King, Charles - The Ghost of Freedom: A History of the Caucasus. Oxford University Press, 2008.
Veja também