Churchill contra Hitler, o duelo
O historiador John Lukacs, um húngaro exilado na Inglaterra, um especialista na Segunda Guerra Mundial, atribuiu à inflexível oposição do então primeiro-ministro britânico Winston Churchill contra Hitler, o fato dos valores morais ocidentais terem sobrevivido à grande hecatombe de 1939-1945. Entre as datas de 10 de maio e 31 de julho de 1940, durante 80 dias, travou-se um verdadeiro duelo entre aquelas duas personalidades, fazendo com que a tenaz resistência de Churchill a qualquer tipo acordo ou tratado com Hitler, terminasse por forçar o Führer nazista a cometer o grande erro da sua carreira, invadir a URSS para lá ser definitivamente derrotado.
Simpatizantes de Hitler
O anti-nazismo na Grã-Bretanha dos anos 30 não contava com a unanimidade em meio a sua elite. Longe disso. Se bem que as motivações daqueles que simpatizavam com Hitler eram as mais diversas, foi significativo o elevado número das personalidades das altas esferas de Londres, das finanças, do comércio, da política, e mesmo das artes, que devotaram apoio e simpatia ao que se passava na Alemanha dos anos trinta. Entre esses filonazistas encontrava-se tanto o brilhante economista Lord Keynes (que, em 1919, escrevera um verdadeiro libelo contra o Tratado de Versalhes que sufocara a Alemanha, intitulado “ As conseqüências econômica da paz”) como Lloyd George, ninguém menos do que o ex-primeiro-ministro que, durante a Primeira Guerra Mundial, mobilizara o Império Britânico na derrotar a Alemanha Imperial.
Lloyd George, nas suas memórias, chegou a mostrar-se sinceramente arrependido com o desenlace do conflito de 1914-18, entendendo que as conseqüências gerais da catástrofe militar e política alemã foram muito piores do que se tivesse havido algum tipo de acordo com o Kaiser, seguido de concessões ao IIº Reich Alemão. O caos em que a Alemanha afundara nos anos vinte deixou-o com a consciência culpada. Na entrevista que ele teve com Hitler, em setembro de 1936, atraído pelo magnetismo do líder nazista, deixou claro a sua admiração pelo novo regime, particularmente por ter suprimido com o desemprego e retomado a prosperidade econômica que a nação germânica tinha perdido com a guerra de 1914-8. Entendeu o Führer como a personalidade alemã mais formidável daquela época.
Até mesmo membros da família real britânica, como foi o caso do Duque de Windsor ( Eduardo VIII, que foi forçado a abdicar em 1936) e de sua esposa Wallis Simpson, que igual visitaram Hitler em 1937, deixaram-se seduzir pelo cenário de ordem e congregação patriótica que se formara em torno do nacional-socialismo e da sua liderança. O famoso casal manifestou publicamente o seu apoio à politica alemã, entendendo-a como resultante de uma posição audaz, campeã do anti-bolchevismo e defensora dos valores ocidentais(*). Opinião essa que estava longe de ser isolada entre os integrantes da aristocracia britânica que viam em Hitler uma saudável e eficaz barreira contra Stalin.
George Bernard Shaw, por sua vez, o mais celebrado teatrólogo britânico daquela época, um dedicado ativista do socialismo fabiano, viu a coisa ao seu modo. Para ele os cabeças nazi-fascistas eram revolucionários modernizadores que serviam para abalar ou quiçá varrer do mapa o poder das antigas oligarquias e das plutocracias européias as quais ele desprezava. Além disso, sendo ele de origem irlandesa, percebia a potencialidade de Mussolini e de Hitler virem a estremecer o odiado domínio que os ingleses exerciam ainda sobre a Ilha Esmeralda, abrindo uma chance para que a República da Irlanda atingisse a sua integral autodeterminação. Com esses exemplos percebe-se que a posição de Winston Churchill, que desde os começos manifestou-se hostil aos nazistas, estava longe de ser hegemônica nas altas esferas do poder da Grã-Bretanha.
(*) Quando a guerra eclodiu, o Duque e sua esposa, justamente por sua pública adesão ao nazismo, foram obrigados , saindo da Grã-Bretanha, a aceitar um exílio dourado nas ilhas Bahamas, assumindo a governadoria local entre 1940-44.
A avaliação de Hitler
Hitler, por conseguinte, não estava completamente desfocado da realidade quando em seus cálculos levou em conta a possibilidade de que o Império Britânico não lhe movesse guerra. A atração que o regime nazista exercia sobre muitos dirigentes ingleses, supôs ele, provavelmente evitaria um envolvimento total deles contra a Alemanha. A própria relutância da Grã-Bretanha em lançar-se numa ofensiva geral contra ele, mesmo depois das declarações formais de guerra, anunciadas em 3 de setembro de 1939, pareciam dar-lhe razão.
Significativo disso, desse estado de espírito pouco belicoso da parte britânica, foi uma reunião realizada pelo conselho da guerra de Churchill na qual um brigadeiro da RAF mostrou-se pouco disposto a ir bombardear as industrias do vale do Ruhr, visto que isso representaria “ danos às propriedades privadas alemãs”. Por igual, foi visível desse pouco empenho dos britânicos nos primeiros meses de guerra o fato de que a Força Expedicionária que desembarcara no solo francês não levava consigo nenhum plano de ação que fizesse referência a uma invasão ao território alemão, posicionando-se ao lado das divisões francesas claramente na defensiva.
Conforme os meses foram passando Hitler sentiu-se frustrado porque a Grã-Bretanha não lhe enviava nenhum sinal de trégua ou acordo. Se não lhe movia guerra total também não lhe oferecia qualquer outra alternativa, o que o levou a tomar a decisão de ordenar uma ofensiva geral contra as forças anglo-francesas em 10 de maio de 1940, derrotando a França e obrigando a Força Expedicionária britânica a bater uma humilhante retirada pelo porto belga de Dunquerque, ocasião em que Hitler foi condescendente com a evacuação de 385 mil britânicos, efetivada pelo Canal da Mancha entre 26 de maio e 3 de junho de 1940.
O vôo de Rudolf Hess
Hitler ainda tentou o derradeiro gesto de conciliação com a Grã-Bretanha quando determinou que um dos seus principais assessores Rudolf Hess, homem da sua inteira confiança, simulando uma espetacular fuga aérea da Alemanha para a ilha britânica, num vôo realizado no dia 10 de maio de 1941, conseguisse negociar uma trégua com os ingleses (*).
Hess saltou de pára-quedas sobre a Escócia e, capturado, expressou o desejo de entrevistar-se com Lord Hamilton, opositor de Churchill para , explorando-lhe o anticomunismo, negociar um cessar a luta no fronte ocidental para que as divisões alemãs pudessem destruir mais facilmente a URSS. País que Hitler, por meio da Operação Barba Roxa, invadiria no mês seguinte, a partir de 22 de junho de 1941. Os nazistas desejam liderar uma grande frente, engajando o Ocidente inteiro numa campanha final contra Moscou, a sede do comunismo internacional, e queriam seduzir o buldogue inglês nessa aventura ou pelo menos contar com a neutralidade dele.
(*) Hess passou o resto da sua longa vida na cadeia. No Julgamento de Nuremberg, onde insistiu que seu ato foi voluntário e pessoal, foi condenado à pena perpétua, sentença que ele cumpriu na Fortaleza de Spandau, em Berlim, até que conseguiu por fim a sua vida em 17 de agosto de 1987.
A posição histórica da Grã-Bretanha
Ao longo da sua história as ilhas britânicas sempre se viram ameaçadas por forças que partiam do continente europeu. A primeira dessa ameaças concretas aos bretões deu-se com a invasão romana, vinda do litoral da Gália, começada por Júlio César, no ano de 55 a.C., e concretizada definitivamente no reinado do imperador Cláudio (41-54), quando o general Aulus Plautius submeteu as tribos bretãs entre 43-47. O domínio romano sobre a parte centro-sul da ilha inglesa, limitada ao norte pelo Vallum Hadriani, a Muralha de Adriano, estendeu-se até o século V, ocasião em que, por determinação de Constantino III, as últimas legiões foram evacuadas de lá no ano de 407. Isso abriu caminho para a chegada dos saxões, vindos da Germânia, que se fundiram com os bretões, fazendo uma frente em comum contra as invasões nórdicas, promovidas pelos viquingues da Dinamarca e da Noruega.
Depois dos romanos, que lá ficaram por quase quatro séculos, a maior ocupação da ilha foi a promovida por Guilherme o Conquistador, duque da Normandia, que bateu o rei saxão Haroldo na batalha de Hastings em 1066.
A Guerra dos Cem Anos que os monarcas ingleses travaram na Idade Média com os reis franceses, entre 1346 e 1435, foram repletas de batalhas ocorridas no solo da França, não da ilha. Os ingleses voltaram a por-se em guarda contra uma potência continental quando a Espanha de Felipe II ( 1556-1598), o campeão da Contra-reforma católica, tornou-se a mais perigosa ameaça a eles. Rompida com o papado, a Coroa inglesa viu-se tendo que enfrentar uma invasão naval liderada pelo duque espanhol Medina Sidônia,almirante da fracassada Invencível Armada, destruída pelas intempéries e pela bravura dos marujos ingleses em 1588.
Quando, no final do século XVIII, Napoleão ascendeu no cenário europeu como o mais provável rival dos interesses britânicos, a Corte de Londres não cessou de estimular coligações anti-francesas ( com a Áustria, com a Rússia e com a Prússia) para evitar que o poder de Bonaparte se tornasse hegemônico sobre a Europa continental, até que conseguiu por fim levá-lo à derrota em Waterloo, em 1815.
Afastado o perigo, a Grã-Bretanha tratou então de posicionar-se contra a crescente ascensão do IIº Reich alemão, formado por Bismarck em 1871. Em pouco tempo Londres articulou uma frente diplomática-militar, a Tríplice Entente, formada pelo Reino Unido, pela República Francesa, e pelo Império Russo, para bloquear uma possível expansão germânica sobre suas áreas de interesse, o que conduziu o mundo à Primeira Guerra Mundial ( 1914-18). Em todas essas ocasiões apontadas, a posição britânica foi sempre muito claro: Londres jamais toleraria aceitar a presença de uma potência - fosse ela a Espanha Felipina, a França Napoleônica, ou a Alemanha Guilhermina -, que dominasse o continente. Com Hitler não poderia ser diferente.
Foi esse histórico posicionamento é que fez com que Churchill, independentemente das simpatias ideológicas que parte da elite britânica devotava aos nazistas, não aceitasse nenhuma negociação com o líder alemão ( situação aliás que voltou a repetir-se, depois da vitória na Segunda Guerra Mundial, quando Stalin passou a ocupar e controlar metade da Europa continental e igual a Hitler passou a ser o inimigom primordial da Grã-Bretanha).
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