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Churchill, o herói do Império!

2 fev 2018 - 17h39
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Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, estadista, escritor e pintor amador, falecido em 1965, foi um dos personagens marcantes do século 20. Atingiu a celebridade como aquele que, nos maus momentos em que a Grã-Bretanha passou nos começos da Segunda Guerra Mundial, jurou jamais se render frente as forças do nazismo em ascensão, tornando-se o campeão da resistência contra a opressão de Hitler. Biografado de maneira alentada pelo filho, sir Randolph Churchill, agora sua vida foi novamente retratada, desta vez por Lord Roy Jenkys, reitor de Oxford, num livro de quase mil páginas que pretende ser uma síntese das inúmeras atividades e também uma história política de boa parte do século passado.

W.Churchill ( 1874-1965)
W.Churchill ( 1874-1965)
Foto: Divulgação

O herdeiro dos Malborough

“Eu jogo com os grandes  perigos...” - W.Churchill

Numa das suas raras folgas das atividades políticas, ainda  nos anos de 1920, Winston Churchill decidiu percorrer a trajetória das vitoriosas marchas do seu antepassado Lord Malborough. Tratava-se de um capitão–de-guerra inglês que, entre 1704 e 1710, época da Guerra da Secessão Espanhola, aplicara sucessivas derrotas nos exércitos de Luís XIV e de seus aliados. O resultado  disso, dessa viagem dele da Holanda à Alemanha, viu-se quando Winston, escritor de mão cheia, publicou, entre 1933-38, uma alentada história em quatro volumes sobre os feitos do lorde guerreiro. Pode-se entender tal desvelo como um agradecimento tardio dele, Winston Spencer Churchill nascera em 1874, de mãe americana, no Castelo de Blenheim. 

O castelo de Blenheim herdado por Churchill
O castelo de Blenheim herdado por Churchill
Foto: Divulgação

A morada fora a bela propriedade que John Churchill (o nome de batismo do general, fundador da linhagem, e a quem ele procurava emular)  ganhara da rainha Ana em agradecimento por ele ter aparado as ambições do rei francês. Blenheim, um lugarejo a beira do rio Danúbio, fora uma daquelas tantas vitórias.

O jovem Winston, assim, veio ao mundo  sob o signo de um destino militar associado aos interesses da corte, foi um daqueles tantos cavalheiros-guerreiros, o último deles, que o império britânico fora tão pródigo em projetar desde os tempos de sir Walter Raleight, morto em 1618.

Todavia, pode-se também entender o livro de Churchill resultado de outra motivação, esta de ordem premonitória. John Churchill atuou nos quadros da estratégia perene da Grã-Bretanha que a obrigava sempre a opor-se a quem, rei, imperador ou ditador, tentasse se tornar o poder dominante na Europa.

Enquanto Lord Malborough enfrentou Luís XIV (classificado pela pena passional de Winston como “a maldição e a peste da Europa”), o seu descendente, mais de três séculos depois, guerreou contra Hitler (aliás, foi durante a estada dele em Munique, quando Churchill fazia uma viagem de pesquisas atrás de pistas do seu antepassado famoso, que tentaram infrutiferamente acertar uma entrevista dele com o chefe dos nazistas).

Churchill e seu antepassado ( caricatura)
Churchill e seu antepassado ( caricatura)
Foto: Divulgação

Fé no império anglo-saxão

Churchill, ainda rapaz, entrou no cenário da vida política inglesa de maneira espetacular. Cobrindo como correspondente a dura Guerra Bôer, travada pelo império contra os brancos africâners da África do Sul,  entre 1899-1902, ele caíra prisioneiro quando seu trem blindado fora emboscado.

 Todavia, conseguiu escapar dos guerrilheiros boers, realizando uma fuga espetacular de Pretória, com direito a ter a cabeça a prêmio e tudo (anos depois, em 1922, quando tratava com Michael Collins, o fundador do IRA, o tratado que acertou a emancipação da Irlanda, ele referiu-se ao fato dele, naquela aventura africana, ter valido bem menos, só 25 libras, do que a cabeça de Collins , posta a prêmio pelos ingleses por 5.000 libras!).

Voltou como herói para casa, abrindo desta maneira as portas para uma intensa e portentosa ascensão política e parlamentar que se estendeu por mais de meio século.

Churchilll, como todos da sua classe, era abertamente racista. Se tomou posições condescendentes para com a autonomia dos irlandeses (que afinal eram brancos), mandou o governador britânico da Mesopotâmia gazear os árabes quando da revolta iraquiana de 1920, como igualmente manteve-se  oposto às reivindicações dos indianos em obterem a independência (considerava Gandhi “ um faquir sedicioso”).

E até o fim, quando era evidente que o império não poderia mais ser mantido, ele bateu o pé contra a emancipação da Índia, entendendo-a habitada por um povo miserável, selvagem e supersticioso, que só poderia ser contido da desordem crônica pelo relho do homem branco.

Churchill sempre depositou uma espécie de fé religiosa na superioridade raça anglo-saxã, acreditando-a a única habilitada a governar o mundo (situação hoje consagrada pela aliança de ferro entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, hegemônica no planeta). Crença que ele não estendia aos germanos em geral, pois via-os desprovidos da sofisticação necessária para conduzir ao bom caminho os milhões de nativos que povoavam a terra.

Depressão nacional e pessoal

Churchill cometeu desastres ao longo da sua trajetória política e como líder militar, como na ocasião em que assumira como Lord do Almirantado ter planejado a desastrada invasão do estreito dos Dardanelos em 1915, na época da guerra contra a Turquia Otomana, durante a Primeira Guerra Mundial. Operação que tornou-se o maior fiasco da sua carreira e quase sepultou sua legenda. Era dado a sofrer de perigosas depressões (chamava-a de black dog), ocasião em que isolava-se de todos e, sentado numa cadeira de balanço, tendo uma garrafa de uísque ou brandi como companhia,  ficava por dias olhando a parede em frente. Hitler chamou-o de “bêbado shakespiriano”. Certamente foi por isso, para atenuar-lhe os efeitos negativos, que ele tornou-se pintor amador, os pincéis foram a sua terapia. De certo modo, muitos interpretam a ascensão dele ao poder em 1940, num governo de coalizão nacional, como uma sutil sintonia entre a depressão coletiva em que a Grã-Bretanha se encontrava - assustada pela rapidez com que aos forças nazistas ocuparam a Dinamarca, a Noruega, a Holanda, a Bélgica, levando a França a uma espetacular e espantosa rendição - , com as periódicas crises de desânimo que abatiam o herdeiro dos Malborough.

Não nos renderemos

Ele, entretanto, que se criara no meio do rumor das alabardas e de vistosas  dragonas, era dos que crescem na hora do perigo. Os maus momentos do império eram energéticos para ele. Não houve maneira dele deixar-se seduzir por uma paz com Hitler. Desde 1933, prevenira os ingleses contra a tirania nazista, acusando o despreparo das forças militares britânicas em fazerem-lhe frente. Um dos seus momentos de glória oratório deu-se em 4 de junho de 1940, ao discursar no parlamento logo após a débâcle da França imposta pela Wehrmacht, conclamando aos concidadãos a “lutar nos mares e oceanos... No ar. Lutaremos nas praias e nas pistas de pouso... Nos campos e cidades. Lutaremos nos montes”..., até que a Grã-Bretanha, com o “auxilio do Novo Mundo”, derrotasse Hitler: we shall never surrender! ( nós jamais nos renderemos), concluiu ele. Quando o Führer mandou Rudolf Hess, seu lugar-tenente e homem de confiança, num vôo aventureiro na noite de 10 de maio de 1941, negociar uma trégua, Churchill mandou encarcerá-lo. Para ele, um aristocrata da mais fina cepa, seria constrangedor ter que trocar apertos de mão com um ex-cabo de um regimento bávaro como Hitler.

Promovido a herói exclusivo

No período da Guerra Fria, com a morte de F.D.Roosevelt, e Stalin sendo escalado como o novo inimigo do Ocidente, não só deram-lhe o Prêmio Nobel da Literatura de 1953, como  fizeram de Winston Churchill o único estadista herói da Segunda Guerra Mundial. Quase que o exclusivo vencedor de Hitler. Papel que o deliciou. Mesmo o fato dele ter sido vencido pelo ditador nazistas em Narvik, no Flandres, nos Balcãs, na Grécia, em Creta e em Tobruk, e só ter conseguido vitórias na África, na Sicília e na Normandia, com o auxilio dos norte-americanos, foi promovido  à posição de solitário deus Marte, de cuja espada erguida contra o fascismo a democracia de hoje tudo deve.

Biografar Winston Churchill, falecido em 1965, como  fez Lord Roy Jenkins, reitor de Oxford (um respeitado autor dedicado à crônica da vida dos estadistas da história  britânica), obra lançada em Londres em 2001, é, de certo modo, relatar, em muito boa prosa, parte considerável do ocorrido no século XX, pelo menos dos seus momentos mais interessantes. É a história, na ótica do establishment anglo-saxão,  do apogeu e queda do império britânico que tanto Churchill, travando batalhas defensivas, tentou preservar, negando-se, inutilmente diga-se, a aceitar o papel de ser “o coveiro do império”.  

Bibliografia

Lord Roy Jenkis - “Churchill”,  Editora; Nova Fronteira/RJ, 2001. 

Foto: Divulgação

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