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As cenas de um grupo de jovens
ouvindo Vivaldi fazendo desenhos azuis e, na semana
seguinte, pintando com tons de vermelho ao som de
Beethoven encaixariam-se em alguma escola de arte
da zona sul carioca.
Mas têm ocorrido em instituições
estaduais e em organizações não-governamentais
que cuidam de menores infratores.
Criado pelo artista plástico Antônio
Veronese há seis anos, o projeto Ressocialização
Através da Arte já atendeu 5.980 adolescentes
do Rio e de Brasília. "A estratégia
é pôr as crianças em contato com
manifestações artísticas, elas
se emocionam com essa percepção sensorial
e desenvolvem uma paixão pela vida que normalmente
não têm", descreve o pintor, que
monta com o trabalho dos alunos exposições
que rodam o mundo. "Pretendo, por meio delas,
reduzir a intolerância com os infratores."
Na próxima semana, Veronese retomará
as aulas na Escola João Luiz Alves, na Ilha
do Governador. Lá P.H., de 15 anos, duas internações
em regime fechado por assalto, tomou gosto pelas cores.
Na última aula, desenhou com lápis de
cera na cartolina um sol com raios coloridos. Passou
a gostar da idéia de virar pintor. "Até
que o sol saiu legal, né?", diz, disfarçando
o orgulho.
Segundo Veronese, o índice de reincidência
dos participantes do projeto é mínimo,
de 1%. "Alguns chegam a chorar e você vê
que eles querem é colo", afirma o artista.
"Não defendo impunidade, sei que alguns
têm septicemia moral, mas digo que a sociedade
é perversa e, se eles não são
tratados a tempo, viram bandidos."
Às vésperas dos dez anos do Estatuto
da Criança e do Adolescente, Veronese é
um severo crítico das ações governamentais
no setor. "Encaminhei o projeto ao Comunidade
Solidária e nada", diz o pintor, que acompanhou
a primeira-dama, Ruth Cardoso, numa viagem ao Chile,
há dois anos. Ele também cobra do governo
Garotinho a promessa de tirar crianças das
ruas. "Estamos produzindo bandidos em série."
Nestes seis anos, Veronese teve o patrocínio
da Petrobras, que investe R$ 80,00 mensais por criança.
E não entende por que projetos como o seu não
ganham dimensão nacional. "Dar tinta às
crianças, música clássica e levar
ao balé muda a vida de metade delas imediatamente."
O pintor levou um grupo para assistir à ópera
Floresta Amazônica, de Villa-Lobos, no Teatro
Municipal. "Queria que tivessem idéia
de como a nação é extraordinária,
e não esse Brasil do desespero que eles conhecem."
Para marcar os dez anos do Estatuto, Veronese montou
um painel em Brasília, onde pintou 16 meninos
com rosto de bandidos e a inscrição
"são apenas crianças."
Redação
Terra / O Estado de S. Paulo
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