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Coronavírus

Gestantes e bebês costumam ter sintomas leves da covid-19

Estudos preliminares sugerem que a doença não seria de alto risco para mulheres grávidas e recém-nascidos infectados com o novo coronavírus

7 abr 2020 - 16h10
(atualizado às 16h24)
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Em meio ao rápido avanço do novo coronavírus (Sars-CoV-2) pelo mundo, pouco se sabe sobre as possíveis consequências que a doença respiratória covid-19 pode ter sobre a saúde de gestantes e recém-nascidos. Os dados disponíveis até o momento são inconclusivos, mas algumas tendências parecem ganhar corpo. Segundo o neonatologista Sérgio Marba, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), as mulheres grávidas não são mais propensas do que qualquer outra pessoa a apresentar sintomas graves decorrentes da covid-19. Pelo contrário. "A maioria delas desenvolve sinais leves e moderados associados à doença", ele diz. "A manifestação de sintomas graves, como quadros de pneumonia, ainda se concentra em pessoas com mais idade, com comorbidades e sistema imunológico enfraquecido."

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia observado essa tendência há cerca de um mês. Em relatório divulgado no dia 26 de fevereiro acerca dos resultados de sua missão científica na China, a organização reportou o caso de 147 gestantes infectadas com Sars-CoV-2 naquele país, das quais 8% apresentaram sintomas graves de pneumonia, número considerado baixo do ponto de vista epidemiológico. Mais recentemente, outro estudo, publicado por pesquisadores chineses na revista Journal of Medical Virology, monitorou cinco gestantes com covid-19 internadas no Hospital Materno-Infantil da província de Hubei, na China, região onde a doença foi primeiramente identificada antes de se disseminar para resto do mundo, entre fins de 2019 e o início deste ano. Elas tinham entre 25 e 31 anos de idade e estavam entre a 38ª e a 41ª semana de gestação. Todas tiveram febre moderada e sintomas respiratórios leves, sem comprometimento das funções renais ou do fígado. Nenhuma enfrentou complicações durante o parto.

Segundo especialistas, há número crescente de gestantes que decidiram fazer o parto em casa em razão do novo coronavírus
Segundo especialistas, há número crescente de gestantes que decidiram fazer o parto em casa em razão do novo coronavírus
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As gestantes, em geral, costumam ser mais suscetíveis a infecções respiratórias, como a causada pelo vírus influenza A (H1N1). Se contaminadas, podem desenvolver quadros mais graves da doença, com possíveis consequências para a saúde delas e do bebê. "O organismo da mulher acomoda seu sistema imunológico durante a gravidez para que ele não reconheça o feto como um corpo estranho e não o ataque", explica a médica Silvana Quintana, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Daí a preocupação em relação ao impacto de eventuais infecções pelo novo coronavírus. No dia 5 de abril, por exemplo, uma mulher, grávida de 31 semanas, morreu em Recife, Pernambuco, por complicações associadas à covid-19. Os médicos conseguiram retirar o bebê com vida por meio de procedimento cesariano e o internaram na unidade de terapia intensiva do hospital em estado grave.

Infecção intrauterina

Outra preocupação de médicos e pesquisadores é descobrir se os bebês podem ser infectados dentro do útero, como ocorre em infecções por outros vírus, como o zika. As evidências disponíveis ainda são preliminares, mas sugerem que o Sars-CoV-2, na maioria das vezes, não é capaz de transpor a placenta e infectar o líquido amniótico. "O que pode acontecer é a contaminação pelo contato com a mãe após o nascimento", diz a pediatra Sonia Venancio, pesquisadora do Instituto de Saúde de São Paulo e consultora da Coordenação de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde.

Um estudo publicado no dia 16 de março na revista Frontiers in Pediatrics reforça essa hipótese. Nele, pesquisadores acompanharam quatro gestantes com covid-19, que deram à luz no Union Hospital, em Wuhan. Em um primeiro momento, nenhum dos bebês desenvolveu sintomas da doença, embora todos tenham sido isolados em unidades de terapia intensiva neonatal e alimentados com uma fórmula infantil. Os médicos colheram amostras de secreção das vias aéreas superiores para análise. Três dos quatro bebês testaram negativo para o vírus - a mãe da quarta criança não permitiu a realização do teste. Todos permanecem saudáveis e suas mães se recuperaram bem.

A maioria dos estudos sugere que os bebês não entram em contato com o vírus antes do nascimento, "ainda que alguns trabalhos mais recentes sugiram que isso seja possível", comenta Quintana. Ela se refere a um artigo publicado no dia 26 de março no Journal of the American Medical Association (JAMA), no qual pesquisadores indicam ser possível a transmissão do Sars-CoV-2 da mãe para o feto durante o desenvolvimento intrauterino.

Os resultados tomam como base um tipo específico de anticorpo, a imunoglobulina M (IgM), que o organismo produz pela primeira vez quando entra em contato com algum tipo de microrganismo invasor. No estudo, os pesquisadores analisaram sete recém-nascidos, dos quais três tinham anticorpos IgM para o novo coronavírus. "A presença desses anticorpos específicos para Sars-CoV-2 sugere que os bebês podem ter sido expostos ao vírus dentro do útero", diz Venancio. A boa notícia nesse mar de incertezas é que a covid-19 parece não desencadear complicações graves em recém-nascidos. "Em geral, eles parecem desenvolver sintomas leves e inespecíficos", explica a pediatra.

Um estudo com 33 bebês nascidos de mães infectadas pelo novo coronavírus também em Wuhan corrobora essa possibilidade. Dos recém-nascidos avaliados, apenas três testaram positivo para o vírus dias após o parto - todos os outros testaram negativo para a doença. Eles nasceram de cesariana e logo foram separados das mães, de modo que não se sabe como eles se infectaram. Todos se recuperaram da infecção.

Na avaliação de Quintana, novos trabalhos são necessários para determinar melhor os impactos do Sars-CoV-2 no feto e em recém-nascidos. "A maioria dos estudos trata de mulheres no terceiro trimestre de gestação, ou seja, quando os bebês já haviam se desenvolvido quase completamente." Segundo ela, nada se sabe sobre as consequências do novo coronavírus em mulheres no início da gestação. "Nosso receio é de que esse vírus, se for capaz de transpor a barreira da placenta, possa, como o zika, comprometer o desenvolvimento do feto no útero e levar a malformações."

Juntos ou separados

Não há consenso sobre qual é o melhor lugar para se manter um recém-nascido filho de mãe infectada com Sars-CoV-2. Algumas autoridades médicas da China e dos Estados Unidos, por exemplo, aconselham os profissionais da saúde a separarem, logo após o parto, os bebês das mães infectadas, que devem permanecer isoladas durante o tratamento da doença. Já a OMS recomenda que os bebês fiquem com as mães e que elas sigam com a amamentação enquanto se tratam.

"Ainda estamos aprendendo sobre a infecção causada pelo Sars-CoV-2 e seu impacto na saúde das gestantes e dos bebês", comenta Venancio. "Novos estudos são publicados todos os dias e as autoridades da saúde revisam constantemente suas orientações." No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda que a amamentação seja mantida mesmo em casos de mães infectadas. "Como não existem evidências sobre a transmissão do Sars-CoV-2 pelo leite materno, é importante conversar com a família e esclarecer os benefícios da amamentação. Até onde se sabe, eles superam os riscos de uma possível contaminação do bebê pelo contato com a mãe", explica a pediatra.

A amamentação ajuda a transmitir anticorpos maternos protetores ao bebê. No caso de mães infectadas com o novo coronavírus, porém, isso deve ser feito de acordo com algumas precauções. Além de usar máscaras de proteção no rosto e lavar as mãos e os seios antes e depois da amamentação, as mães devem manter seu leito a uma distância de 2 metros do berço do recém-nascido. Caso a criança precise ser internada em uma unidade de terapia intensiva neonatal, a mãe deverá ser afastada do bebê por até 14 dias, período que leva da infecção até o aparecimento dos primeiros sintomas.

No Hospital das Clínicas da FMRP-USP, o desafio tem sido testar os casos de gestantes com suspeita de infecção. "Atendemos por dia cerca de cinco gestantes com suspeita de contaminação por Sars-CoV-2. Elas chegam com febre moderada e tosse", conta Quintana. "Mas o contingente de testes não está dando conta da demanda do hospital, de modo que eles estão sendo usados apenas para confirmar casos de covid-19 em pessoas com sintomas graves. Por ora, não há como saber se as gestantes que atendemos estão contaminadas." Desde o dia 23 de março o hospital mantém uma ala separada e uma equipe exclusiva para atender grávidas com suspeita da doença.

Para monitorar a saúde de gestantes e reunir dados importantes sobre o impacto do novo coronavírus na saúde de mães e bebês, o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp, por iniciativa do Grupo de Pesquisa em Morbidade Materna Grave, pretende pôr em prática nas próximas semanas uma pesquisa multidisciplinar de longo prazo com as pacientes atendidas em hospitais de referência para gestação de alto risco em várias regiões do Brasil.

Nos primeiros três meses, o estudo vai mapear a prevalência do vírus nas gestantes. A ideia é determinar quantas se contaminaram e se integram a algum grupo de risco devido a outros fatores. Em seguida, os pesquisadores vão se concentrar nas gestantes que testarem positivo para covid-19. Eles as acompanharão durante toda a gravidez para identificar possíveis complicações associadas à doença. A equipe também analisará a disseminação de informações sobre o Sars-CoV-2 e a relação da doença com a gravidez.

Estadão
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