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Coronavírus

Bancos de Wall Street querem voltar à rotina exaustiva no escritório, mas funcionários, não

Em todo o setor financeiro nos Estados Unidos, em grandes e pequenas empresas, os empregados estão demorando para retomar o trabalho presencial, mesmo com a exigência feita pelos chefes

26 nov 2021 - 10h10
(atualizado às 16h24)
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NOVA YORK - Em duas décadas trabalhando em Wall Street, Nadia Batchelor nunca pensou que poderia fazer seu trabalho de casa. As reuniões cara a cara eram uma obrigação para ela, executiva sênior do banco de investimentos Jefferies, de Nova York. Sem estar na mesma sala que seus clientes e colegas, Nadia presumia, não havia como ganhar a confiança deles e desempenhar sua função de apresentar empresas a investidores em potencial.

Ela costumava acordar às 4h30 para ir de carro de sua casa, em Nova Jersey, pegar um ônibus para Manhattan, entrar no metrô e chegar ao pregão do Jefferies às 7h30. Os jantares de trabalho iam até tarde à noite, e voos noturnos para Londres eram comuns.

Mas depois que a pandemia forçou Nadia, de 42 anos, mãe de três filhos, a trabalhar em casa e perceber que ela poderia se dar muito bem, um retorno completo à sua exaustiva rotina anterior está fora de questão. "Eu era louca", disse. "Não acho que poderia voltar a fazer isso".

Wall Street está em clima de revolta. Em todo o setor financeiro, em grandes e pequenas empresas, os empregados estão demorando para voltar ao escritório. Funcionários de Wall Street, para quem trabalhar em casa antes seria incompreensível, agora não conseguem se imaginar voltando ao escritório em tempo integral. Pais continuam preocupados com a transmissão do coronavírus aos filhos. Moradores de subúrbios estão irritados com a ideia de ter de retomar aquelas longas viagens. E muitos funcionários mais jovens preferem trabalhar remotamente .

A relutância em retornar às minúsculas estações de trabalho no escritório não é exclusiva do setor financeiro. Em todo o país, empresas estão lutando contra as demandas por flexibilidade de seus funcionários, à medida que a pandemia remodela o futuro do trabalho. Mas em Wall Street - conhecida por sua cultura agressiva que valoriza o tempo e as longas horas de trabalho e onde a resistência é celebrada - é notável.

Um dos motivos: os bancos da Wall Street registraram lucros e receitas recordes durante a pandemia, à medida que o auxílio monetário do governo ofereceu suporte aos consumidores presos em casa e as empresas procuraram fazer negócios, provando aos banqueiros e corretores que tinham pouca necessidade de trabalhar fora do escritório da maneira como costumavam.

Os números de presença são baixos. O setor financeiro emprega 332.100 pessoas na cidade de Nova York. Em outubro, apenas 27% dessas pessoas vinham diariamente, de acordo com dados de uma pesquisa realizada pela Partnership for New York City, grupo de defesa de negócios.

A frequência nos escritórios de firmas de serviços financeiros deverá subir para 47% até o fim de janeiro, à medida que as empresas dependem mais de funcionários, conforme o grupo. Mesmo assim, está muito longe dos 80% que eram típicos antes da pandemia, contando os funcionários que estavam viajando, de férias ou doentes.

"As maiores instituições estão tendo mais dificuldade em trazer as pessoas de volta", disse Kathryn S. Wylde, executiva-chefe da Partnership for New York City. "Do ponto de vista do empregador, quanto mais isso durar, mais difícil será trazer as pessoas de volta e maior a frustração delas."

Alguns grandes bancos exigiram que seus funcionários voltassem ao escritório durante o verão. Chefes de alto escalão vêm dizendo há meses que seus clientes deveriam ser atendidos pessoalmente, que o banco é um negócio de aprendizagem em que os juniores aprendem a trabalhar observando os mais velhos e que o trabalho em equipe beneficia a todos. Seus pedidos exerceram um impacto misto, deixando os chefes confusos - e em alguns casos, irritados.

Em uma reunião sobre investimentos em junho, James Gorman, presidente-executivo do Morgan Stanley, disse: "Se você tem condições de ir a um restaurante na cidade de Nova York, então tem condições de vir para o escritório". O banco chamou de volta para o escritório os funcionários da área metropolitana de Nova York depois do Dia do Trabalho. Cerca de 65% dos funcionários lotados na sede do Morgan Stanley em Times Square agora vêm pelo menos três dias por semana.

Gorman recentemente assumiu um tom mais complacente, dizendo em uma reunião com funcionários na prefeitura em 27 de outubro que, embora passar um tempo no local de trabalho fosse essencial para manter a cultura do banco, "aprendemos a funcionar de maneira muito diferente durante a pandemia". Ele disse que o banco permitiria maior flexibilidade para seus funcionários.

Em fevereiro, o presidente-executivo da Goldman Sachs, David M. Solomon, considerou o trabalho remoto uma "aberração" para os traders da empresa. O banco pediu aos funcionários que voltassem em junho. Em um comunicado enviado por e-mail, Solomon disse que o Goldman foi um dos primeiros bancos a pedir que seus funcionários voltassem ao trabalho por considerá-lo essencial para cultura de aprendizagem do banco. "O que fica claro no processo é que somos melhores juntos do que separados", disse ele. Mesmo assim, o escritório do Goldman no centro de Manhattan está com cerca de 60% de funcionários.

O JPMorgan Chase, o maior credor dos Estados Unidos, exigiu que a equipe voltasse ao trabalho em rodízios a partir de julho. "As pessoas não gostam de ir para o trabalho, mas e daí?", disse Jamie Dimon, presidente-executivo do banco, ao The Wall Street Journal em maio. Dimon também citou casos em que o banco perdeu negócios para concorrentes que visitavam clientes pessoalmente.

A maioria dos funcionários do JPMorgan voltou ao trabalho no escritório nos últimos meses, embora muitos deles em horários híbridos, "exatamente como nossa equipe de gerenciamento sênior solicitou", escreveu o porta-voz do banco, Brian Marchiony, por e-mail. "Na verdade, cerca de metade de nossos funcionários em Midtown vem para o escritório em determinados dias."

Em particular, muitos executivos seniores de bancos, com a tarefa de aumentar a participação de seus subordinados diretos expressaram alguma irritação. Disseram que era injusto que funcionários bem pagos continuassem trabalhando em casa enquanto outros - como caixas de banco ou operários de construção - vêm para o trabalho religiosamente todos os dia. Os salários dos bancos de investimento na área de Nova York foram em média anual de US$ 438.450 em 2020, um aumento de 7,8% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Controller do Estado de Nova York, Thomas P. DiNapoli.

Dois executivos seniores, que não quiseram ser identificados discutindo assuntos de pessoal, disseram que poderão demitir subordinados que não desejam voltar ao escritório regularmente. Outro gerente expressou frustração com um funcionário que se recusou a comparecer ao escritório, alegando preocupação com o vírus - embora esse mesmo funcionário tivesse recentemente viajado de férias.

Os executivos "não achavam que poderiam fazer pressão para que as pessoas voltassem ao escritório - e aqueles que o fizeram encontraram muita resistência", disse Wylde, da Partnership for New York City. "Os serviços financeiros representam um segmento extremamente competitivo em termos de talentos, por isso ninguém quer fazer o papel de vilão." Ela espera que as grandes financeiras consigam finalmente trazer os funcionários de volta ao escritório ao suspender salários e promoções.

Incentivos para a volta presencial

Por enquanto, os bancos estão recorrendo a incentivos e mimos. Food trucks, refeições e lanches grátis são oferecidos ocasionalmente, assim como viagens de Uber e Lyft de cortesia. Os códigos de vestimenta foram relaxados. As principais empresas adotaram protocolos de segurança, como testes no local e uso obrigatório de máscaras em áreas comuns. Goldman, Morgan Stanley e Citigroup estão exigindo vacinações para os funcionários que entram em seus escritórios, enquanto o Bank of America pediu que apenas os funcionários vacinados retornassem após o Dia do Trabalho. O JPMorgan não obrigou a vacinação para que os funcionários voltem ao escritório.

No Citi, que pediu aos funcionários que voltassem pelo menos dois dias por semana a partir de setembro, os escritórios estão cerca de 70% lotados nos dias de maior movimento. O banco, cuja executiva-chefe, Jane Fraser, começou no emprego no meio da pandemia , alugou ônibus para que os funcionários que chegam em Midtown Manhattan vindos de residências suburbanas possam evitar pegar o metrô para os escritórios do banco no centro da cidade. Para minimizar as preocupações com o aumento da criminalidade em Nova York, pelo menos uma outra empresa contratou ônibus para transportar seus funcionários por alguns quarteirões da Estação Pensilvânia para os escritórios em Midtown, disse Wylde.

Os acordos de trabalho remoto também estão surgindo como um importante fator para pessoas entrevistadas para novos empregos, de acordo com Alan Johnson, diretor-gerente da Johnson Associates, uma consultoria de salários de Wall Street. Os bancos tradicionais não mudaram muito seu discurso, ele disse: "Precisa se vestir bem, ficar no escritório cinco dias por semana, é igual a década de 1990 outra vez".

Em contrapartida, empresas mais jovens oferecem muito mais flexibilidade para trabalhar em casa e um código de vestimenta descontraído para o escritório. Catalin Vieru ingressou no Banco de Silicon Valley, empresa com foco em tecnologia, sediada em Santa Clara, Califórnia, em março, como diretor responsável por transferir a tecnologia do banco para a nuvem. Seu trabalho é totalmente remoto e ele não teria considerado nenhuma outra proposta de emprego.

Funcionários têm demonstrado que podem trabalhar com eficiência em casa, disse Vieru, e para eles, "trata-se mais de uma mudança de atitude do tipo: 'Quer saber? Estamos todos juntos nisso, estamos todos sofrendo igualmente com esta pandemia'. Por que eu deveria voltar para o escritório e ser colocado de volta em um canto? "

O banco Jefferies, onde Nadia Batchelor trabalha, adotou o trabalho híbrido de longo prazo, em nítido contraste com alguns de seus pares da Wall Street. O banco permite que seus funcionários trabalhem em casa em tarefas individuais, ao mesmo tempo que incentiva o trabalho em equipe e a colaboração no escritório - e até mesmo pagam a conta das refeições em grupo.

"Consequentemente, em dias de pico, o escritório está com 70% da capacidade", disse Brian P. Friedman, presidente do Jefferies. "Nossa abordagem não tem sido estabelecer um regime ou prescrição, mas fornecer suporte e orientação e permitir que as pessoas tenham confiança em nós e umas nas outras", disse Friedman.

Para Nadia, a nova política de Jefferies significa ir ao escritório três dias por semana. Embora planeje viajar para as reuniões sempre que necessário, ela disse que estava grata por passar mais tempo com os filhos e reduzir seu longo trajeto de ida e volta ao trabalho. "Eu não sabia o que estava perdendo", disse. / TRADUÇÃO DE ANNA MARIA DALLE LUCHE

Estadão
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