Vídeos de produtores descartando alimentos não são atuais; entenda os motivos por trás dessa prática
Registros de 2024, alguns fora de contexto, circulam sugerindo que descartes ocorreram para forçar a alta dos preços dos alimentos
Vídeos que mostram produtores rurais descartando frutas e legumes em diversas regiões do País circulam nas redes sociais acompanhados da afirmação de que os alimentos estariam sendo jogados fora intencionalmente, para forçar ou manter o aumento dos preços. Mas não há embasamento para dizer isso.
Alvo de críticas, a prática do descarte não é novidade entre os produtores rurais, que a adotam por diferentes razões. Uma delas é o excesso de oferta de determinado produto, o que provoca a queda nos preços e torna a venda inviável para os produtores.
A reportagem identificou que registros compartilhados por diversos usuários não são atuais. Com exceção de um vídeo que está no TikTok desde 2023, os demais vídeos analisados pelo Verifica circulam na internet desde o final de 2024. As imagens mostram produtores descartando alimentos como cebola, jiló, chuchu, melancia e pimenta.
Vídeo que mostra melancias sendo jogadas fora é de 2023
Um vídeo que mostra melancias sendo descartadas de um caminhão circula nas redes sociais desde 2023. No registro, a pessoa que está filmando a ação conversa com dois homens que jogam as frutas no chão. Ao questionar sobre o descarte, um dos homens explica que o motivo é que as pessoas querem pagar R$ 1,99 pela melancia, o que torna inviável vender o produto. Ao final da gravação, o autor diz que as imagens foram feitas em Goiânia.
Em setembro de 2023, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) publicou um texto sobre a queda expressiva nos preços das hortaliças na Central de Abastecimento (Ceasa) de Goiânia, observada no mês anterior. Em relação às frutas, o texto informa que a melancia foi o produto que mais registrou queda, com uma redução de 3,58% no seu valor.
Jilós foram deixados em estrada porque não puderam ser doados
Um vídeo que circula na internet mostra jilós sendo descartados no acostamento de uma estrada. A gravação, compartilhada em um compilado com outros casos de descarte, teve seu contexto omitido para sugerir que os jilós foram jogados fora para forçar a alta dos preços dos alimentos. O registro mostra apenas o momento em que o homem que filma a ação diz: "Tô jogando aqui na beira do asfalto porque não tem onde jogar não".
O Verifica identificou a versão completa do vídeo, publicada no Instagram em dezembro de 2024, que traz o contexto por trás da ação. Na gravação, o homem explica que levou 92 caixas de jilós para descartar, pois não conseguiu doá-las na Ceasa. Segundo ele, as pessoas não estavam interessadas em receber os produtos, e não havia local para realizar o descarte. Ele relata que, das 92 caixas, apenas 35 foram doadas, e as restantes tiveram que ser jogadas fora por falta de alternativa.
Chuchu foi descartado por não ter compradores
O registro de chuchus sendo descartados por uma produtora também circula sem contexto nas redes sociais. Compartilhado em um compilado, o vídeo mostra uma mulher arrancando os chuchus do pé e comentando que foi criticada por um vídeo publicado um mês antes em que ela fala sobre o descarte de chuchus. A gravação original, publicada no TikTok em dezembro do ano passado por Lilithie Schaeffer, de Santa Maria de Jetibá (ES), foi editada para ser exibida neste compilado.
Na íntegra do vídeo, Lilithie explica que há mais de um mês não vendia nenhuma caixa de chuchu e que gostaria de estar doando o legume. No vídeo, ela afirma que os usuários poderiam ir até sua propriedade buscar o legume, e que ela os retiraria para fazer caridade.
Em um novo vídeo, publicado há uma semana na mesma rede social, a produtora mostra o compilado que circula nas redes sociais e esclarece que o alimento foi descartado porque não conseguiu vender. Ela lembra que ofereceu os chuchus para que as pessoas os retirassem de sua propriedade, mas ninguém compareceu.
Uma reportagem publicada pelo g1 em dezembro mostrou que a desvalorização dos preços do chuchu, causada pela baixa demanda e pelos altos custos de produção, prejudicou os produtores do Espírito Santo, estado líder na produção do legume no Brasil. Como resultado, muitos produtores precisaram descartar o alimento.
Entrevistados pela reportagem relataram dificuldades tanto no descarte quanto na doação. Um dos produtores, que descartou mais de 500 caixas no próprio terreno, contou que até para doar os chuchus estava difícil, já que, quando oferecido, as pessoas pediam que o produtor levasse o produto até elas, o que acarretaria em custos adicionais.
Pimenta foi para o lixo por causa do preço baixo
Um vídeo que mostra pimentas sendo descartadas também circula em um compilado com outros registros semelhantes. Na gravação, uma mulher menciona a data em que as imagens foram feitas, 18 de dezembro, e exibe o descarte de uma saca de pimentas ao lado de unidades de mamão. Em uma versão do vídeo publicada no TikTok, que oferece uma visão mais detalhada do local do descarte, a mulher afirma que a gravação ocorreu na Ceasa de Goiânia.
O mesmo perfil que compartilhou o vídeo na rede social publicou outros registros de descarte de pimentas (aqui e aqui), também em dezembro. Em uma das publicações, o autor informa na legenda que a venda da pimenta estava difícil devido ao baixo preço.
Ao responder a um comentário de uma usuária que questiona por que não se fazem doações em vez de descartar, ele explicou: "Às vezes são sobras, outras vezes é porque o preço cai, e aí joga fora, infelizmente".
Governo afirma apoiar produção e comercialização de alimentos
À reportagem, a Conab informou que o governo federal tem medidas de apoio à produção e comercialização de alimentos no País. Entre elas está o Programa de Garantia de Preços para Agricultura Familiar (PGPAF), que garante desconto no pagamento do financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) em caso de baixas nos preços de mercado.
De acordo com a companhia, o percentual de desconto dos produtos incluídos no PGPAF é calculado pelo órgão. Outra iniciativa é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que realiza a compra direta de alimentos de produtores da agricultura familiar, sem necessidade de licitação, e destina esses produtos a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, além de atender à rede pública e filantrópica de ensino.