Homem que quebrou relógio no Planalto era apoiador de Bolsonaro, não 'infiltrado'
IMAGENS USADAS EM POSTS ENGANOSOS NÃO SÃO VÍDEOS 'VAZADOS', NEM APAGADOS; ELAS PERTENCEM AO ACERVO TORNADO PÚBLICO APÓS OS ATAQUES DE 8 DE JANEIRO
O que estão compartilhando: que teria vazado um vídeo do 8 de Janeiro que o ministro Flávio Dino disse ter sido apagado. As imagens mostrariam um "infiltrado" quebrando o relógio de Balthazar Martinot, no Palácio do Planalto.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. As imagens que Dino disse terem sido apagadas no dia 8 de janeiro de 2023 eram do circuito interno de câmaras do Ministério da Justiça, pasta que ele chefiava na época. As cenas que aparecem no vídeo viral não foram "vazadas": elas foram disponibilizadas pelo próprio governo federal após os ataques às sedes dos Três Poderes.
No vídeo, aparece Antônio Cláudio Alves Ferreira dentro do Palácio do Planalto. Na época em que destruiu o relógio de Dom João VI, ele era mecânico, tinha 30 anos e era morador de Catalão (GO). Diferentemente do que diz o vídeo viral, ele não era um infiltrado, e sim apoiador de Jair Bolsonaro.
Ferreira foi preso em Uberlândia (MG), julgado e condenado a 17 anos de prisão pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do Patrimônio tombado e associação criminosa armada.
Saiba mais: Não é a primeira vez que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro tentam afirmar que infiltrados - e não bolsonaristas - causaram destruição nas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Desta vez, o post viral diz que "patriotas estão pagando injustamente por crimes que não cometeram".
O Verifica desmentiu diferentes narrativas sobre infiltrados no 8 da Janeiro (1, 2, 3). A equipe de verificação também checou conteúdos falsos e enganosos envolvendo a destruição do relógio de Balthazar Martinot.
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Homem que destruiu o relógio é apoiador de Bolsonaro
O argumento para dizer que Antônio Cláudio Ferreira era um infiltrado é o de que havia uma recomendação para não usar camisas com o rosto de Bolsonaro ou com símbolos de partidos políticos durante os atos de 8 de Janeiro. Apenas infiltrados não saberiam disso.
O fato de Antônio Cláudio usar uma camisa preta com o rosto do ex-presidente seria uma evidência de que ele não era um "patriota". Outra "prova" estaria no estilo de roupas do homem: uma calça jeans folgada com uma cueca branca visível. Segundo o vídeo viral, "patriota conservador não usa calças caindo com a cueca à mostra".
No entanto, a investigação da Polícia Federal e testemunhas que conheciam o homem afirmam que ele era, sim, bolsonarista, como mostrou o Estadão. O ex-chefe do mecânico disse tê-lo reconhecido ao ver o vídeo da destruição do relógio na TV. Ele afirmou que Antônio começou a puxar conversas sobre ataques às instituições democráticas nos meses que antecederam o início da pandemia, quando foi demitido.
Outros conhecidos afirmaram que ele se considerava um patriota e compartilhava mensagens de apoio a Bolsonaro no WhatsApp. No voto em que pede a condenação de Antônio Cláudio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes anexou frames de vídeos gravados por ele mesmo em manifestações antidemocráticas ocorridas entre 6 de novembro de 2022 e 8 de janeiro de 2023.
Na defesa, Antônio confessou o ato, mas disse que não participava de manifestações contra partidos políticos ou nenhum candidato específico. Em um dos vídeos em seu celular, contudo, ele cita o PT: "Olha nossa janta, achou que nós ia passar fome, né? Aqui ó, ó o suquinho, água gelada. Achou mesmo, é? Aqui é Brasil, porra. Chupa PT! (sic)".
Após a condenação, Antônio Cláudio começou a cumprir a pena de 17 anos de prisão em dezembro de 2024 no Presídio Professor Jacy de Assis, em Uberlândia (MG). Em junho de 2025, ele deixou o presídio após um juiz de Minas Gerais conceder progressão de regime sem o uso de tornozeleira eletrônica, alegando que o Estado de Minas não tinha o dispositivo.
Dias depois, o STF determinou que Antônio Cláudio voltasse à prisão e mandou investigar o juiz que decidiu pela soltura. Isso porque, segundo o STF, o juiz expediu uma ordem fora de sua competência e ainda descumpriu as determinações legais para progressão da pena. Para ir para o regime semiaberto, o réu teria que cumprir ao menos um quarto da pena - pelo menos quatro dos 17 anos. Quando foi solto, ele tinha cumprido dois anos e cinco meses.
Imagens apagadas citadas por Dino eram do Ministério da Justiça
Além de usar a falsa narrativa dos infiltrados, o vídeo engana ao dizer que as imagens são "vazadas". A gravação que mostra Ferreira quebrando o relógio de Dom João VI não foi "vazada", e sim disponibilizada pelo governo logo após a invasão, assim como horas de gravação de diversas câmeras no Palácio do Planalto.
Além disso, o ministro Flávio Dino não disse que esse vídeo tinha sido deletado. As imagens que ele disse terem sido apagadas eram do circuito interno de câmeras do Ministério da Justiça. Dino admitiu, em agosto de 2023, que nem todas as imagens do Ministério tinham sido entregues à CPMI dos atos antidemocráticos, mas alegou que não sabia que as gravações estavam incompletas.
Segundo o ministro, parte das imagens não estava arquivada por conta do contrato com a empresa responsável pelas câmeras de segurança do Palácio da Justiça. As imagens ficam guardadas por prazo inferior a 30 dias.