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Estudo citado em post não 'maquiou números'; vacinação infantil contra covid segue sendo segura

PESQUISA PUBLICADA NA 'LANCET' APONTOU QUE RISCO DE INFLAMAÇÃO NO CORAÇÃO ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES É MUITO MAIOR QUANDO SE PEGA COVID; DADOS CONDIZEM COM O QUE CIÊNCIA TEM DEMONSTRADO SOBRE O ASSUNTO

26 nov 2025 - 17h12
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O que estão compartilhando: que a revista científica Lancet teria "maquiado números" para manter a "narrativa" de que vacinar crianças é mais seguro que deixá-las pegar covid-19.

Limitações são citadas no estudo publicado pela Lancet.
Limitações são citadas no estudo publicado pela Lancet.
Foto: Reprodução/Instagram / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Dizer que vacinar crianças é mais seguro não é uma "narrativa", mas um fato científico apoiado por diferentes estudos e declarações de autoridades de saúde ao redor do mundo. O Ministério da Saúde informa que as vacinas contra covid reduzem "desfechos graves nas crianças, como hospitalizações, complicações, sequelas e mortes". Os efeitos colaterais da vacinação, em geral, são "de leves a moderados e não duram mais do que alguns dias".

Em resumo, o estudo da Lancet citado na postagem observou que, entre menores de 18 anos na Inglaterra, o risco de desenvolver doenças do coração foi significativamente menor após a vacinação contra covid, na comparação com o risco após a infecção pela doença. Os pesquisadores escrevem que esses dados respaldam a estratégia de vacinar crianças e adolescentes contra covid, pois os riscos de pegar a doença são mais frequentes e persistentes.

O estudo tem limitações, citadas no próprio texto publicado pela Lancet. Não há qualquer evidência de que os autores tenham "manipulado, excluído e distorcido" dados, como diz a postagem. Especialistas ouvidos pelo Verifica consideram o trabalho confiável e citam que o resultado condiz com aquilo que a ciência vem demonstrando sobre a associação de miocardite após a vacinação e após a infecção pela doença.

Procurado pela reportagem, o autor da postagem, o médico Francisco Cardoso, afirmou que não criticou a revista e sim "divulgadores de ciência que fizeram um alarde desse artigo justamente omitindo as fraquezas e limitações do mesmo". Ele alegou ter feito um contraponto "mostrando essas limitações e vieses".

Saiba mais: O estudo citado na postagem indica que o risco de complicações cardíacas é significativamente maior após a infecção por covid-19, na comparação com o risco após a vacinação contra a doença. A pesquisa analisou dados de mais de 13 milhões de jovens e crianças na Inglaterra.

A conclusão não é uma novidade. Desde 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) havia alertado para a ocorrência de casos de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e de pericardite (inflamação do tecido que envolve o coração) após a vacinação com imunizantes de RNA mensageiro. Mas esses casos são muitíssimo raros - os riscos de se infectar com a covid são bem maiores.

Ao longo da utilização das vacinas de mRNA, várias pesquisas científicas confirmaram que o risco de ocorrência das inflamações era muito baixo entre vacinados.

Um exemplo é um estudo publicado no site do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a principal agência de saúde pública dos Estados Unidos. A pesquisa mostrou que o risco de inflamação é significativamente maior após a infecção pelo vírus entre pessoas com ao menos 5 anos.

Em 2021, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) divulgaram posicionamento conjunto apoiando a vacinação de crianças de 5 a 11 anos portadoras de doenças do coração.

As entidades afirmam que os benefícios da vacinação nesta faixa etária superam os eventuais riscos associados. Em relação à miocardite pós-vacina, o posicionamento frisava que o risco de se desenvolver o problema durante a covid-19 é vinte vezes maior que risco de miocardite após a imunização.

O pediatra infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, explicou anteriormente ao Verifica que a vacinação infantil não deve ser ignorada. "(As crianças) se infectam da mesma maneira", disse.

Os pediatras veem com preocupação a infecção pelo coronavírus entre crianças, na comparação com outras doenças. "Você tem mais hospitalizações (por covid) do que por influenza, por exemplo, que é a gripe", disse.

Um estudo de 2022 do Observatório Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), demonstrou que entre 2020 e 2021 a covid-19 matou mais do que o triplo de crianças de 6 meses a 3 anos do que outras 14 doenças preveníveis por vacinas ao longo de uma década.

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O que diz o estudo publicado na Lancet

A postagem analisada aqui faz referência ao artigo Doenças vasculares e inflamatórias após infecção e vacinação contra covid-19 em crianças e jovens na Inglaterra: um estudo de coorte retrospectivo baseado na população, utilizando registros eletrônicos de saúde interligados. O trabalho foi publicado recentemente na Lancet Child and Adolescent Health.

Conduzido por pesquisadores ingleses, o estudo avaliava os riscos a curto e longo prazo de doenças vasculares e inflamatórias após o primeiro diagnóstico de covid-19 e após a vacinação em crianças e jovens.

Os pesquisadores analisaram registros eletrônicos de saúde de todas as pessoas da Inglaterra com menos de 18 anos de idade. Os registros foram selecionados entre 1º de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2022.

A pesquisa então separou casos de cinco condições médicas: eventos trombóticos arteriais; eventos trombóticos venosos; trombocitopenia (número reduzido de plaquetas no sangue); miocardite ou pericardite; e condições inflamatórias.

Ao todo, foram avaliados 13,8 milhões de indivíduos com menos de 18 anos. Dentre eles, o estudo identificou 3,9 milhões com diagnóstico de covid-19 e 3,4 milhões que receberam a primeira dose da vacina.

Como resultado, os cientistas identificaram que a infecção por covid foi associada a um risco maior de desenvolvimento das cinco condições médicas analisadas.

Em relação às pessoas vacinadas pela primeira vez, foi identificado risco de miocardite ou pericardite nas primeiras quatro semanas após a imunização. Mas esse risco era significativamente menor do que o causado pela infecção.

Os pesquisadores concluíram que "a primeira infecção por covid-19 foi associada a riscos de saúde raros, porém graves, que persistiram por muitos meses". Já após a primeira vacinação, os riscos "se restringiram ao período inicial pós-vacinação e foram substancialmente menores do que os riscos após a doença".

Em relação a miocardite ou pericardite, a incidência foi de 2,24 casos a cada 100 mil indivíduos infectados com covid. Entre os vacinados, foi 0,85 caso a cada 100 mil.

Especialistas consideram estudo da Lancet confiável

O pesquisador Bernardo Rangel Tura, do Observatório de Saúde Cardiovascular do Instituto Nacional de Cardiologia, afirma que a pesquisa da Lancet é consistente com resultados de vários outros estudos mundo afora. Ele afirma que o risco de miocardite pós-vacina aparece claramente nos dados.

"A ocorrência de miocardite é maior na covid do que na vacina. Todos os estudos que têm o mínimo de método têm mostrado isso", observou.

Para o pesquisador, as críticas feitas na postagem analisada não se sustentam. "O artigo é de qualidade e confiável. As conclusões são robustas", disse.

O professor Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), concorda que as críticas da postagem são infundadas.

"Eu não vejo os problemas que ele vê. Todas as observações mostram que os indivíduos que tiveram a (covid) tiveram muito mais problemas cardíacos que os que foram apenas vacinados", comentou.

Kalil reforça que a ciência sabe, até o momento, que os vacinados que tiveram miocardite ou pericardite eram principalmente jovens e o problema durou curto tempo, desaparecendo em seguida.

Ele destacou ainda que a Lancet é uma revista cuidadosa com os artigos publicados. "A ideia geral do post é atacar a vacinação para as crianças, mas não existe evidência científica que apoie isso. As crianças que foram vacinadas se beneficiaram porque não tiveram a doença", afirmou.

Por que as críticas feitas na postagem não têm embasamento

O Verifica pediu que Bernardo Tura, do Instituto Nacional de Cardiologia, lesse o estudo da Lancet e comentasse se as alegações de Francisco Cardoso na postagem fazem sentido.

Cardoso lista quatro pontos que, segundo ele, foram manipulados no estudo da Lancet. Primeiro, ele diz que houve viés de seleção porque os primeiros adolescentes a serem vacinados, grupo com mais casos de miocardite, foram excluídos. Dessa forma, "o risco das vacinas foi artificialmente reduzido".

Possivelmente, o médico se refere ao fato de que o Reino Unido já imunizava adolescentes de 16 a 18 anos antes de agosto de 2021, data utilizada pelos pesquisadores para a coleta de dados.

Mas o próprio artigo da Lancet reconhece como uma de suas limitações que a vacinação precoce em indivíduos imunocomprometidos pode ter diluído as estimativas de eficácia da vacina.

Tura destaca que o estudo faz uma análise abrangente, pelo número de participantes. Foram avaliados 98% dos pacientes com casos de covid e quase 100% das pessoas vacinadas nas faixas etárias definidas.

"Eles usam uma técnica que permite ver quem tomou a vacina e o que aconteceu com essa pessoa", explicou. "Mesmo com aqueles poucos casos excluídos, porque estamos falando de amostras de 14 milhões de pessoas, não haveria alteração significativa do resultado final. É muita gente".

Para ele, o risco de inflamações não foi diluído, porque o estudo foi separado por faixa etária. "Adolescentes e crianças foram analisados de forma separada", apontou Tura.

O segundo ponto feito por Cardoso na postagem é que as infecções por covid foram subnotificadas porque apenas crianças com teste positivo foram consideradas infectadas. Segundo ele, milhões de casos leves ou assintomáticos ficaram de fora. Dessa forma, Cardoso afirma que o risco da infecção foi inflado.

Mas o estudo também aponta essa limitação. Conforme o artigo, a associação entre doenças do coração e a infecção por covid pode estar subestimada, devido a casos não registrados no início da pandemia, baixos níveis de testagem e infecções assintomáticas não detectadas, especialmente entre crianças de zero a quatro anos.

Sobre esse ponto, Tura observa que não houve busca ativa por miocardite entre os infectados por covid, o que também poderia alterar o perfil de risco. Segundo ele, a minoria de casos de miocardite causada por infecção resulta em doença grave.

"Muitos pacientes têm miocardite e nem sabem", disse. "Pode haver um paciente que teve covid, teve miocardite e como não foi investigar, a gente não tem esse diagnóstico".

Por outro lado, como havia uma preocupação com pacientes que receberam a vacina, seria mais provável investigar uma suspeita de miocardite entre os imunizados.

"Existe uma vigilância especial sobre vacinas. Se o paciente toma uma vacina e tem alguns sintomas, a gente investiga isso", apontou Tura. "A gente, na verdade, infla o risco pela vacina porque ela é mais vigiada".

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Um terceiro ponto apontado por Cardoso na postagem seria que o estudo segue uma "cronologia absurda", por contar casos de miocardite registrados no mesmo dia do teste positivo de covid. Para ele, crianças internadas com dor torácica foram reclassificadas como casos de covid e causas e efeitos acabaram trocados.

O estudo, contudo, argumenta especificamente que é improvável que a miocardite tenha surgido antes da infecção por covid, ou que o coronavírus seja consequência, e não causa, da inflamação no coração. Segundo os cientistas, o risco de miocardite ou pericardite permaneceu elevado na primeira semana após o diagnóstico e além de 12 meses.

Os pesquisadores não observaram apenas o dia do diagnóstico de covid, mas também diferentes períodos. Tura explica que, às vezes, a miocardite é o primeiro sintoma em crianças pequenas infectadas por covid que leva os pais a procurarem um médico.

Ele acrescenta que, quando é feito o diagnóstico de covid com exame positivo, os médicos perguntam ao paciente quando começaram os sintomas. O primeiro dia da doença passa a ser contado como o primeiro dia do sintoma.

No estudo, os pesquisadores consideram períodos de zero a sete dias, de sete a 28 dias, e de mais de 28 dias.

"Mesmo que você tenha imprecisão de um, dois ou três dias, é analisado o período", explicou. "Esses períodos não vêm da cabeça do pesquisador, eles são clássicos da história natural da covid ou da complicação".

O último argumento feito por Cardoso na postagem é que crianças de 5 a 17 anos foram tratadas como se fossem iguais no estudo. O médico também aponta que a dosagem diferente das vacinas para cada público foi ignorada.

Embora não sejam mencionadas doses específicas, o estudo fez sim análises de subgrupos, incluindo por idade. O estudo cita que o risco para miocardite ou pericardite foi maior em crianças mais novas, de 5 a 11 anos. Isso demonstra que esse grupo foi analisado separadamente.

Tura destaca que, ao longo do estudo, há vários exemplos de que a avaliação foi feita por subgrupos. "Eles pegaram cada uma daquelas faixas etárias lá apresentadas, separaram homem e mulher em cada faixa, e calcularam o risco em cada uma", disse.

Quem é o autor da postagem

Francisco Cardoso, membro do Conselho Federal de Medicina (CFM) por São Paulo, foi recentemente citado em reportagem do Estadão Verifica que mostrou como médicos com posicionamento antivacina lucram com conteúdos, cursos, consultas particulares e tratamentos para remediar uma suposta síndrome da qual não existe comprovação científica.

Eles defendem a existência da "síndrome pós-spike" ou "spikeopatia", uma suposta condição que seria causada pela proteína spike, produzida no corpo pelas vacinas de mRNA. De acordo com os médicos, os sintomas seriam semelhantes à covid longa.

Cardoso, junto com mais dois médicos, publicou um estudo apresentando um protocolo para tratar a suposta síndrome, mas ele foii retirado de publicação pela editora Elsevier devido ao risco da disseminação de protocolos de tratamento não validados e por não haver comprovação de relação entre a suposta doença e vacinas.

Cardoso argumentou que o estudo jamais se propôs a criar protocolos, fazer recomendações populacionais, estabelecer nexos causais ou substituir ensaios clínicos. No entanto, o estudo afirma que a "síndrome pós-spike" é uma condição associada à proteína spike, originada tanto da infecção pelo vírus da covid quanto pelas vacinas de mRNA, sem que haja qualquer evidência científica que comprove a afirmação.

Estadão
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