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Polícia

Filha de desaparecido político pede perseverança à família de Amarildo

Lúcia Vieira, filha do jornalista Mário Alves, torturado e morto no DOI-Codi do Rio de Janeiro, em 1970, luta até hoje para saber o que foi feito do corpo do pai

14 ago 2013 - 15h40
(atualizado às 16h15)
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Lúcia Vieira, filha do jornalista Mário Alves, na plenária da Alerj
Lúcia Vieira, filha do jornalista Mário Alves, na plenária da Alerj
Foto: Terra / André Naddeo

O desaparecimento de Amarildo Dias de Souza, 43 anos, morador da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, completou um mês nesta quarta-feira, 14 de agosto de 2013. Seu paradeiro tornou-se desconhecido após uma suposta averiguação policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade, a maior favela do Rio e do Brasil. O sumiço causa desespero entre os familiares, também devido a investigações ainda infundadas por parte do Poder Público. O pedreiro humilde segue como personagem máximo dos cartazes e vozes das manifestações que invadem as ruas da ex-capital da República. 

Ironicamente, nesta mesma quarta-feira, Lúcia Vieira, filha do jornalista Mário Alves Vieira, líder do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), morto e torturado pela ditadura militar no DOI-Codi do Rio, em janeiro de 1970, esteve na mesma Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), palco de tantos protestos, em busca de respostas. Mas a luta dela é longa. Muito mais longa. Há 43 anos, ela busca saber o que foi feito do corpo do pai, um dos maiores líderes da esquerda da época contra o regime militar. 

Em audiência da Comissão Estadual da Verdade do Rio, amparada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), ela ainda tremia as mãos de nervosismo, sem perder, no entanto, a posição firme das palavras de uma luta de quatro décadas e que emocionaram a plateia arrancando aplausos e gritos de incentivo de grupos como o Tortura Nunca Mais. 

Os militares que supostamente causaram a morte do seu pai, os ex-tenentes do Exército Luiz Mário Correia Lima, Roberto Duque Estrada e Dulene Garcez, além do ex-major do Corpo de Bombeiros Valter da Costa Jacarandá, usaram de uma petição junto à comissão para sequer visitarem a plenária da Alerj - com exceção de Jacarandá, que se calou, mas esteve presente no auditório. Eles ficaram quietos, mas Lúcia, não. 

Em depoimento ao Terra, ela disse que voltou a sentir vibração “com essa moçada que está nas ruas”, e pede perseverança aos familiares do pedreiro Amarildo nunca desistirem de saber do paradeiro do ente querido. Como era seu pai, Mário Alves, que na noite do dia 16 de janeiro de 1970 (o Brasil ainda era bicampeão mundial de futebol), despediu-se de sua mulher (Dilma, mãe de Lúcia, e já morta), e da filha, então com 19 anos, para um encontro no comitê central de repressão à ditadura. Ele nunca mais voltou.

Leia o depoimento de Lúcia Vieira

"Eu acho que o fato desses miliares serem convocados já é um progresso, e temos a oportunidade de mais uma vez denunciar tudo o que foi feito há muito tempo. Não dá mais para esperar, nós, familiares, já estamos no terço final de nossas vidas. Queremos ver acontecer. Minha mãe faleceu e não viu resultado de tanta luta, e nem teve o esclarecimento do que de fato aconteceu. Tem que acabar isso de as pessoas desaparecerem dessa maneira das mãos do Estado. Isso não foi só na ditadura. Isso acontece ainda e a gente não aceita.

Nós tivemos quatro testemunhas que depuseram em juízo contando o que viram e ouviram da tortura contra o meu pai. Inclusive, o viram em estado muito precário, com pouca possibilidade de sobreviver.

O jornalista Mário Alves de Souza Vieira
O jornalista Mário Alves de Souza Vieira
Foto: Reprodução / Comissão da Verdade do Rio

(...) Tudo o que nós queríamos era a verdade. É uma luta muito longa. É complicado, porque se nós já conseguimos fazer uma eleição, já conseguimos alguns avanços, a formação de uma Comissão da Verdade, e isso está sendo bem divulgado, mas por outro lado parece que esse esforço todo é do nosso lado, infelizmente. Nós nunca paramos de cobrar, investigar e lutar. E eles tudo que querem é que não se mexa mais nisso para continuar com o sistema que os beneficiam economicamente e até moralmente, pois não são obrigados a pagar pelos crimes que cometeram.

Agora eu estou achando que, finalmente, a juventude acordou. Não vou dizer que todos despertaram, mas vocês, jovens, querem ter uma vida plena. Querem ter o direito de discordar seja do que for das decisões. Vocês vão querer democracia, mas não só o direito de votar. Vocês vão querer tudo: o direito de falar, desse voto valer a pena e resultar em benefício para todos, e que não seja um atropelo. Essa precariedade grande não pode acabar. 

O importante é que eles (militares) não ocupem cargos públicos, que não continuem recebendo medalhinhas, porque eles cometeram um crime comum. Eu não considero um crime político, não houve uma guerra. Eles não poderiam simplesmente sumir com o corpo. Isso continua acontecendo e nós pagamos para essas pessoas fazerem isso? Não! É para proteger nossa população, nossos jovens, a todos nós trabalhadores. Não estou vendo isso agora. Vendo esses movimentos de rua, vejo que eles (policiais) não foram preparados para lidar com isso. Os ensinamentos e a filosofia continuam a mesma da época da ditadura. 

Eu diria para a família do Amarildo ter perseverança, não parar nunca de procurar (um possível corpo). Essa satisfação tem que ser dada principalmente à família, claro, mas não só para eles, mas a todos, porque pode acontecer com qualquer um. Isso não é vida para ninguém. Esse sofrimento que eles (familiares do Amarildo) estão passando, eu e minha mãe passamos a vida inteira. E agora meus filhos sofreram de alguma forma também por tudo isso. 

Eles têm que aproveitar este momento que estão tendo atenção da imprensa, dos jovens, que estão se solidarizando. Na época da ditadura militar a situação era tão difícil que tinha alguns presos políticos que eram arrimos de família, com cinco, seis filhos para sustentar, e eram presos destruindo, assim, muitos lares. 

Eu e minha mãe sempre fomos pobres. Pobres mesmo. Não éramos da classe alta, nem média. Nós íamos de ônibus ao subúrbio distante levar mantimentos, advogados, tratamento, remédios para as famílias, pois o pai que era o mantenedor estava preso, e a família, naquela situação. Nós compreendíamos isso e o trabalho sempre foi feito. 

Hoje em dia, eu estou achando lindo a moçada se juntando. Há décadas atrás, nós éramos meia dúzia de gatos pingados atrás de desaparecidos. Eu tinha 19 anos. Você abandona tudo e vai entrar nessa busca com poucas pessoas para fazer muita coisa. Por isso que eu digo que agora estou ganhando esperança e espero que não seja fogo de palha toda essa força dessa nova juventude".

Fonte: Terra
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