Com medo, moradores de Ipanema 'fecham' janelas com tijolos
No fim da pacata rua Alberto de Campos, em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, os antes supervalorizados apartamentos viraram verdadeiros escondeirijos. O medo da população que em um dos bairros mais nobres da cidade é traduzido nas paredes de concreto ou de tijolo maciço erguidas no lugar das janelas que ficam de frente para o morro do Cantagalo e para o morro ao lado, Pavão-Pavãozinho. Os constantes tiroteios entre traficantes armados obrigaram os moradores a radicalizar. Nos três edifícios mais próximos à comunidade, dezenas de moradores já concretaram suas janelas. Um deles optou pela blindagem.
Quem não mudou a fachada da casa tenta, ao menos, evitar o contato visual com criminosos, quase todos armados, cobrindo as vidraças com papelão ou toldos. "Minha preocupação é com meus filhos, que veem constantemente homens armados e vendendo drogas da janela de casa", desabafou um morador, que pediu para não ser identificado.
Mas o poderio do arsenal apreendido pela Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae), em operação nesta terça-feiras nas favelas da região, mostra que há motivos para essa "proteção". Entre as 22 armas e granadas encontradas, foi apreendida uma metralhadora dinamarquesa com alta capacidade de destruição.
Dentro do próprio Cantagalo, apesar de não terem sofrido com a desvalorização imobiliária, os moradores também são obrigados a conviver em meio ao arsenal da quadrilha. Em vários pontos da favela, os agentes encontraram munição enterrada debaixo de casas. Em uma delas havia duas granadas: "Imagine se esse negócio explode, meu Deus!", desabafava uma senhora ao ver os explosivos recolhidos por um policial.
"Vista" causa desvalorização de 50%
Do outro lado da rua, o pavor das balas perdidas é visível. Um professor de 43 anos, que também não quis se identificar, conta que, da janela do quarto da filha de 5 anos, ele observava diariamente a movimentação de homens armados e pessoas consumindo drogas. Antes de bloquear a janela, colocou o único patrimônio, herança deixada pelo pai, à venda. Dos R$ 200 mil iniciais, o imóvel já caiu para R$ 100 mil. Bastava uma visita ao imóvel para que o possível comprador desistisse do negócio. Na mesma rua Alberto de Campos, um morador chegou a oferecer um apartamento por R$ 35 mil. Não achou comprador.
Recentemente o professor viu os filhos simulando a venda de drogas em uma "boca de fumo". Com uma blusa no rosto, o filho de 10 anos simulava a venda de drogas para a irmã. "Resolvi fechar a janela. Não quero que meus filhos tenham contato com esse mundo, apesar de ser debaixo da janela deles", diz.
Antes do professor, outras janelas já haviam sido bloqueadas. "Um dia encontrei uma cápsula de bala no chão da sala. Fiquei desesperada! Pensei nos meus filhos e no meu marido. Se a polícia não tira o tráfico daqui, fechar a janela foi a única forma que encontrei para proteger minha família", desabafa uma dona de casa de 33 anos.
Arsenal de traficantes impressiona policiais
O que mais impressionou os policiais foi o paiol encontrado no Pavão-Pavãozinho. O alvo da Drae era o traficante Avelino Gonçalves, 33 anos, conhecido como Red Bull. Armeiro do bando, ele teve a casa cercada e não reagiu, apesar de guardar uma metralhadora calibre 7.62, em cima do sofá. A arma é capaz de disparar 450 vezes por minuto e de atingir um alvo a 2 km de distância. Mas, em vez da arma em punho, Red Bull saiu com uma Bíblia e se entregou.
No imóvel de dois andares, os agentes apreenderam nove pistolas, três lunetas, 21 carregadores, cinco submetralhadoras, uma escopeta calibre 12 e diversas peças dos mais variados tipos de arma, que encheram duas bolsas. "Era ele quem consertava, fazia a limpeza e até a montagem de todas as armas da quadrilha", explicou a delegada Márcia Beck, titular da Drae.
Em outros pontos da favela foram presos outros três suspeitos, mas dois acabaram liberados. Somente Anderson Tavares Rezende, o Chaveiro, 23 anos, ficou preso. O gerente-geral do tráfico, conhecido como Azul, escapou.