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Lula, um ano na prisão e várias batalhas pela frente

6 abr 2019 - 17h50
(atualizado às 17h50)
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Primeiro ex-presidente da história brasileira preso após uma condenação, petista acumulou nos últimos 12 meses novas derrotas jurídicas e políticas, além de dramas pessoais. Há um ano, pela primeira vez na história brasileira, um ex-presidente foi preso após condenação na esfera penal. A prisão de Luiz Inácio Lula da Silva não representou apenas o ápice da Operação Lava Jato, mas também enviou uma onda de choque para o mundo político, marcando ainda o início de uma campanha eleitoral tensa que terminou com a vitória de Jair Bolsonaro.

Foto: DW / Deutsche Welle

Nos último ano, Lula, de uma sala que serve de cela na Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba, colecionou uma nova série de derrotas legais e políticas desde que passou a cumprir pena pela condenação de 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá.

Lula foi ainda pivô de duas grandes brigas que arranharam a imagem do Judiciário. Da prisão, viu sua estratégia eleitoral naufragar. Primeiro, teve sua candidatura à Presidência barrada. Depois, amargou a derrota do seu substituto. Seu partido, o PT, foi reduzido nas eleições ao tamanho que tinha há 20 anos.

Viveu ainda dramas pessoais como a morte de um irmão e do seu neto de sete anos e viu seu principal algoz na Lava Jato, o ex-juiz Sérgio Moro, assumir um cargo ministerial em um governo que se posiciona abertamente contra a sua saída da prisão. O presidente Bolsonaro chegou a afirmar no passado que torce para que Lula "apodreça na cadeia".

Neste domingo, Lula deve passar sozinho o aniversário de um ano da sua prisão, já que no fim de semana não são permitidas visitas. Do lado de fora, apoiadores e figuras de destaque do PT devem se reunir para prestar apoio e marcar o relançamento da desgastada campanha "Lula Livre".

A campanha para manter Lula em evidência

No último ano, o PT e movimentos sociais se esforçaram para manter o ex-presidente em evidência, propagandear uma imagem de preso político e agitar a militância. Logo após a prisão, no dia 7 de abril, apoiadores montaram uma vigília nas cercanias da sede da PF. No início, mais de 2 mil pessoas se revezavam no acampamento. Hoje o total não passa de algumas dezenas por dia.

Os apoiadores do ex-presidente também fizeram esforços para conquistar simpatia no exterior. Na prisão, Lula recebeu visitas de figuras como o ex-presidente uruguaio José Mujica e o ator americano Danny Glover. Também passou pelo local Martin Schulz, ex-líder do Partido Social-Democrata da Alemanha. Os apoiadores também lançaram uma campanha para que o petista fosse indicado ao Nobel da Paz e convenceram um comitê das Nações Unidas a publicar uma resolução a favor de Lula.

Mas, em 12 meses, os esforços dos apoiadores não conseguiram mudar de forma decisiva a percepção da opinião pública brasileira. Nesta semana, uma pesquisa Atlas Político apontou que 57,9% dos brasileiros são a favor da prisão do ex-presidente. O percentual não é muito diferente de outros levantamentos realizados no ano passado.

A rotina

No último ano, Lula viveu isolado em uma sala de 15 metros quadrados. O espaço é simples: tem um banheiro, uma mesa com quatro cadeiras, uma esteira ergométrica para exercícios e uma televisão. Lula só costuma deixar a cela para três vezes por semana para tomar banho de sol, que ocorre no espaço de um antigo fúmodromo do prédio.

Diariamente, duas vezes ao dia, Lula também recebe a visita de advogados, que permanecem por cerca de duas horas. Nas quintas-feiras, recebe a visita de parentes e amigos - a maior parte políticos do PT, que o mantém a par da situação política e recebem instruções para serem transmitidas ao PT.

Entre abril de 2018 e janeiro deste ano, Lula chegou a receber todas as segundas-feiras diferentes líderes religiosos, mas esse tipo de visita acabou sendo barrada no início do ano.

Ele só deixou a prisão em duas ocasiões. A primeira, em novembro, para prestar depoimento. A segunda, em março, quando foi autorizado a comparecer ao enterro do neto, Arthur, de 7 anos. Em janeiro, teve o pedido para comparecer ao enterro de um irmão inicialmente negado pela Justiça. Depois, recebeu autorização para deixar a prisão, mas a decisão só foi divulgada quando faltavam poucos minutos para o enterro. Lula decidiu permanecer em Curitiba.

Os dois enterros também escancaram como a prisão de Lula continua a ser um fator de tensão na sociedade e no mundo político do Brasil. Nas duas ocasiões, militantes que apoiam Bolsonaro inundaram as redes com críticas ao ex-presidente. Um dos filhos de Bolsonaro, o deputado Eduardo (PSL-SP), chegou a afirmar que era um "absurdo" cogitar a ida de Lula ao enterro do neto. Ele também chamou o petista de "larápio", provocando críticas até mesmo de aliados do presidente.

A influência

No ano passado, o ex-presidente transformou a sala na PF em um comitê improvisado, comandando uma das campanhas mais heterodoxas da história do Brasil. Enquanto insistiu na candidatura própria, poucos petistas ousaram contestar a viabilidade da estratégia e propor um plano B.

Quando sua candidatura foi barrada pela Justiça Eleitoral, passou a atuar como principal cabo eleitoral do seu substituto, o ex-prefeito Fernando Haddad. A estratégia, no entanto, acabou turbinando o sentimento antipetista entre parte da população. Enquanto Haddad subia nas pesquisas, outros eleitores se voltaram para a candidatura de Bolsonaro. No segundo turno, marqueteiros petistas perceberam o paradoxo e decidiram descolar a imagem de Haddad de Lula, mas a nova estratégia não funcionou. Bolsonaro acabou sendo eleito.

Mesmo com o fracasso do seu plano, Lula ainda continua a influenciar os rumos do PT. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o ex-presidente ajudou a delinear a postura de deputados petistas que fazem parte da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que recebeu nesta semana o ministro da Economia, Paulo Guedes. O encontro terminou em confusão após um deputado do PT provocar o ministro ao afirmar que ele seria um "tchutchuca" com banqueiros.

Novos problemas

Além das derrotas políticas, Lula acumulou novos problemas na Justiça desde a sua prisão. Teve negados pedidos de liberdade e foi condenado em 1ª instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio da Atibaia (SP). A pena, divulgada em fevereiro, chega a 12 anos e 11 meses de prisão.

Ao todo, Lula enfrenta sete ações penais - contando os dois casos em que já foi condenado e que aguardam recurso - e mais duas denúncias criminais. A denúncia mais recente foi apresentada em dezembro, e envolve acusação de que o ex-presidente recebeu 1 milhão de reais para intermediar negócios entre o governo da Guiné Equatorial e uma construtora brasileira.

Em março deste ano, foi a vez de Lula ser indiciado pela PF por suspeita de tráfico de influência e lavagem de dinheiro no âmbito da investigação que apura repasses milionários da empreiteira Odebrecht para a empresa de um de seus filhos.

As estratégias

Quando o ex-presidente Lula se entregou para a Polícia Federal, em 7 de abril, a dúvida era quanto tempo ele permaneceria preso. Alguns analistas chegaram a apostar que o petista passaria apenas alguns dias atrás das grades. O cálculo levava em conta o leque de recursos que a defesa tinha à disposição e o humor de alguns ministros do STF simpáticos ao ex-presidente ou que são contra a execução de penas após decisão em segunda instância.

Nas semanas que se seguiram à prisão, alguns petistas também enxergavam a chegada do ministro Dias Toffoli à presidência do STF, que ocorreu a partir de setembro, como um fator que contribuiria para a saída de Lula.

No entanto, a defesa do ex-presidente passou a acumular seguidas derrotas no Judiciário. Toffoli, que já foi advogado do PT, também não se mostrou decisivo como esperavam os petistas. Desde a chegada de Bolsonaro à Presidência, o ministro vem tentando evitar atritos com o novo ocupante do Planalto e seus aliados, que se opõem à saída de Lula.

Em dezembro, o presidente do STF anulou uma decisão do ministro Marco Aurélio, que havia determinou a soltura de todos os presos que cumprem pena com base em condenações em segunda instância - uma medida que beneficiava Lula diretamente. Na ocasião, aliados de Lula chamaram o presidente do Supremo de "traidor" e "covarde".

Antes do tumulto provocado pela decisão de Marco Aurélio, Lula também já havia sido o pivô em julho de uma guerra de liminares entre um juiz plantonista que concedeu liberdade ao petista e o então juiz Sérgio Moro. No final, Lula permaneceu preso, mas os dois episódios desgastaram ainda mais a imagem do Judiciário.

Na semana passada, uma das frentes exploradas pela defesa de Lula foi fechada, pelo menos por enquanto, quando Toffoli retirou da pauta o julgamento de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADRs) que contestam a decisão do Supremo que em 2016 autorizou a execução de pena de condenados em segunda instância. O julgamento estava previsto para ocorrer em 10 de abril e agora não tem nova data.

Dessa forma, resta à defesa de Lula torcer para que pelo menos as instâncias superiores reduzam parte das penas, o que pode abrir caminho para que o ex-presidente passe eventualmente a cumprir prisão domiciliar num futuro próximo. Caso as duas sentenças, que somam 25 anos, sejam mantidas, ele só poderá passar para prisão domiciliar após ter cumprido quatro anos de pena.

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