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Legado dos protestos de junho de 2013 sobrevive nas greves

Para os protagonistas das manifestações, o brasileiro descobriu o direito de protestar

10 jun 2014 - 08h08
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Na noite do dia 17 de junho, um grupo de manifestantes conseguiu furar o bloqueio da PM e subiu no prédio do Congresso Nacional. A imagem virou símbolo das manifestações de junho de 2013
Na noite do dia 17 de junho, um grupo de manifestantes conseguiu furar o bloqueio da PM e subiu no prédio do Congresso Nacional. A imagem virou símbolo das manifestações de junho de 2013
Foto: Franco Ritchele / Futura Press

Em junho de 2013 o Brasil parou. Movimentos populares, incensados pelas redes sociais e uma sensação difusa de frustração com a classe política, eclodiram em protestos por centenas de cidades do País. Diariamente, milhares tomaram as ruas por um Brasil melhor. A onda de manifestações culminou com a tomada da parte externa do Congresso Nacional em Brasília no início da noite do dia 17 de junho. A imagem dos manifestantes, às dezenas, com bandeiras e faixas no teto do legislativo se tornaria uma das cenas mais emblemáticas daquele movimentado mês de junho.

Esta, porém, não foi a única nem a primeira grande imagem do movimento. Nos dias que antecederam a apoteose em Brasília, gigantescas manifestações tomaram conta do País. No dia 13 de junho, por exemplo, a avenida Paulista, uma das principais da capital, desapareceu sob milhares de manifestantes. Simultaneamente, protestos semelhantes aconteciam no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Florianópolis, Recife e dezenas de outras cidades. Ninguém, nem os especialistas continuamente consultados por jornais, revistas e portais, conseguiam explicar por que o movimento tinha crescido tanto.

Veja como foram as manifestações pelas capitais do País:

O que se sabia era que boa parte das manifestações começara meses antes para protestar o aumento no valor das passagens de ônibus. Logo, porém, ficou claro que os manifestantes que vinham engrossando fileiras nos atos não estavam lá apenas pelo aumento das passagens. Subitamente, o que se viu foi uma onda de manifestações que rivalizou e por vezes superou, em tamanho, as dos caras pintadas, pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, e até as pelas eleições diretas em 1983. Em São Paulo o slogan “Não é pelos 20 centavos” cristalizou a ideia de que os protestos haviam se ampliado.

Embora distintos em cada uma das cidades, boa parte dos protestos seguiam um roteiro similar. Os atos começavam no final do dia com o encontro dos manifestantes, a maioria inteirada sobre local, horário e causa do protesto pelas redes sociais. Quando um bom número estava reunido, começava uma marcha, muitas vezes sem destino, com muitos empunhando bandeiras e entoando gritos de ordem. Não raro os atos terminavam em confrontos com as forças de segurança, instadas a evitar depredações e manter a ordem. Não foram poucas as imagens de abuso policial ou de vandalismo. Muitos jornalistas acabaram sendo alvo de violência, mais frequentemente, das forças policiais. 

Diante do caos que vinha se instalando sempre que caía a tarde nas grandes cidades, o governo deu sinais de que começava a entender o recado quando exatos sete dias depois da ocupação do Congresso, anunciou um conjunto de cinco medidas para atender ou pelo menos fingir atender algumas das demandas das ruas. Os chamados pactos da Dilma trataram de responsabilidade fiscal, reforma política, mobilidade, saúde e educação.

Em retrospecto, pode-se dizer pouco do que foi prometido pelos pactos foi cumprido. Talvez o grande objetivo deles tenha sido o de conter as manifestações e dar alguma satisfação – qualquer uma – à população. Hoje, é sabido que nem todo o discurso do governo em 2013 se tornou realidade. Ainda assim, junho de 2013 ficará marcado na história do Brasil. E um ano depois dos protestos, já dá para avaliar parte do impacto que eles tiveram no caminhar do País. A seguir, um resgate dos principais acontecimentos e os seus desdobramentos na história brasileira.

Os protestos mudaram o Brasil

As manifestações foram organizadas, inicialmente, por movimentos ligados à luta pela melhoria no transporte público, entre eles o Movimento Passe Livre (MPL), de São Paulo, o Bloco de Lutas pelo Transporte, de Porto Alegre e o Fórum de Luta pelo Passe Livre (FLPL), do Rio de Janeiro. Com a ajuda das redes sociais, em especial de ferramentas do Facebook, eles conseguiram convidar verdadeiras hordas de manifestantes de uma vez sem precisar expor ninguém. 

E o que começou pequeno na internet, logo se tornou um fenômeno. Quase que de um dia para o outro, os atos ganharam peso e escopo muito maiores que os idealizados em um primeiro momento. Hoje, não são poucos os que teorizam que o Brasil mudou depois do que aconteceu em junho de 2013, mesmo que muitos dos objetivos das marchas não tenham sido plenamente atingidos.

Mapa dos protestos das tarifas Mapa dos protestos das tarifas: Em 2013, uma onda de protestos pela diminuição do preço das tarifas do transporte público atingiu o Brasil. Veja a evolução dos protestos

“A população reaprendeu que com mobilização é possível conseguir mudar algumas coisas”, diz o estudante Matheus Gomes, integrante do Bloco de Lutas pelo Transporte de Porto Alegre. “As pessoas chamaram para si a responsabilidade pelas mudanças, em vez de se limitarem sua participação política ao voto”. Para a representante do Movimento Passe Livre em São Paulo (MPL-SP) Mayara Vivian, os protestos foram o resultado de um processo de insatisfação popular crescente que até aquele momento não encontrava voz e espaço para aflorar. “Junho foi o ápice da insatisfação – o que aconteceu naquele mês mudou o País”, afirma.

Na avaliação de ambos, a força dos protestos não desapareceu com o fim das grandes mobilizações, ela apenas mudou de forma, mas continua presente, alimentando indiretamente as lutas que reivindicam direitos tolhidos. Os recentes movimentos de categorias como a dos rodoviários seria exemplo desse redirecionamento de forças. “Eles (os rodoviários) romperam com as negociações de seus sindicatos e buscaram seus direitos de forma mais independente”, diz Mayara. Gomes faz coro e acredita que a onda de protestos foi substituída pela onda de greves que, nos últimos meses, tomou categorias como garis, petroleiros e professores.

Manifestantes se reúnem em frente à prefeitura de Porto Alegre:

Para muitos que participaram dos movimentos sociais de junho de 2013, os efeitos daquele mês de lutas perduram de outra maneira. Dezenas dos mais engajados manifestantes dos atos ainda respondem, na Justiça, pelo que teriam feito durante as manifestações. O próprio Matheus Gomes, do Bloco de Lutas pelo Transporte de Porto Alegre é um deles. “Mesmo sem conseguirem estabelecer nenhuma relação que justificasse o processo, foi a maneira que eles encontraram de criminalizar os movimentos”, diz Gomes, um dos sete indiciados na capital gaúcha por formação de organização criminosa durante os atos. “Dezenas de integrantes do movimento têm uma rotina intensa ligada às questões judiciais”, reforça Mayara, do MPL-SP. “A repressão ainda assusta”, diz. Para ela, o que vem se gastando com ações para punir manifestantes seria melhor aproveitado se fosse investido na melhoria dos serviços públicos. 

As vítimas dos protestos

“É uma saudade que não passa, mas esperamos justiça”. É assim que Maria Pimentel Delefrate, 74 anos, resume o que sente com a ausência do neto caçula Marcos Delefrate, morto por atropelamento aos 18 anos durante os protestos do dia 20 de junho de 2013 em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Delefrate foi a primeira vítima fatal da onda de protestos que tomou conta do País. 

Jovem morre atropelado em protesto em Ribeirão Preto:

Um motorista avançou com sua caminhonete contra 12 dos 20 mil participantes de uma marcha, alinhada às manifestações por todo o País, que acontecia na cidade. Infelizmente, Delefrate era um deles. O rapaz chegou a ser socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas não resistiu aos ferimentos. "Era um bom menino e sua vida será lembrada para sempre", diz Maria, a avó materna. Um busto de Delefrate será inaugurado no local do acidente no dia 18 deste mês como homenagem da prefeitura da cidade a seu cidadão. Marcos também será homenageado na Escola Estadual Otoniel Mota, onde concluía o ensino médio. "Era um menino com um caminho grande pela frente. É uma saudade que não passa", afirma a avó. A família ainda aguarda os desdobramentos do inquérito policial aberto para apurar o caso que apontou o empresário Alexsandro Ichisato, motorista da caminhonete, como o responsável pela morte do estudante.

Delefrate não foi a única vítima fatal da onda de protestos. Em apenas uma semana, outras cinco pessoas perderam a vida nas manifestações. Em Belém, no Pará, a gari Cleonice Moraes, 54 anos, morreu no dia 21 de junho de 2013 por intoxicação por gás lacrimogêneo. Segundo relatos de testemunhas, ela trabalhava quando se viu no meio de uma confusão entre polícia e manifestantes que participavam de um protesto no dia 20 de junho. Já no dia 24 de junho, duas mulheres foram atropeladas durante um protesto na cidade de Cristalina, em Goiás. Valdinete Rodrigues Pereira e Maria Aparecida morreram no local e o condutor fugiu sem prestar socorro.

Em Belo Horizonte, o estudante Douglas Henrique Oliveira, 21 anos, morreu após cair do viaduto José Alencar durante protesto no dia 26 de junho de 2013. Segundo testemunhas, ele tentou pular de uma pista para outra, mas caiu no vão que as separava. O acidente ocorreu em meio a um protesto com confrontos no entorno do Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão. No momento do acidente, a seleção brasileira disputava a semifinal da Copa das Confederações com o Uruguai no estádio. No mesmo dia, outro jovem, este de 16 anos, morreu atropelado em manifestação que ocorreu no acesso à rodovia Cônego Domênico Rangoni, no Guarujá (SP).

Além das vítimas fatais, milhares de pessoas ficaram feridas durante as manifestações de junho. Entre os casos mais notórios estão o da jornalista da TV Folha Giuliana Vallone, à época com 26 anos, que foi atingida no olho por uma bala de borracha enquanto trabalhava na cobertura de uma manifestação em São Paulo, no dia 13 de junho de 2013. A imagem de Giuliana sentada na calçada com o rosto deformado circulou rapidamente nas redes sociais. Dezenas de profissionais da imprensa foram agredidos ou detidos enquanto trabalhavam para cobrir os atos. Um outro caso grave foi o do fotógrafo Sérgio Silva, 31, da Futura Press, que perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingido por um tiro de bala de borracha disparado pela Polícia Militar, também no dia 13 de junho.

Fonte: Terra
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