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Intervenção no Rio: muitos tiros, pouco resultado

16 ago 2018 - 11h37
(atualizado em 17/8/2018 às 08h18)
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Seis meses se passaram, e domina a impressão de que o velho modelo de ocupação militar se mostra mais uma vez ineficaz no estado. Uma visão compartilhada por observadores, soldados, policiais e moradores.Eric Martins não tem dúvidas: "Para as pessoas de fora da favela, é um filme, para nós, é um circo. E às vezes é o inferno." O professor de inglês de 29 anos é membro do Rocinha Resiste, um grupo de jovens fundado após a intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro. Eles discutem questões de segurança e tentam chamar a atenção para o abuso de poder da polícia e militares na maior favela da metrópole brasileira.

Soldados na entrada da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro
Soldados na entrada da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro
Foto: DW / Deutsche Welle

A Rocinha tem sido alvo de operações desde que o Exército assumiu o comando do aparato de segurança do Rio, seis meses atrás. A razão da intervenção foi tanto a criminalidade crescente quanto a impressão de que a corrupta e mal equipada Polícia Militar do Rio perdera o controle. Para tal, o governo em Brasília liberou 1,2 bilhão de reais.

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A intervenção começou com tanques nas ruas da cidade e soldados de uniforme de camuflagem, marchando pelas favelas adentro, de fuzil em punho. Eles derrubaram as barricadas das facções do narcotráfico e checaram a identidade dos residentes.

Também na Rocinha foram instalados postos de controle e houve trocas de tiros com os traficantes. "Mas nada mudou", afirma Martins. "É um show para a classe média do Brasil, sem respeito por nós, moradores." Ele conta que as operações transcorreram sem qualquer aviso; de madrugada se acorda com barulho de helicópteros, explosões e tiros; não se consegue chegar ao trabalho ou à escola.

"E no fim, as forças de segurança apresentam meia dúzia de caixotes com uns fogos de artifício." Uma prima dele, de 15 anos, desenvolveu crise do pânico. "A gente é vítima de uma política fracassada, que há 30 anos não tem nenhuma outra ideia a não ser reagir com violência a problemas complexos."

As estatísticas endossam Martins. Meio ano após o início da operação, o Observatório da Intervenção acaba de apresentar um primeiro balanço. Criado para monitorar o impacto da operação, ele compila seus dados das mais diversas fontes, sob a coordenação do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes.

Esse primeiro relatório é devastador. "Os indicadores mais relevantes para a segurança pública continuam inaceitáveis", escrevem os autores. "Homicídios e chacinas se mantêm muito altos; mortes decorrentes de intervenção policial e tiroteios aumentaram. As disputas entre quadrilhas, incluindo milicianos, fugiram ao controle."

Um exemplo: o número de tiroteios no Rio cresceu 40% desde o começo da intervenção. O Observatório conclui: "Os resultados mostram que o modelo de segurança dependente de munições, tropas e equipamentos de combate não é capaz de produzir as mudanças de que o Rio necessita."

Essa incapacidade era patente desde o início. Em fevereiro de 2018, o general Walter Braga Netto declarou que a comunidade de Vila Kennedy era o "laboratório da intervenção", e 3.200 soldados ocuparam a região. Algumas semanas mais tarde, porém, eles se retiraram e os traficantes retomaram o controle. O absurdo de uma política de segurança sem continuidade nem planejamento ficou óbvio.

Falta igualmente transparência, prossegue o relatório: "Depois de seis meses, também é difícil entender os caminhos dos recursos. As dezenas de operações militares, que chegam a mobilizar 5 mil agentes, ao custo de mais de 1 milhão de reais cada, arrecadaram poucas armas e tiveram efeito reduzido na desarticulação de quadrilhas."

Até o trabalho policial em si é marcado pela ausência de transparência: "A verdade é que o Gabinete da Intervenção não deu respostas sobre as mais de 600 mortes decorrentes de ação policial ocorridas sob sua gestão. E qual é a taxa de elucidação dos mais de 2 mil homicídios ocorridos no estado durante o mesmo período? Ninguém sabe."

As forças de segurança agem muitas vezes sem planejamento e, não raro, de forma brutal, como mostram alguns episódios traumáticos: os tiros disparados de helicópteros da polícia sobre favelas; a morte de um estudante abatido por disparos originados de um blindado no Complexo da Maré; e a chacina da Rocinha, em que oito pessoas foram executadas durante uma operação do Batalhão de Choque.

Mas, apesar das críticas e do mau planejamento, o ministro Extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, defende a operação: "É claro que o Rio poderia estar melhor. Mas as pessoas não têm noção de quão fundo penetrou o crime organizado, da deterioração das forças policiais do Rio."

Jungmann pede paciência: seis meses não bastariam para se apresentarem resultados positivos. De fato, ele tem um sucesso a apresentar: o Rio teve uma queda no número de roubos de carga. Em julho, foram registrados 729 casos, uma redução de quase 20% em comparação com o mesmo período de 2017.

Seja como for, até o momento domina a impressão de que a intervenção não passa de uma gota d'água no deserto. Surpreendentemente, essa visão é compartilhada por soldados e policiais, como mostram depoimentos que o Observatório recolheu para seu relatório.

Um funcionário da polícia diz: "A chamada intervenção não provocou mudanças significativas para a PMRJ. A verba, que sanaria alguns gargalos, até o momento não foi liberada. Percebo uma deficiência na área de inteligência. Vejo a intervenção como uma manobra politica."

E um praça das Forças Armadas observa: "A intervenção é ineficaz e mentirosa. Não se veem grandes apreensões, nada. Tudo não passa de uma grande perda de tempo, algo para inglês ver."

Isso que os agentes expressam, lembra a crítica de Eric Martins, o morador da Rocinha. Ao se despedir, ele comentou: "Ninguém é bobo para fingir que isso é a forma certa para resolver o problema. A intervenção é pura politicagem. Eles mandam o soldado que é pobre e vem da periferia contra o trabalhador que é pobre e mora na favela."

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