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SP: criação de parque divide moradores da região do Minhocão

Tráfego de veículos será desativado progressivamente, até que o Elevado possa ser demolido ou transformado em parque; CET diz que fechamento da via não provocará "tragédia" no trânsito

10 set 2014 - 08h14
(atualizado às 11h45)
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<p>Moradores pedem a demolição do elevado</p>
Moradores pedem a demolição do elevado
Foto: Débora Melo / Terra

A desativação do tráfego de veículos no Minhocão deixa a seguinte questão: o que será feito com a via suspensa, considerada um dos maiores fracassos urbanísticos da cidade de São Paulo?

Para alguns, o Elevado Costa e Silva deve ser transformado em parque suspenso, garantindo a manutenção do espaço público de lazer do qual a população já se apropriou aos domingos e feriados e também à noite (das 21h30 às 6h30), quando o tráfego é fechado. Outros defendem o seu desmonte – que seria melhor que a demolição – e, com isso, a volta do silêncio e a extinção de uma zona habitada por sem-teto e usuários de drogas.

A restrição definitiva de veículos no Minhocão está prevista no Plano Diretor, que estabelece regras para o crescimento da cidade para os próximos 15 anos e está em vigor desde o 31 de julho. A desativação do tráfego deverá ser feita de forma progressiva, mas não há prazo para isso – o Plano diz apenas que a questão deve ser tratada em projeto de lei (PL) específico. E foi assim que surgiu o PL 10/2014 na Câmara Municipal.

A primeira audiência pública do projeto foi realizada na noite desta terça-feira em um auditório com capacidade para 170 pessoas, lotado. A sessão, que deveria durar cerca de uma hora e meia, se estendeu por mais de três horas. No total, 31 pessoas expuseram seus argumentos contra ou a favor da criação do Parque Minhocão, como sugere o projeto de lei.

Para Wilson Levy, 28 anos, da Associação Amigos do Parque Minhocão, a perspectiva de desativação do transporte individual motorizado “já é uma conquista”. Ao defender a criação do parque, Levy afirmou a cidade de São Paulo é “carente de espaços de lazer” e lembrou que o Minhocão já desempenha esse papel. “As pessoas já fizeram dele um parque. É um parque espontâneo, que existe à margem de qualquer regulamentação”, disse. 

Para Iara Goes, 64 anos, do conselho participativo da Subprefeitura da Sé e da Ação Local Amaral Gurgel, a criação do parque não acabaria com o sofrimento das “232 mil pessoas que há 43 anos sofrem com a poluição do ar e a poluição sonora” do Elevado. “É preciso um estudo dos impactos. Não se pode substituir um problema por outro. As pessoas que moram ali preferem o ruído dos carros ao ruído das festas, com aqueles amplificadores que deixam qualquer um enlouquecido”, disse Iara. 

A única proposta que agradou aos dois lados foi apresentada pelo funcionário público Pedro Ciccone Teixeira, 27 anos,  que sugeriu a criação de um parque linear, ou seja, um parque no solo, a partir da demolição da estrutura do Elevado. “Por que não fazer um parque linear, no chão, na avenida, como existe em várias partes do mundo?”, questionou, recebendo aplausos de todos os cantos do auditório. “Se não for feito isso, que seja feito o Parque Minhocão. Não queremos outra avenida Santo Amaro, outra rua da Consolação”, criticou.

<p>Usado como área de lazer aos domingos, o Minhocão já teve até piscina </p>
Usado como área de lazer aos domingos, o Minhocão já teve até piscina
Foto: J. Duran Machfee / FuturaPress

Preocupações com segurança também foram apontadas por alguns moradores que defendem o desmonte. De acordo com Francisco Machado, do conselho participativo da Santa Cecília, os moradores temem que a região se transforme em uma “favela”. “Debaixo do Minhocão ficam os coitados dos sem-teto, os `noias`, tráfico em plena luz do dia, assaltos”, afirmou. “Não vamos multiplicar os problemas e transformar o Minhocão em uma favela suspensa.”

Os argumentos contrários à criação do parque ainda incluíram consequências da especulação imobiliária. Com a valorização da região, os preços dos imóveis subiriam, e a área acabaria sendo dominada pelos mais ricos – de fato, o entorno do Minhocão já conta com novos empreendimentos imobiliários. Para os defensores do parque, no entanto, o aumento do custo de vida a partir do avanço da qualidade de vida é um movimento natural. “O preço dos imóveis vai subir? Sobe a qualidade de vida, sobe o preço do aluguel”, afirmou Felipe Morozini, que mora em frente ao Elevado e faz parte da Associação Amigos do Parque Minhocão.

Trânsito

Para surpresa de todos, o gerente de planejamento da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), Vicente Petrocelli, disse que os estudos sobre os impactos da desativação do Minhocão no trânsito na cidade não apontam “nenhuma tragédia”. “É perfeitamente possível reduzir o impacto nas redondezas com medidas de engenharia de tráfego”, disse Petrocelli, que ainda aproveitou para lembrar que a restrição de veículos no Elevado faz parte de uma nova política. “O foco mudou. Hoje a gente trabalha para a mobilidade urbana, não é mais em função do automóvel”, concluiu o gerente, que está na CET há 20 anos.

Com 2,8 km de extensão, o Elevado Costa e Silva liga a região da Praça Roosevelt, no centro da capital, ao Largo Padre Péricles, em Perdizes, na zona oeste.  A obra foi inaugurada em 1971, em plena ditadura militar, pelo então prefeito biônico Paulo Maluf. Como forma de homenagear aquele que lhe deu o cargo, Maluf batizou o Elevado com o nome do general Costa e Silva.

<p>O elevado foi inaugurado em 1970 e é motivo de polêmica na cidade</p>
O elevado foi inaugurado em 1970 e é motivo de polêmica na cidade
Foto: Paulo Pinto / Fotos Públicas

Próximos passos

De acordo com o vereador José Police Neto (PSD), um dos autores do projeto, a próxima audiência pública deverá ser realizada até o final de setembro, e a ideia é que a discussão ocorra no próprio Minhocão, em um domingo. A sugestão, inclusive, chegou a ser apresentada na audiência de ontem por uma moradora da Barra Funda, que fez um apelo para que o debate sobre o Minhocão chegue ao maior número de pessoas possível.

O PL que cria o Parque Minhocão foi proposto pelos vereadores Nabil Bonduki (PT), Toninho Vespoli (PSOL), Ricardo Young (PPS), Goulart (PSD), Gilberto Natalini (PV) e Floriano Pesaro (PSDB), além de Police Neto. 

Apesar de citar diretamente a criação do parque e não prever a hipótese de demolição, os vereadores afirmam que o futuro do Minhocão não está definido e que as audiências públicas servirão exatamente para isso. “Um projeto de lei exige um substitutivo. Poderá surgir, e certamente deverá surgir um substitutivo. Estamos debatendo justamente para saber qual será o teor desse texto”, afirmou Nabil Bonduki, que também conduziu a sessão.

A expectativa é que um consenso a respeito de uma solução para o Elevado seja alcançada até o fim deste ano - somente depois disso é o projeto será levado a votação. Então, depois de aprovado e sancionado o projeto, a previsão é que a desativação definitiva do tráfego no Minhocão demore até seis anos.

Fonte: Terra
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