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Cidades

Incêndio do Museu Nacional cala última voz de povos indígenas

O setor de Linguística dentro do departamento de Antropologia guardava gravações originais de cantos e falas indígenas desde os anos 1950

6 set 2018 - 19h44
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SÃO PAULO - Línguas já há muito não faladas de povos indígenas que não existem mais no Brasil são uma das riquezas guardadas pelo Museu Nacional que provavelmente desapareceram no incêndio que destruiu a maior parte do acervo do museu no domingo.

Museu guardava a versão original do mapa étnico-histórico-linguístico 
Museu guardava a versão original do mapa étnico-histórico-linguístico
Foto: Reprodução / Estadão

O setor de Linguística dentro do departamento de Antropologia guardava gravações originais de cantos e falas indígenas desde os anos 1950, documentos históricos sobre essas línguas, material escrito. Ali estavam os originais do etnólogo alemão Curt Nimuendajú, que percorreu o interior do Brasil em busca de tribos indígenas no início do século 20 por cerca de 40 anos.

Ele foi um dos primeiros a etnografar as línguas desses povos. Boa parte desse material já havia sido publicada, mas ainda havia manuscritos inéditos dele no acervo do Museu Nacional, além de fotos e negativos. Também estava no museu o original do mapa étnico-histórico-linguístico feito por ele e datado de 1945, ano em que morreu, com a localização de todas as etnias pelo território do Brasil.

O material compõe o Centro de Documentação de Línguas Indígenas (Celin), especializado em línguas indígenas e variedades do português do Brasil, que reúne materiais textuais, sonoros e visuais colhidos por pesquisadores como Nimuendajú e vários outros antropólogos e linguistas que passaram pelo museu no século 20.

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Em entrevista ao Estado, a pesquisadora Bruna Franchetto, antropóloga e uma das maiores especialistas em línguas indígenas do Brasil, que há 40 anos faz pesquisas sobre o assunto no museu, afirma que ali estavam referências etnológicas e arqueológicas das etnias do Brasil desde o século 16. "Foi onde nasceu a primeira pós em linguística no Brasil, que depois foi para a Faculdade de Letras da UFRJ e onde surgiram as primeiras pesquisas em línguas indígenas no Brasil", relata.

"Não nos esqueçamos que o acervo de línguas indígenas diz respeito a um patrimônio que não tem como mensurar. É absolutamente único, de línguas ou povos que não existem mais e só restavam nos documentos históricos, e também de povos que ainda existem, mas estão ameaçados. Hoje temos 160 povos no Brasil. Mas houve uma perda de 80% da diversidade linguística a partir da conquista portuguesa. O que sobrou foi queimado", lamenta a pesquisadora.

Estadão
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