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Aeroporto de Congonhas: mudança de rotas de voo depende de discussão com vizinhos?

Para vizinhos do aeroporto, não houve debate amplo durante alteração ou mesmo nas etapas anteriores; órgãos federais, por outro lado, dizem ter tomado medidas necessárias

28 jul 2022 - 10h11
(atualizado às 15h41)
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SÃO PAULO - As reclamações por barulho nos arredores do Aeroporto de Congonhas, na zona sul paulistana, dispararam nos primeiros meses deste ano. Como causa central, moradores de bairros próximos ao local apontam a implementação de um novo projeto do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), que alterou as rotas de voo a partir de maio do ano passado.

Segundo os vizinhos do aeroporto, não houve debate amplo durante a mudança ou mesmo nas etapas anteriores, fator que teria aumentado a insatisfação nos bairros afetados. Os órgãos federais, por outro lado, dizem ter tomado as medidas necessárias. Especialistas ouvidos pelo Estadão comentam o caso e as prerrogativas necessárias para a alteração de rotas.

Como mostrou o Estadão, as queixas por barulho de avião nas proximidades de Congonhas feitas à Infraero, órgão que administra os aeroportos, foram de 13, nos cinco últimos meses de 2021, para 816, de janeiro a maio. Ou seja, houve alta de 6.176% nas reclamações no começo deste ano, quando as mudanças começaram a ser sentidas em maior intensidade.

A alteração das rotas, segundo presidentes de associações de bairros próximos ao aeroporto, espalhou o ruído por locais antes pouco afetadas pelos barulhos dos voos, como Paraíso e Vila Mariana. Diante disso, entidades de diferentes regiões se reuniram para buscar soluções.

Apesar das queixas, o Decea defende que o ruído geral diminuiu 15,18% após a medida, embora não especifique se houve alta em algumas regiões. A alteração das rotas ocorreu por meio do projeto TMA-SP Neo, implementado em maio do ano passado pelo Decea, órgão subordinado à Força Aérea Brasileira.

O objetivo da mudança, segundo o Decea, foi "aprimorar a eficiência na gerência do espaço aéreo para acomodação da demanda atual e a projetada para os próximos dez anos". O órgão federal informou que, com a medida, houve "redução na emissão de CO2 (gás carbônico) e nos gastos com combustíveis, além da dispersão das curvas de ruído".

A alteração de rotas se respaldou em um Plano Específico de Zoneamento de Ruído (PEZR) elaborado pela Infraero em 2019 e aprovado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que regula os ruídos aeronáuticos. Conforme o novo documento, "mudanças significativas ocorreram nas restrições ao uso do solo" ainda assim.

Antes, edificações residenciais, escolas, hospitais e igrejas, além de outros espaços, eram proibidas em áreas de 65 decibéis (dB) ou mais, embora sujeitas a eventual liberação federal. "De acordo com o novo PEZR, esses usos estão autorizados, desde que assegurado o necessário tratamento acústico nas edificações", afirma o documento.

Na época da elaboração do plano, a Prefeitura de São Paulo foi consultada, mas não respondeu aos questionamentos dos órgãos federais a tempo, o que não impediu a publicação do documento.

A mudança de rotas de avião em Congonhas poderia ter ocorrido mesmo sem ampla discussão?

Conforme advogados especializados em direito aeronáutico, é um caminho possível. "A decisão do Decea é soberana", explicou o advogado Sergio Alonso, especialista em direito aeronáutico. Ao mesmo tempo, ele complementou que isso não impede que a determinação seja contestada e eventualmente passe por um processo de revisão pelos órgãos competentes.

"As regras aeronáuticas são uma questão federal. Constitucionalmente, é a União que tem poder para legislar sobre o assunto, e o Decea é um órgão da Aeronáutica encarregado do controle do espaço aéreo. Portanto, ele pode fazer as mudanças sem consultar a Prefeitura", disse Alonso. "É uma questão de segurança de voo. Não pode ter outros órgãos interferindo nisso."

Por outro lado, Alonso reconhece que, sobretudo por afetar os moradores das cidades onde os aeroportos estão localizados, as gestões municipais podem solicitar alterações nas rotas, embora isso ainda tenha de passar por um processo de avaliação dos órgãos especializados. "Se a Prefeitura tiver algum problema, (no sentido) de que isso vai atrapalhar a cidade ou algo do tipo, cabe a ela discutir com o Decea e, inclusive, se for o caso, judicializar."

Em nota, o Decea argumentou que, "considerando que o Aeroporto de Congonhas se situa em área densamente povoada, não é possível desenhar rotas sobre áreas desabitadas". Nesses casos, o órgão afirmou aplicar técnicas de redução de ruído previstas em regulamentos da Organização Internacional da Aviação Civil para dispersar o ruído em áreas densamente povoadas e mitigar o impacto nas populações atingidas.

O Decea reforçou ainda que é de competência da Anac regular sobre ruído aeronáutico e disse que instituiu a Comissão de Gerenciamento de Ruído Aeronáutico (CGRA), responsável por centralizar e gerenciar todas as demandas relativas ao assunto. Ainda assim, moradores ouvidos pela reportagem se dizem insatisfeitos com os resultados gerados após as reuniões da comissão.

As críticas dos moradores sobre a alteração de rotas de avião são legítimas?

Para a advogada Raphaela Galletti, presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB Pinheiros, as críticas de moradores em relação à alteração de rotas são legítimas. "Falta interlocução com a comunidade do entorno, faltou muito diálogo (antes da adoção da mudança)", avaliou.

Segundo ela, a alteração de rotas do Aeroporto de Congonhas expandiu o que antes se tinha como o "jardim do aeroporto", o que aumentou os impactos gerados. Por consequência, a advogada acredita que a alteração teria de passar por um processo mais amplo de discussão. "Hoje, os voos passam sobre o Parque Ibirapuera, que é tombado, sobre Pinheiros, sobre Avenida Paulista…", apontou.

No início da semana, Raphaela esteve presente em uma reunião no Ministério Público de São Paulo junto a representantes de entidades de bairros como Moema, Paraíso e Vila Mariana, que se reuniram para combater a alta de ruídos em bairros próximos de Congonhas. Participaram também o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado estadual Carlão Pignatari, e o procurador-geral do MPSP, Mario Sarrubbo.

Atualmente, há um inquérito civil do Ministério Público de São Paulo para apurar poluição de solo no Aeroporto de Congonhas, devido ao depósito e armazenamento inadequado de combustíveis. Já a questão da emissão de ruídos é de incumbência do Ministério Público Federal (MPF). Procurado, o ministério informou que há um procedimento em andamento sobre as queixas de ruído, mas sob sigilo.

Há relação entre a mudança de rotas e a concessão do Aeroporto de Congonhas?

O Decea afirma que o objetivo da mudança foi "aprimorar a eficiência na gerência do espaço aéreo para acomodação da demanda atual e a projetada para os próximos dez anos". Como mostrou o Estadão, a Infraero quer expandir os voos no Aeroporto de Congonhas até mesmo antes da concessão, cujo leilão está previsto para 18 de agosto. A medida adicionaria de 3 a 4 movimentos por hora no terminal, que hoje opera com 32 a 33 pousos e decolagens por hora na aviação comercial. Ao mesmo tempo, os investimentos previstos no projeto de concessão abrem caminho para esse número chegar a 44.

Nesta terça-feira, 26, um grupo de moradores entrou na Justiça para adiar a concessão do Aeroporto de Congonhas, marcado para o próximo dia 18, e pediu que as obrigações da concessionária vencedora sejam melhor delimitadas. Na petição inicial, a qual o Estadão teve acesso, eles manifestam preocupação com uma possível alta nos níveis de ruído dos voos e com os impactos socioambientais da medida. Citam também receio de aumento de trânsito de carros e de acidentes na região.

O grupo teme que a concessão piore a situação em bairros antes já afetados pelo barulho, como o Jabaquara, e em locais onde o incômodo aumentou nos últimos meses, como Paraíso e Jardins. O Ministério da Infraestrutura, por outro lado, afirma que os estudos necessários foram feitos e que, juntamente com a Anac, irá se manifestar na Justiça quando os órgãos forem notificados.

"Todos os estudos necessários para viabilizar a concessão do Aeroporto de Congonhas (SP) - assim como dos outros 14 aeródromos que formam a sétima rodada de concessões aeroportuárias - foram feitos pelas equipes do Governo Federal. Além das análises estruturais e dos impactos econômicos e ambientais em todas as áreas de influência do aeroporto, a elaboração do projeto passou por processo de consulta e audiência públicas, justamente para colher as contribuições da sociedade - especialmente os moradores da região - sobre o assunto", informou o ministério.

Como as rotas de voo podem ser revistas? O que poderia ser feito para mudar a situação?

Para Jefferson Fragoso, especialista em segurança de voo e regulamentação aeronáutica, a máxima seguida pelo Decea é a da segurança operacional e das questões de continuidade da rota, o que daria maior fluidez aos procedimentos realizados no aeroporto. O órgão federal, explicou, é soberano para focar nessas questões.

Ainda assim, ele reconhece que alguns planos podem ser retrabalhados diante da alta de reclamações de moradores, por exemplo. "Em determinada posição, pode-se fazer um ajuste de potência diferenciado em determinada rota. Mas isso tudo envolve estudo da empresa aérea e de performance da aeronave", explicou.

O ajuste de potência, no caso, seria indicar que, em vez de o piloto reduzir a potência em determinado estágio do voo, o procedimento seja feito em outro ponto do trajeto. "Normalmente, quando se reduz a potência, se escuta um ruído diferente, que é um pouco mais grosso", disse Fragoso, que também é piloto.

"Isso pode deixar de atrapalhar (em uma situação hipotética) quem mora no bairro Vila Mariana, mas atrapalhar quem vive em Jabaquara. É uma questão de consciência também de que nós vivemos em um centro urbano de grande movimentação, é muito difícil eliminar todos esses fatores."

Segundo Fragoso, apesar de poder fazer pedidos nessa linha com base nas reclamações de moradores de determinada região, por exemplo, a Prefeitura não teria muita ação com relação a processos de mudança de rotas e de elaboração de PEZR, uma vez que são conduzidos por órgãos técnicos.

A alteração do PEZR pouco antes da mudança de rotas é um processo natural?

O entendimento de especialistas é que sim. "Quase nada na aviação é fixo. É necessário sempre se fazer essa reanálise, é uma melhoria contínua", disse Fragoso, explicando que não necessariamente as melhorias ocorrem de forma concomitante. "Eles (órgãos de aviação) não podem ficar presos a planos antigos. Os planos têm de evoluir à medida que o tráfego aéreo evolui."

Segundo a Anac, o Aeroporto de Congonhas possui um PEZR "devidamente registrado" na agência e o documento "independe de eventuais respostas da Prefeitura de São Paulo para algum órgão federal".

A agência disse ainda que, como ocorreram alterações em rotas e procedimentos de pouso e decolagem em Congonhas devido ao Projeto TMA-SP Neo, a Infraero está elaborando um novo PEZR do aeroporto. Não foi especificado prazo para conclusão do documento.

Qual seria o caminho para moradores reivindicarem a revisão de rotas que estão afetando os bairros?

Os caminhos são vários: vão desde queixas registradas junto aos órgãos federais até reclamações protocoladas na esfera municipal. Procurada pelo Estadão, a Prefeitura de São Paulo, por exemplo, informou, em nota, que um grupo de trabalho foi constituído para analisar os aspectos técnicos sobre a regulamentação do zoneamento de ruído aeroportuário e sua interface com a legislação municipal.

Desde que as rotas dos voos foram alteradas, a Controladoria Geral do Município registrou duas reclamações na Ouvidoria Geral do Município. "A CODUSP (Coordenadoria de Defesa do Usuário do Serviço Público) aguarda um levantamento de informações técnicas das pastas envolvidas no processo para dar continuidade numa possível mediação de conflitos."

"Não vejo um caminho tão simples para mudar algo que o que tem que ser priorizado é a segurança do voo", disse Fragoso. Ele explica que, uma vez que há demanda por mudanças, as soluções possíveis são discutidas internamente pelos órgãos de aviação.

Estadão
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