Advogada aponta contradição em voto de Fux que absolveu Bolsonaro de crimes da trama golpista
A Primeira Turma do STF condenou Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicial fechado por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, no dia 11 de setembro. O único voto pela absolvição foi do ministro Luiz Fux, cuja posição gerou críticas de contradição e seletividade probatória entre juristas. A defesa anunciou que recorrerá, mas a execução da pena depende do trânsito em julgado.
O ponto central da suposta controvérsia é que o ministro Fux reconheceu a competência do STF para julgar centenas de manifestantes envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, mas adotou entendimento oposto quando analisou a responsabilidade de Jair Bolsonaro e de outros apontados como mandantes da tentativa de golpe. Na prática, condenou os executores dos ataques, mas afastou a competência da Corte para punir parte dos supostos articuladores, o que abriu espaço para acusações de contradição.
"A diferença de posicionamento [do ministro Luiz Fux] revela, no mínimo, uma incongruência metodológica que precisa ser analisada com rigor técnico", afirmou Daniela Poli Vlavianos, advogada do escritório Arman Advocacia. Para ela, "ao excluir da mesma competência os eventuais autores intelectuais — em especial Bolsonaro e pessoas próximas a ele, cujos atos teriam sido, no mínimo, coautoria ou instigação direta — o critério adotado torna-se contraditório". Segundo a advogada, "trata-se de uma conexão probatória e teleológica, cuja cisão não se sustenta em fundamentos sólidos", isso é, como os executores e os supostos mandantes estariam ligados pelo mesmo conjunto de provas e pelo mesmo objetivo, não faria sentido separar a responsabilidade de um grupo do outro. "A tese jurídica perde coerência interna e enfraquece a narrativa jurídica da unidade do fato criminoso", disse Daniela.
A crítica também refletiu na percepção pública do julgamento. "Se houver evidência concreta de que provas substanciais foram ignoradas ou tratadas de maneira superficial, a solidez do voto de Fux fica comprometida, tanto no aspecto técnico quanto na legitimidade institucional da decisão." A atuação do ministro foi descrita por especialistas como "contraditória e seletiva" nas provas.
Antonio Gonçalves, criminalista, ponderou que mudanças de entendimento são possíveis, mas exigem base. "Qualquer julgador pode modificar seu entendimento sobre uma questão jurídica." No caso, "o tema da competência de foro suscita dúvida em decorrência do ministro Fux ter participado de centenas de decisões monocráticas e, em nenhuma delas, se declarado como incompetente". Para ele, "não chega a ser uma contradição, todavia, não há uma fundamentação específica acerca do tema por parte do ministro Fux".
"Como o voto não reverberou com os demais ministros e o tema foi enfrentado nas preliminares só há possibilidade de mudança de entendimento em caso de uma análise pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, o que hoje não parece crível", disse Antonio Gonçalves. Isso significa que, como o voto de Fux ficou isolado, dificilmente ele terá força para alterar o resultado, a não ser que o caso seja levado ao conjunto de todos os ministros do Supremo, o que não é esperado. Ainda assim, completou: "O peso do voto é elevado ao abrir a possibilidade da defesa suscitar a admissibilidade de Embargos Infringentes na Corte". Esses embargos, explicou o criminalista, são um tipo de recurso que pode ser usado quando há divergência dentro de um julgamento, mas só são aceitos se pelo menos dois ministros tiverem votado pela absolvição.
Quando Bolsonaro pode ser preso?
No curto prazo, as defesas devem apresentar embargos de declaração, que não suspendem automaticamente a condenação. "O primeiro recurso será o de Embargos de Declaração que podem ser interpostos em até cinco dias da publicação da sentença." Depois, "podem ser interpostos os Embargos Infringentes e o seu debate pode ou não ser admitido pela Turma. Em caso negativo haverá o trânsito em julgado da sentença e o obrigatório cumprimento da pena para os condenados", explicou Antonio Gonçalves. A previsão de próximos passos é acompanhada por especialistas, que apontam possível discussão sobre local e modalidade de execução após o trânsito.
Para Daniela Poli Vlavianos, a execução imediata da pena é improvável. "O início do cumprimento da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado da condenação." Mesmo assim, "o STF poderá conceder autorização para que o réu recorra em liberdade caso não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva", disse. "Embora a condenação seja superior a 8 anos — o que impõe regime fechado — o STF pode, excepcionalmente, permitir o início da execução em outro regime, desde que haja fundamentação específica."
No plano institucional, a leitura dos efeitos foi convergente. "O julgamento dos envolvidos no atentado à Democracia e na tentativa de golpe ao Estado Democrático de Direito brasileiro reafirmam o Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição e defensor do Estado brasileiro", disse Antonio Gonçalves. Daniela Poli Vlavianos emendou: "A atuação do STF como guardião da democracia é reforçada quando há coerência, rigor técnico e respeito ao devido processo legal." Para ela, "embora o julgamento de Bolsonaro pelo STF possa ser juridicamente defensável, o modo como isso é feito — especialmente no tocante à coerência entre os votos e a integridade da fundamentação — é determinante para que a Corte se mantenha firme em sua missão institucional."