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Pela primeira vez, Moçambique assume assento no Conselho de Segurança da ONU

Uma das prioridades do país é a defesa do continente africano contra o terrorismo; mais quatro membros não permanentes do Conselho tomaram posse na última terça (3)

16 jan 2023 - 10h28
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Imagem de Pedro Comissário segurando bandeira de Moçambique no Conselho de Segurança da ONU.
Imagem de Pedro Comissário segurando bandeira de Moçambique no Conselho de Segurança da ONU.
Foto: Imagem: Reprodução/ ONU News / Alma Preta

Nesta última terça (3), Moçambique iniciou formalmente seu mandato de dois anos no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa é a primeira vez que o país africano assume um assento como membro não permanente no Conselho. Uma das prioridades de seu mandato é a defesa do continente africano contra o terrorismo.

Na cerimônia de posse realizada em Nova Iorque, nos Estados Unidos, representantes de Equador, Japão, Malta e Suíça também assumiram seus mandatos como membros não permanentes junto ao Conselho para o biênio de 2023-2024. Os cinco países foram eleitos em 2022 pela Assembleia Geral da ONU para substituir o grupo formado por Índia, Irlanda, Quênia, México e Noruega, que terminaram seus mandatos em dezembro do ano passado.

Moçambique foi eleito com 100% dos votos após concorrer no grupo da África para suceder ao Quênia. Segundo informações da ONU, o país moçambicano assumirá o comando do órgão responsável pela paz e segurança internacionais em março.

Segundo o embaixador de Moçambique na ONU, Pedro Comissário, são várias as razões para o país nunca ter se candidatado ao Conselho de Segurança desde que se tornou uma nação independente em 1975. De acordo com ele, tem a ver sobretudo com a ativa participação do país na luta pela libertação da África Austral.

"Contribuímos para a libertação de Rodésia do Sul (agora Zimbábue) e também demos uma enorme contribuição para a luta contra o apartheid. Além disso, participamos ativamente no processo da independência da Namíbia. A seguir a essa agenda, há nossa própria agenda interna. Nós precisávamos de estabelecer a paz no país. Achamos que este é o momento de nós virmos ao Conselho de Segurança e darmos a nossa modéstia contribuição para o desempenho desse órgão", relatou Comissário em entrevista ao ONU News.

Ainda segundo o embaixador moçambicano, durante os próximos dois anos de mandato, muita atenção será direcionada à agenda global de paz e segurança internacional e africana. "A África constitui um dos temas mais importantes do Conselho de Segurança. Vamos tentar trabalhar com outros estados para a maior conscientização da relação que existe entre mudanças climáticas, a paz e a segurança", comentou.

De acordo com Flávio Francisco, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e doutor em História Social, é muito importante para o país africano a entrada no Conselho. Segundo ele, além de se consolidar como ator africano importante nas organizações internacionais, contribuindo com várias agências associadas com programas sociais no continente, o país avança na luta contra o terrorismo em seu próprio território.

"O país passou por uma guerra civil de 16 anos e agora precisa enfrentar grupos terroristas que se instalaram em Cabo Delgado, na Região Norte do país, onde há a exploração de gás. Para os moçambicanos é importante pacificar aquela área para garantir investimentos", comenta o professor.

No conflito de Cabo Delgado, que se prolongou nos últimos cinco anos, houve alguns ataques reivindicados pelo grupo Estado Islâmico. Em julho de 2021, houve uma resposta militar com apoio de Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que resultou em alguns distritos libertos, mas com novos ataques na região e na província vizinha de Nampula.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) já conta um milhão de deslocados e o Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED) contabiliza cerca de quatro mil mortes.

Sobre a questão do terrorismo, Pedro Comissário pontuou que seu mandato incidirá também sobre o que chama de "processo de africanização do terrorismo", que significa a disseminação do terrorismo por toda a África.

"Quer dizer que o terrorismo está a ter raízes muito forte em África e corre o risco de ser um mal endêmico, como a fome e os conflitos. Portanto temos um grande interesse em juntar o consenso da comunidade internacional com o combate contra o terrorismo e estamos agora na linha de frente dessa combate", explicou Comissário à ONU.

O embaixador moçambicano na ONU também pontuou que há a intenção de levar a questão da fome e dos conflitos no continente às discussões do Conselho. "Embora o Conselho de Segurança se dedique sobretudo à paz e à segurança internacionais, pensamos que há sempre uma relação entre insegurança e a fome, entre a falta de alimentos e os conflitos armados. E nós queremos que toda a comunidade internacional se conscientize de que temos que criar uma produção mais solidária e um mundo mais solidário em que não haja exagerados desequilíbrios na produção de alimentos e na sua distribuição".

Leia mais: Ciclone Ana em Moçambique: como a cobertura midiática sobre África se limita aos estereótipos

Sobre o Conselho de Segurança da ONU

O Conselho de Segurança faz parte da estrutura permanente da ONU e foi criado juntamente com a criação da própria ONU em 1945, após a Segunda Guerra Mundial. Entre as suas responsabilidades estão a manutenção da paz e a segurança internacional; a criação, continuação e encerramento das Missões de Paz; a investigação de toda situação que possa vir a se transformar em um conflito internacional.

O órgão é formado por 15 membros, sendo cinco permanentes e dez rotativos. Os membros permanentes são os mesmos países que venceram a Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos, Reino Unido, China, Rússia e França. A cada ano, a Assembleia-Geral da ONU seleciona novos cinco assentos de um total de 10 integrantes não-permanentes. A escolha é pautada por uma distribuição geográfica para que todos os continentes sejam representados.

"Apesar do rodízio dos não permanentes, a África garante a sua presença sempre com três países, neste momento são Moçambique, Gabão e Gana", comenta o professor Flávio Francisco.

Este ano, a presença de Moçambique coincide com a de outro país de língua portuguesa, o Brasil, que ocupa pela 11° vez assento no Conselho. "Nós temos uma excelente oportunidade de trocarmos as nossas notas, as nossas experiências e as nossas visões. Temos uma relação histórica que nos une e que vai ser um fator importante nas consultas entre nós", relatou Pedro Comissário para a ONU News.

Críticas à estrutura do Conselho

Outro ponto colocado pelo embaixador Pedro Comissário para se colocar atenção durante o mandato é sobre a questão da reforma do Conselho de Segurança da ONU, para que possa refletir as preocupações africanas que sofreram uma injustiça histórica.

"Não temos nenhum membro permanente no Conselho de Segurança, mas, para além disso, também vamos tentar reforçar o multilateralismo porque o multilateralismo é o coração da existência das Nações Unidas. Criamos as nações unidas justamente para promover o multilateralismo e isso significa um mecanismo de permanente diálogo, de permanente debate e de permanente busca por soluções pacíficas e negociadas dos conflitos internacionais", acrescentou Comissário segundo informações das Nações Unidas.

O professor Flávio Francisco explica que a reforma da estrutura do Conselho de Segurança é uma reivindicação não somente de africanos, mas de outros países relevantes no sistema internacional que apontam para as limitações na decisão daqueles que não têm o status de permanente.

"A composição do Conselho foi determinada pelo resultado da Segunda Guerra Mundial, mas as relações internacionais mudaram muito desde o evento, transformando o Conselho em um clube de cinco países que são responsáveis pelas grandes decisões. Países como a Nigéria e a África do Sul, as duas maiores economias do continente, propõem a incorporação de membros permanentes do continente africano, assim como países como o Brasil pleiteiam assentos para países latino-americanos", ressalta.

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Alma Preta
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