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Ser da família para o trabalho e não para a herança

A exploração do corpo negro se perpetua até hoje. Madalena é mais uma de milhares

10 mai 2022 - 05h00
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Madalena relatou ainda o clima de descriminação constante na casa em que trabalhava
Madalena relatou ainda o clima de descriminação constante na casa em que trabalhava
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Um vídeo viralizou na internet nos últimos dias. As imagens mostram Madalena Santiago da Silva, uma mulher negra de 62 anos, que estava em situação análoga à escravidão há 54 anos. Essa tragédia repercutiu muito porque durante a entrevista, a repórter tenta pegar na mão de Madalena e ela diz que tem receio de tocar na mão branca da jornalista. Semana passada, a ex-patroa disse que não pagava salário pois considerava Madalena da família. Logo, precisamos entender o que o branco interpreta como negro familiar.

Para isso temos que voltar na época onde a escravidão estava dentro da lei. Neste periodo, os únicos negros que faziam parte da casa grande eram as negras idosas, a quem era limitada a cozinha, as arrumadeiras, que eram geralmente negras de meia idade, as mucamas, que colaboravam com as arrumadeiras e acompanhavam as senhoras nos passeios, essas eram negras bonitas e jovens, que o senhor escolhia a dedo. Esses negros eram tidos como sortudos pelos seus pares, e os brancos viam o ato de permitir que estes frequentassem a casa grande como um grande favor. Favor esse que não as privava de ir para o tronco, ficar sem comer ou sofrer todos os tipos de agressões. Principalmente as mucamas, que eram vítimas dos ciúmes da sinhá e sofriam violências das mais variadas. Há relatos até de queimaduras faciais para desconfigurar seus belos traços.

Nessa breve e rasa fala, podemos entender os estereótipos de serventes negros em casa de brancos ainda hoje. É a cozinheiro idosa, que foi ama de leite dos filhos dos patrões, que criou os filhos deles enquanto os dela se criavam só, que traz a filha, ainda jovem, para ajudar a arrumar a casa porque a coluna dela não a permite mais. É essa filha que será vítima dos assédios do seu “irmão” de leite, assim como sua mãe outrora foi assediada pelo patrão, e são esses assédios que farão o filho dos ricos ser enaltecido e seu pai se vangloriar dizendo “tal pai tal filho”.

 O “ser da família” é a falsa ideia branca de pensar que só por permear o meio deles, ainda que como subalternos, devemos ser gratos pelas migalhas e relevar toda violência recebida. Violência essa que mudou, mas nem tanto, do tempo do Brasil colonial para cá. Madalena não só viveu 54 anos em situação análoga à escravidão, como teve R$ 20 mil de sua aposentadoria roubada pela filha do casal dos “ex-patrões”. E isso não é incomum. Nos últimos meses, tivemos também a Yolanda, de 89 anos, que ficou 50 anos sendo escravizada e a Madalena Giordano, de 46, que ficou 38 anos passando por exploração. Esse tipo de conduta se perpetuará enquanto o imaginário social, moldado por toda estrutura racista, colocar brancos como superiores e salvadores. Vale ressaltar também que os reflexos da escravização africana são vistos a todo momento na sociedade contemporânea, e não só nesses momentos mais absurdos.

Por fim, é preciso falar também que Madalena Giordano, Yolanda e Madalena da Silva tem em comum a cor da pele. 82% dos resgatados em trabalhos similares ao da esvravidão no Brasil são negras e negros. E isso não é coincidência, é projeto de exploração.

Fonte: Luã Andrade
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