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Rodrigo Amendoim pode ser mais um homem negro adoecido também pelas redes sociais

Redes sociais adoecem pessoas que as usam, mas também as que produzem conteúdo, sobretudo quem depende delas para sobreviver

31 out 2023 - 10h01
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Rodrigo Amendoim, influenciador digital morreu em 28 de outubro
Rodrigo Amendoim, influenciador digital morreu em 28 de outubro
Foto: Reprodução/Instagram/rodrigo_amendoimm

* Atenção: esse texto pode contar gatilho para algumas pessoas.

Não sou psicólogo, terapeuta ou psiquiatra e não tenho nenhuma autoridade para falar, técnica e intelectualmente, da situação do influencer baiano. Tão pouco estou aqui para apontar o dedo para fulano ou beltrano, como muitos fizeram por aí. Esse é um assunto muito sério que, se tratado com responsabilidade, pode ajudar muitas pessoas - sobretudo pessoas negras - a refletirem sobre sua saúde mental e os espaços que frequentam.

Como a maioria sabe, eu também estou inserido no contexto de rede social e, apesar de ser de um bicho totalmente contrário ao que Mendo, como o influenciador Rodrigo Amendoim era também chamado, fazia parte, sei bem do potencial de adoecimento presente nas redes sociais. Amendoim, para quem não viu, foi encontrado morto em seu apartamento no último sábado, 28, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. Ele tinha mais de 1,5 milhão de seguidores e, segundo a polícia, cometeu suicídio. As investigações sobre as circunstâncias da morte do influenciador ainda estão em curso.

Falar sobre o homem negro e essas circunstâncias, para mim, é muito válido nesse momento, pois não tem uma semana que comecei a utilizar medicação para minha saúde mental. Estou procurando uma psicóloga que tenha letramento em algumas questões, ou seja, estou buscando ajuda e fazer isso não foi uma tarefa fácil. E isso tem muito a ver com ser homem negro e como o direito à minha subjetividade foi esmagado durante meu processo de crescimento.

Fui uma criança que passou 13 anos em um meio em que as pessoas não tinham nem minha cor e nem minha classe social. Sofri bastante por sempre ter sido uma criança gorda e essa estrutura me fez enfermo. Fez também com que eu me enrijecesse e fizesse adoecer também outras pessoas, principalmente as que não tinham nada com isso. Sempre que saía do que era esperado de um homem negro como força, brutalidade, virilidade, era motivo de zoeira. Demonstrar emoção? Falar que gosta de ler? Discutir sobre qualquer coisa que não fosse futebol? Durante muito tempo não foi uma opção.

O que tento falar é que cada estereótipo cria uma expectativa social e, ao meu ver, a do homem negro, independente do ambiente, passa muito por essas coisas. É óbvio que se esse homem for periférico, as coisas se acentuam muito, mas não foi o meu caso.

As redes sociais, assim como tudo, têm seu lado bom e seu lado ruim. A questão é que, com o passar do tempo, as coisas ruins, sobretudo para quem produz conteúdo, estão ficando cada vez maiores. Para além de comentários racistas, gordofóbicos, xenofóbicos e muitas outras coisas, o "modus operandi" de crescimento e engajamento nas redes também é cruel. Se você passa um dia sem postar, a rede mitiga seu alcance; se você não responde comentário, a rede mitiga seu alcance; se você não interage na DM (mensagens diretas) fazendo a conversa render, a rede mitiga seu alcance e vários outros “se” que deixam o produtor de conteúdo refém do algoritmo.

Muita gente pensa que é 'mimimi', que trabalho que adoece mesmo é bater ponto e passar duas horas no trânsito. E eu até concordo, até porque já fiz muito isso, mas acho importante falar que esse glamour que muitos pensam de quem tem seguidor em rede social é tipo o futebol: menos de 1% fica rico, o resto são pessoas que estão tentando sobreviver na lógica capitalista e acabam ficando mal porque passam 16 horas lendo e buscando conteúdo para não precisar voltar a um mercado de trabalho sucateado e racista.

Existem muitos factoides sobre ter seguidor em rede social. As pessoas acreditam mesmo que todo mundo é um Carlinhos Maia, mas a realidade é muito mais densa e a maioria dos produtores de conteúdo, se você parar para pensar, também estão inseridos na lógica da uberização. Você trabalha para ter o seu, mas quem mais ganha com seu engajamento é a empresa na qual você está inserido, ou seja, se você faz 17 milhões de visualizações em um mês, você pode não ganhar um real de publicidade, pois seu assunto é polêmico, mas nos números da Meta, empresa dona do Instagram e Facebook, isso conta muito na hora de vender anúncios.

Eu não sei o que aconteceu com Amendoim, mas eu usei um pouco do que acontece comigo para falar que homens negros têm dificuldade de demonstrar vulnerabilidade, que as redes sociais adoecem pelos onda de ódio que os haters inflamam, mas também pela forma frenética que as pessoas devem produzir para ter relevância e pelo pouco retorno que se tem disso. A falta (e a busca) do dinheiro vem deixando cada vez mais jovens, sobretudo negros e periféricos, com a saude mental comprometida. Como falei, não sou da área, mas me pergunto se é possível ter uma boa saúde mental tendo que lidar com a pobreza, ou o medo dela, com racismo e com essa masculinidade que suprime a subjetividade e nos resume a um falo e a força física.

Fonte: Redação Nós
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