Mobilidade elétrica: regras de bombeiros dificultam recarga em condomínios
ABVE critica diretriz dos bombeiros que obriga sprinklers em garagens com recarga. Norma ameaça a mobilidade elétrica em condomínios
A mobilidade elétrica vem avançando rapidamente no Brasil, mas enfrenta novos obstáculos regulatórios. A Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) divulgou nota oficial sobre a “Diretriz Nacional Sobre Ocupações Destinadas a Garagens e Locais com Sistemas de Alimentação de Veículos Elétricos”, publicada no dia 26 de agosto pelo Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (Ligabom).
Dificuldades para condomínios residenciais
O principal ponto de crítica da ABVE está na aplicação da diretriz em condomínios residenciais e prédios já existentes. O documento determina que, sempre que houver instalação de sistemas de abastecimento de veículos elétricos (SAVE), toda a garagem deverá ser equipada com chuveiros automáticos (sprinklers) e detecção automática de incêndio.
Na prática, a medida é considerada pela associação como discriminatória e de difícil execução técnica. “Punirá quem instala sistemas de recarga – equipamentos de alta confiabilidade – e será omissa quanto às garagens sem recarga”, afirma a ABVE. A entidade também lembra que tais exigências podem impor custos desproporcionais aos moradores e dificultar a modernização das garagens.
Segundo a associação, o texto contém avanços importantes, como a exigência de conformidade com normas técnicas já reconhecidas (NBR 5410, NBR 17019 e NBR IEC 61851-1), bem como a obrigatoriedade de corte de energia, desligamento manual e sinalização de segurança em edifícios novos.
Erros técnicos e falta de referência internacional
A ABVE também critica a confusão entre modo de recarga e tipo de conector. De acordo com a entidade, a Diretriz restringe o uso aos Modos 3 e 4, mas em outro trecho admite “SAVE Tipos 1 e 2” para garagens externas. Para a associação, trata-se de um erro conceitual, já que a recarga em Modo 1 é proibida internacionalmente.
Ainda segundo a ABVE, não há paralelo mundial para a obrigatoriedade de sprinklers apenas em garagens com pontos de recarga. A própria exposição de motivos do documento admite a inexistência de regulamentação específica no Brasil e no mundo, reforçando o caráter pioneiro e, na avaliação da entidade, equivocado da medida.
Comparação de EVs com veículos a combustão
A associação também afirma que a diretriz ignora os riscos dos veículos a combustão. Os maiores incêndios recentes em estacionamentos – como os de Liverpool (2017) e London Luton Airport (2023) – foram causados por carros a combustão e agravados pela propagação de combustíveis líquidos.
Apenas em São Paulo, segundo dados citados pela ABVE com base no Corpo de Bombeiros paulista, ocorrem em média 16 incêndios de veículos a combustão por dia, quase 6 mil por ano. Para a entidade, exigir medidas extras apenas para a mobilidade elétrica distorce a realidade dos riscos.
Inviabilidade de prazos e risco de judicialização
Os prazos estabelecidos também são considerados pela associação como inexequíveis. O texto prevê vigência em 180 dias e aplicação imediata das medidas elétricas para prédios existentes, o que não condiz com a realidade de condomínios, shoppings e aeroportos.
A ABVE denuncia ainda que o documento final não refletiu o consenso construído em mais de um ano de negociações, que envolveram entidades como Secovi, Sinduscon e Abravei, em conjunto com técnicos do Corpo de Bombeiros de São Paulo.
Caso a diretriz não seja revisada, a entidade prevê inevitável judicialização e até a necessidade de legislações específicas que assegurem o direito à recarga em condomínios e a expansão da mobilidade elétrica no Brasil.
Mobilidade elétrica e modernização das cidades
Ao se posicionar contra a medida, a ABVE ressalta que o Brasil não pode desperdiçar a oportunidade de atualizar suas regras de forma moderna, tecnicamente viável e segura. Para a associação, a regulamentação precisa ser neutra em relação às tecnologias, baseada em evidências científicas e voltada para a universalização da segurança – tanto para veículos elétricos quanto para os a combustão.
Num cenário em que a mobilidade elétrica é estratégica para reduzir emissões e modernizar cidades, a ABVE defende ajustes imediatos para garantir que condomínios residenciais possam oferecer infraestrutura de recarga de forma segura, viável e inclusiva.