WUCHANG: Fallen Feathers quer mostrar ao mundo a força dos jogos chineses; entrevista
Com forte inspiração histórica e cultural, o soulslike da Leenzee Games surge como símbolo da nova geração de AAA feitos na China.
Nos últimos anos, o mundo dos games vem prestando cada vez mais atenção ao potencial criativo e técnico da China. O sucesso estrondoso de Black Myth: Wukong abriu caminho para que outros títulos com DNA chinês ganhassem visibilidade global — e entre eles, está WUCHANG: Fallen Feathers.
Com uma estética deslumbrante, narrativa ambientada na dinastia Ming e raízes profundas no folclore chinês, WUCHANG não é apenas mais um soulslike. É uma carta de amor à cultura de uma geração de desenvolvedores que cresceram rodeados por lendas, relíquias e tradições milenares.
Para entender melhor as ambições e desafios por trás do projeto, conversamos com Xia Siyuan, diretor de arte e codiretor de WUCHANG, além de cofundador da Leenzee Games. Ele compartilhou detalhes sobre a influência de Black Myth, a importância da identidade cultural e como o estúdio pretende marcar seu nome na nova onda de games AAA da China.
A influência de Black Myth: Wukong
Game On - Black Myth gerou uma onda gigantesca de atenção para jogos chineses. Como o sucesso dele influenciou o desenvolvimento ou a estratégia de WUCHANG? Houve mais pressão ou mais inspiração?
Xia Siyuan - O sucesso de Black Myth trouxe uma confiança enorme para os desenvolvedores chineses. Provou que jogos feitos na China têm potencial real no mercado global. Para nós, não foi uma pressão — foi uma motivação. O impacto foi totalmente positivo.
Interesse global desde os primeiros sinais
Game On - Segundo o relatório da Alinea Analytics, WUCHANG já superou 120 mil seguidores e ocupa o 49º lugar na wishlist da Steam, com projeção para alcançar o top 20. Como o time interpretou esse interesse inicial?
Xia Siyuan - Ver os números crescendo de forma consistente nos deu um encorajamento real. Perceber que nosso trabalho está sendo reconhecido pelos jogadores nos motiva muito nessa fase final de polimento do jogo.
Uma nova identidade cultural nos games: “Guo Dan”
Game On - Cerca de 60% do público engajado com WUCHANG também demonstrou interesse por Black Myth: Wukong. Como vocês estão aproveitando essa interseção?
Xia Siyuan - O sucesso de Black Myth mostrou que times chineses são capazes de criar jogos single player de nível mundial. Isso despertou no mercado uma expectativa por novos títulos de qualidade vindos da China. “Guo Dan”, que é como chamamos os jogos single player desenvolvidos aqui, está se tornando uma identidade cultural própria. Queremos expandir essa identidade incorporando elementos como a civilização Sanxingdui e as lendas da dinastia Ming, para compartilhar mais dessas riquezas culturais com o mundo.
Game Pass, Steam, Epic e consoles: o plano de alcance global
Game On - WUCHANG será lançado via Game Pass, Steam, Epic Games Store e consoles. Como essa estratégia se alinha à visão de vocês em relação ao alcance global?
Xia Siyuan - Queremos apoiar o maior número de plataformas possível. Por um lado, isso nos permite compartilhar nossa cultura e criatividade com jogadores de hábitos diversos. Por outro, recebemos feedbacks valiosos de públicos variados. Nosso objetivo sempre foi criar jogos que as pessoas realmente gostem — essa estratégia nos ajuda a crescer como estúdio.
Tradições da dinastia Ming ganham vida no gameplay
Game On - O jogo é profundamente enraizado no folclore chinês, com inspirações em textos como o Clássico das Montanhas e Mares. Quão importante é para WUCHANG carregar uma identidade cultural e contribuir com o soft power criativo da China?
Xia Siyuan - Elementos como os tesouros submersos de Jiangkou, os Quatro Filhos Leais, Sanxingdui, as ruínas de Jinsha, a vila Taoping Qiang, o templo Baoyun de Pingwu… tudo isso faz parte das nossas memórias de infância. Nos inspiramos na cultura tradicional, como a troca de máscaras da ópera de Sichuan, os fogos de artifício “flor de ferro” e as filosofias da dinastia Ming — confucionismo, budismo e taoismo. Até os avanços históricos em armas influenciaram o design de gameplay. Queremos que esses elementos reflitam autenticidade e permitam que os jogadores sintam essa atmosfera única.
Comparações com Soulslikes? Um ponto de partida, não o destino
Game On - Muitos já comparam WUCHANG com outros soulslikes ou até com Black Myth. Vocês abraçam essas comparações ou veem o jogo como algo à parte dentro do gênero?
Xia Siyuan - É natural que os jogadores façam comparações — isso faz parte da experiência. Nosso time é formado por fãs de vários gêneros também. Desde o início, WUCHANG (ou “Mingmo”, como chamamos internamente) foi pensado como a primeira fagulha do que queremos construir para o futuro. Queremos trilhar nosso próprio caminho na indústria.
Os maiores desafios: da Unreal Engine 4 à 5
Game On - Quais foram os maiores desafios técnicos ou narrativos no desenvolvimento de WUCHANG? A jornada de Black Myth ajudou de alguma forma?
Xia Siyuan - A maior dificuldade foi migrar da Unreal Engine 4 para a 5. Depois, veio a otimização entre UE5 e as plataformas de console — isso exigiu alterações profundas no motor, além de muito tempo e recursos. Por outro lado, o sucesso de Black Myth nos deu confiança para continuar e mostrou ao mercado que estamos no caminho certo.
E se WUCHANG for um sucesso?
Game On - Se WUCHANG alcançar sucesso comercial, qual será o impacto no cenário de desenvolvimento AAA na China? Vocês se veem como pioneiros?
Xia Siyuan - Vemos isso como um esforço coletivo — quanto mais gente contribui, mais forte a chama cresce. Queremos fazer a nossa parte e, quem sabe, facilitar o caminho para quem vier depois. Se isso resultar em jogos mais criativos e interessantes, todos ganhamos — como desenvolvedores e como jogadores.
Conclusão: um jogo que quer ser mais do que gameplay
Em meio ao hype crescente por soulslikes e títulos asiáticos com pegada cinematográfica, WUCHANG: Fallen Feathers surge como um forte candidato a representar a nova leva de jogos AAA chineses no palco mundial. Mas, mais do que gráficos bonitos e combates desafiadores, ele carrega o peso — e o orgulho — de ser um reflexo das raízes culturais de seu povo.
Se depender de Xia Siyuan e da equipe da Leenzee Games, o jogo não será apenas mais um entre tantos. Será uma porta de entrada para que o mundo veja a China não só como consumidora de games, mas como criadora de experiências ricas, profundas e, acima de tudo, autênticas.