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Mundial Feminino de Futebol

Fifa é criticada por escândalo sexual envolvendo jogadoras

Denúncias de abusos sexuais sofridos por atletas da seleção afegã têm recebido pouca atenção da entidade

5 jul 2019 - 17h08
(atualizado às 17h36)
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Enquanto celebra a Copa do Mundo feminina, Fifa dá pouca atenção a denúncias de abusos sexuais sofridos por atletas da seleção afegã. Para treinadora, federação varre o problema para baixo do tapete."Ouse brilhar" é o slogan oficial desta Copa do Mundo de Futebol Feminino.

Cartazes com esse lema estão pendurados em todos os lugares: nos centros das cidades e nos estádios franceses. A frase também aparece em transmissões feitas por emissoras de televisão, enviando a mensagem para todo o mundo.

Keramuddin Keram foi banido do futebol pela Fifa após as denúncias de abuso sexual contra jogadoras da seleção do Afeganistão
Keramuddin Keram foi banido do futebol pela Fifa após as denúncias de abuso sexual contra jogadoras da seleção do Afeganistão
Foto: Stuart Franklin / Fifa

Em uma propaganda, jogadores famosos explicam o que está por trás dessa frase. Pablo Aimar, ex-jogador da seleção argentina e atualmente auxiliar técnico, diz que a frase tem a ver com livrar-se da pressão e de preconceitos.

"Você tem a oportunidade de fazer algo extraordinário e especial", diz a ex-jogadora da seleção alemã, Celia Sasic. E a recordista brasileira Marta declara: "Isso deve lhe motivar a correr riscos na vida e a não ter medo de cometer erros."

Enquanto as melhores do mundo brigam pelo título, as jogadoras do Afeganistão lutam por algo muito mais importante do que um troféu: para serem ouvidas, por dignidade e pela própria identidade.

As esportistas se atreveram a dizer algo que não é tolerado por sua sociedade: que elas foram e são sexualmente assediadas e violadas, abusadas físico e psicologicamente por funcionários de sua própria associação de futebol.

"Elas abdicaram de suas vidas inteiras, de tudo aquilo por que lutavam, para jogar futebol pelo seu país e deixar as pessoas orgulhosas", afirma Kelly Lindsey, treinadora da seleção feminina do país, com lágrimas nos olhos e voz trêmula em coletiva de imprensa da AFDP Global, organização que promove a tolerância e o respeito no futebol.

"Embora as jovens tenham tido a coragem de falar a verdade, elas têm agora que se esconder. Elas já não podem mais mostrar seus rostos e são desrespeitadas. Suas famílias são ameaçadas", acrescentou Lindsey.

Menos de oito horas depois, a apenas 20 quilômetros do centro histórico de Lyon, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) deixou rolar no estádio da cidade a segunda semifinal da Copa do Mundo de Futebol Feminino. Espectadores bem-humorados de todo o mundo compravam freneticamente nas lojas oficiais da Fifa, celebravam as seleções da Holanda e da Suécia.

"Em fevereiro e março do ano passado, nós fomos a um campo de treinamento na Jordânia, e as jogadoras começaram a reclamar apenas de forma hesitante e depois com veemência, sobre dois funcionários que estavam na viagem", afirmou a treinadora da seleção afegã em entrevista à DW.

"Eles teriam assediado as jogadoras e entrado em seus quartos. E, ainda, forçado as esportistas a entrar em seus quartos. Todas as meninas se sentiram desconfortáveis. Circularam rumores de abuso sexual", afirmou a ex-jogadora dos EUA, que disse ter informado imediatamente à associação de futebol afegã (AFF). A reação? "Coisas assim acontecem mesmo", teria dito a associação.

Foi também difícil ser ouvida pela Fifa. Quando elas finalmente encontraram alguém disposto a lidar com a questão, pareceu uma partida de tênis com duração de oito meses, explicou Lindsey.

"Foi de um lado para o outro. Nós tentamos responsabilizar a Fifa. Eles queriam entregar o problema à ONU, de novo à Fifa e depois de novo à ONU", contou.

Lindsey não teve a sensação de que algo estava realmente sendo feito. Entretanto, as meninas ficavam cada vez mais desesperadas e continuavam sendo abusadas. A treinadora disse que, de alguma forma, era necessário garantir de alguma forma que elas estivessem seguras.

"Nós tínhamos que tentar tirá-las do país para que pudessem falar abertamente sobre o assunto." A sensação de não ter voz e de não ser ouvida é a pior coisa, contou a treinadora. "É assustador saber que ninguém está ouvindo você, que você tem que continuar como se nada tivesse acontecido."

Os negócios do futebol continuaram como se nada tivesse acontecido. Os meios de comunicação também seguiram celebrando jogadoras famosas que fazem uma campanha impressionante a favor da igualdade e contra a discriminação.

Todos os canais, jornais e sites falaram sobre a jogadora americana Megan Rapinoe, que, se vencer o título da Copa do Mundo, "não quer ir à maldita Casa Branca", como declarou a esportista de 33 anos. Já o tema abuso não se vende ao público com muita facilidade.

Um dia após o início da Copa do Mundo de Futebol Feminino, a Fifa publicou uma declaração em seu site, escondida nos menus de navegação, afirmando que a organização "considera o senhor Keramuudin Karim, ex-presidente da Federação Afegã de Futebol e ex-integrante da Fifa, culpado por usar sua posição para abusar sexualmente de várias jogadoras".

A Fifa aplicou uma suspensão vitalícia a Karim, e ele terá que pagar uma multa. Não é feita nenhuma referência aos outros funcionários que também teriam assediado as jogadoras.

"Os outros acusados são membros da associação afegã de futebol. O governo iniciou uma investigação, e o secretário-geral foi proibido de viajar", afirmou o príncipe Ali bin al-Hussein, da Jordânia, o fundador da AFDP Global, em entrevista à DW.

"Ao mesmo tempo, porém, o secretário-geral foi eleito representante da Federação Asiática de Futebol junto à Fifa. É bizarro que ele tenha sido aprovado na verificação de integridade da Fifa", completou al-Hussein.

"A Fifa simplesmente varre o problema para debaixo do tapete", disse a treinadora da seleção afegã, Lindsey. Para ela, a suspensão vitalícia de um único homem apenas aconteceu para mostrar ao mundo que fizemos alguma coisa, mas a Fifa precisa finalmente se engajar para provocar uma mudança sistemática.

"Os agressores devem ser responsabilizados, e as vítimas devem ser protegidas. [O que aconteceu até agora] não é suficiente", concluiu Lindsey.

Ela acusa o presidente da Fifa, Gianni Infantino, de omissão. "Ele é uma vergonha e perdeu sua integridade. E, para ser honesta, ele não é o meu presidente. Ele não defende suas próprias diretrizes da Fifa em matéria de direitos humanos. Ele não deveria mais ser presidente, principalmente depois de como a Fifa lidou com esse escândalo."

Infantino estará no estádio em Lyon neste domingo (07/07), quando as vencedoras da Copa do Mundo de Futebol Feminino serão celebradas. Ele dirá que as jogadoras tiveram a coragem de brilhar e entregará a taça para as esportistas sob chuva de confetes. Provavelmente, ele não dirá uma única palavra sobre as jogadoras nacionais afegãs que foram abusadas.

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