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Campeonato Espanhol

Biógrafo conta segredos da constância de Messi e duvida de queda

7 jan 2013 - 08h34
(atualizado às 10h09)
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A festa preparada pela Fifa para esta segunda-feira, em Zurique, poderá consagrar o meia Lionel Messi como o melhor jogador do mundo pelo quarto ano consecutivo. O argentino do Barcelona dificilmente irá se contentar em colocar ‘só’ mais uma Bola de Ouro no currículo caso supere outra vez Cristiano Ronaldo, do rival Real Madrid, e o companheiro Andrés Iniesta. Quem aposta que a "missão de vida" do astro tardará ainda mais para acabar é o seu biógrafo.

Nesta segunda-feira, Lionel Messi pode ser eleito o melhor jogador do mundo pela quarta vez 
Nesta segunda-feira, Lionel Messi pode ser eleito o melhor jogador do mundo pela quarta vez 
Foto: Getty Images

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Autor de "A Biografia de Lionel Messi", livro publicado na Espanha no final de 2011 e lançado no Brasil em dezembro, o argentino Leonardo Faccio foi procurado para desvendar os segredos da regularidade do ídolo do Barcelona às vésperas de mais uma premiação da Fifa. Segundo o escritor, a paixão pelo futebol, os relacionamentos amigáveis com o técnico Josep Guardiola e com o brasileiro Ronaldinho Gaúcho e até o hábito de dormir à tarde colaboraram para a formação do maior jogador dos últimos tempos.

Nesta entrevista, Faccio ainda evitou comparações entre Messi, Maradona e Pelé e destacou a gratidão do meia pelo tratamento diferenciado que recebe do Barcelona desde a pré-adolescência. Outros detalhes sobre o surgimento da estrela argentina estão nas 160 páginas da biografia escrita pelo antropólogo, jornalista e torcedor do Independiente, que tem 41 anos e viveu os últimos deles a dois quarteirões de distância do Camp Nou. A obra pertence ao selo Generale da Editora Évora e está disponível nas principais livrarias do País, com preço sugerido de R$ 34,90.

Messi está próximo de ser eleito o melhor jogador do mundo pelo quarto ano consecutivo. Qual é a explicação para tamanha constância? Até onde ele pode chegar?

Leonardo Faccio: Alguns atletas realmente alcançam o ápice e começam a decair. No entanto, o Messi parece ter uma vontade e uma ambição que já superaram o medianamente esperável. Vejo nele uma pessoa com uma missão de vida. Ele entregou sua vida ao futebol e, graças a isso, é o que é. Graças ao futebol, financiou seu tratamento médico para crescer e isso se converteu no eixo de sua vida. Quando falo de uma missão de vida, eu me refiro à atividade se transformar na maior fonte de alegrias ou de tristezas de um ser humano. Ganhar ou perder para o Messi proporciona a maior felicidade e a maior decepção. Ele é um dos poucos jogadores profissionais que ainda continuam chorando quando perde. O Messi vive cada derrota de uma maneira muito profunda, como um luto. Então, acredito que essa paixão por essa missão de vida é o que faz com que o Messi continue jogando por ele mesmo, e não tanto para o público. Ele realmente precisa disso para viver. Mais do que jogar para fazer os demais felizes, a felicidade começa por ele. As características desse padrão de conduta pouco habitual fazem com que seu teto de ambição não esteja fixado.

Ainda existe uma cobrança, no entanto, para ele ganhar uma Copa do Mundo.

Faccio: Seguramente, Messi vai estar muito pressionado em 2014. Mas se você analisar a sua carreira futebolística desde os cinco anos, quando entrou em uma quadra regulamentada pela primeira vez na vida, perceberá que ele sempre viveu com pressão. De diferentes níveis. Pudemos ver isso mais de perto nas Eliminatórias para a Copa de 2010, que foram muito difíceis para a Argentina. O time quase não se classificou. A cobrança que havia sobre o Messi era muito grande. Continuou assim depois do Mundial.

Como ele consegue lidar com isso?

Faccio: O Verón me disse que jamais viu o Messi nervoso. Eles são muito próximos e foram colegas de quarto no Mundial, já que o Maradona queria que o Messi estivesse protegido por um líder como o Verón. Até quando o time entrava no campo de jogo, o Messi não ficava tenso. Ele dormia sem problema algum na noite anterior. Isso é próprio também dos grandes jogadores. Fernando Signorini, que foi preparador físico do Maradona e da seleção argentina em 2010, me contou que o Maradona, por exemplo, também não se enervava antes de um jogo importante, mesmo sendo a final de uma Copa do Mundo. Acho que o Signorini soube condensar essa ideia de uma forma muito bonita: os grandes jogadores, incluindo Maradona, Pelé, Cruyff, Platini, Di Stéfano, jogam e vivem como querem, apesar de todas as pressões, enquanto o resto joga e vive como querem os demais. Messi entra na primeira categoria.

Então, um dos segredos do Messi é dormir bem, como fazia no Mundial passado?

Faccio: O Messi disse isso a mim: um de seus grandes interesses é a cesta. Antes de qualquer coisa, ele precisa de muitas horas de sono para recuperar a sua energia, como todos os atletas. Mas o Messi dorme também porque muitas vezes, à tarde, não encontrava nenhuma outra coisa que o motivasse e entusiasmasse para fazer fora o futebol. Não conheço ninguém que fica entediado dormindo. Mas há pouco tempo ele voltou a falar disso e disse que, tendo um filho, continua dormindo bem, mas um pouco menos.

Você citou a participação do Messi na última Copa do Mundo, quando ainda era criticado por não repetir suas atuações destacadas de Barcelona na seleção argentina. Nos últimos meses, porém, ele tem recebido elogios também quando defende o seu país.

Faccio:

Aconteceram duas coisas fundamentais para isso mudar. Antes de qualquer coisa, o Messi está mais experiente. Além disso, a torcida começou a compreender o tipo de liderança que ele propõe à seleção nacional. O Messi é um líder atípico dentro da tradição futebolística latino-americana, em que toda a pressão costuma ser depositada na figura de um grande jogador que leva a equipe inteira nas costas. O Messi propõe outro tipo de liderança, mais silenciosa, com uma distribuição de poder dentro do campo de jogo, o que é mais comum dentro da tradição do Barcelona, desde a década de 1970.

Quer dizer que a equipe da Argentina passou a se aproximar mais do futebol jogado pelo Barcelona?

Faccio: Começaram a dar confiança ao Messi pouco a pouco, sob o comando do Alejandro Sabella (técnico da Argentina), para que ele exerça esse tipo de liderança mais silenciosa e com uma distribuição de poder que não recaia apenas sobre ele. Afinal, temos outros grandes jogadores, como Di María, Mascherano e Higuaín. O Messi soube capitalizar essa escola barcelonista, que aprendeu desde pequeno, para aplicá-la dentro da seleção. Ele passou a ser ouvido. A partir daí, o público argentino também começou a ver e a entender o Messi de outra forma. É um processo que começou depois do traumático Mundial de 2010 pelas dificuldades que foram as Eliminatórias, um processo lento, de aprendizagem, até para o próprio Messi, que precisou reconstruir sua identidade, porque ele era um ilustre desconhecido para a maioria dos argentinos há muito pouco tempo.

Mesmo sem títulos pela seleção da Argentina, já são aceitáveis as recorrentes comparações entre Messi e Maradona e Pelé?

Faccio: Olha... É muito difícil comparar jogadores de gerações tão distantes. Seja Maradona com Pelé ou Messi com Maradona ou Messi com Pelé. Em comum, todos esses jogadores realmente transcenderam as fronteiras geográficas, do amor por uma camiseta, e o que o público recupera deles é sua forma de jogo. Não podemos esquecer que Pelé, Maradona e Messi são atletas que foram aplaudidos em estádios rivais. O Messi foi reverenciado no Mineirão, vestindo a camisa argentina. As pessoas que amam o futebol podem fazer comparações por uma questão de competição, mas essas são coisas eventuais, quase de papo de bar. O que importa mesmo é a beleza do jogo de todos, o que dão ao esporte. As comparações, apesar de inevitáveis, também são injustas, mesmo servindo para conversar de futebol e da vida.

A prova de que não existe muita rivalidade entre Argentina e Brasil quando se fala de Messi é um dos seus grandes amigos no início de carreira: Ronaldinho.

Faccio: Sim, eles são bons amigos. O Messi continua sempre reconhecendo que aprendeu muitas coisas com o Ronaldinho, dizendo que foi protegido por ele quando era menor. Seu primeiro gol pelo time profissional do Barcelona ocorreu com passe do Ronaldinho. Messi não se esquece disso. Quando ele começou a aparecer, comprou uma casa a apenas dois quarteirões da do Ronaldinho, em Castelldfels. Ou seja: eles não eram só amigos em Barcelona, mas também vizinhos.

A vida pessoal do Ronaldinho ficou muito exposta quando ele defendia o Barcelona e era o melhor do mundo. Por que o mesmo não se repete com Messi?

Faccio: É curioso. Diferentemente de outras estrelas do futebol, o Messi não se parece dentro e fora do gramado. Dentro de campo, ele é uma pessoa que se aventura à improvisação, ao risco, à criação. Fora, é reservado, conservador, busca a segurança da família, mostra-se muito apegado aos seus costumes e às tradições familiares. Ele conhece a sua mulher desde que tinha cinco anos. A maioria das estrelas do futebol, ao contrário, costuma se aventurar dentro e fora do campo, inclusive na forma de se expressar. O Maradona caminha com o peito inflado, o Cristiano Ronaldo demonstra soberba, o Ronaldinho sorri... Você pode reconhecê-los dentro e fora do campo. Já o Messi sempre foi muito tímido fora e dentro é imprevisível.

Em seu livro, você conta que o Messi não gosta nem sequer de assistir às partidas que disputou.

Faccio: Sim, ele tem pudor, uma certa vergonha. Prefere não ver futebol pela televisão. Não é um grande consumidor do esporte, mas um grande jogador.

Você diria que o Guardiola foi fundamental para desinibir o Messi ainda mais profissionalmente?

Faccio: O Guardiola foi o treinador que soube interpretar melhor do que ninguém, mais do que as palavras, os silêncios do Messi. Ele é um dos jogadores que menos falam, mas que mais se expressam com ações. Há uma anedota muito interessante, que revela a relação e o conhecimento entre os dois. Em um jogo contra o Sevilla, Guardiola decidiu não escalar Messi porque tinha medo de lesão e precisava do jogador inteiro para a Champions. No dia seguinte, Messi não foi treinar. Pensaram que ele estava doente, resfriado. Não sabiam o que tinha acontecido. Depois, souberam que ele não se apresentou porque estava ofendido por não ter entrado em campo. Neste momento, Guardiola entendeu o silêncio de Messi, que era importante cuidar de seu estado físico, mas mais ainda de seu ânimo. Quando não o colocam em uma partida, ele se apaga, não se sente bem, não fica à vontade.

O que mudou a partir desse episódio?

Faccio: Guardiola passou a colocar o Messi em todos os jogos, desde uma partida contra o Albacete até uma da Champions. Isso ainda abriu o campo de possibilidades de utilização do Messi em campo. Como Eto’o e Ibrahimovic eram poupados, o Messi começou a exercer outro papel no Barcelona, atuando muito mais avançado do que antes. As palavras do Guardiola foram: "A partir de agora, você vai correr menos e jogar mais". O técnico soube interpretar as necessidades e os silêncios do Messi. Foi fundamental na explosão dele como goleador. O próprio Messi admite isso quando tem a chance.

Para colaborar com a sua regularidade, o Messi tem se machucado muito pouco nos últimos anos.

Faccio: Até 2008, o Messi se lesionava muito no Barcelona. Ele sofreu lesões que o afastaram por quase três meses, porque é um jogador que se expõe muito e se arrisca demais a cada jogada. Isso faz com sua vida útil corra perigo. Mas, a partir de 2009, Guardiola e toda a comissão técnica do Barcelona descobriram a fórmula para que ele não se lesionasse. Faz muito tempo que ele não sofre uma contusão significativa. A distribuição do jogo dentro do campo e toda a assistência técnica que ele tem fora foram fundamentais para isso.

Qual foi a fórmula descoberta por Guardiola e sua comissão técnica?

Faccio: Há um fisioterapeuta que acompanha o Messi em todos os lados, inclusive quando joga com a seleção argentina. Existe também uma alimentação especial para ele, além de um programa de treinamento diferente. A partir 2008/2009, no começo da era Guardiola, o Messi deixou de se lesionar. Se o Barcelona continuar aplicando essa mesma fórmula, os anos de vida útil dele dentro do campo serão muito extensos.

Muito antes disso, o Barcelona já havia sido determinante para a saúde do Messi ao ajudá-lo a corrigir um problema hormonal que retardava o seu desenvolvimento ósseo.

Faccio: Não nos esqueçamos que esse problema de saúde fez com que o Messi amadurecesse muito rapidamente. Ele precisou assumir responsabilidades de adulto ainda sendo uma criança. Messi veio a Barcelona porque não encontrou nenhum clube da Argentina que pudesse financiar o tratamento médico de que ele precisava para crescer. Ele sofria de déficit de hormônio de crescimento. Ainda que seja uma doença muito controlada, conhecida e com um medicamento bem comum, esse remédio é bastante caro. O custo mensal era de quase US$ 1.000, coisa que o pai de uma família de classe operária não pode pagar. Ao vir para o Barcelona e começar a lutar para ganhar um lugar nas categorias de base do clube, o Messi não estava apenas batalhando para ser um jogador de futebol, mas também para poder pagar a sua medicação e crescer. Se ele não tivesse conseguido os remédios, hoje seria um adulto de 1,50m. Ele poderia jogar futebol, mas seguramente não de modo profissional. Era definitiva a necessidade de pagar esse tratamento.

Com essa trajetória, é difícil imaginar o Messi fora do Barcelona.

Faccio: O próprio Messi não se vê em outro clube. Ele continua insistindo que quer terminar sua carreira na Europa, apesar do desejo de jogar na Argentina no final. Ele não disse apenas que não gostaria de sair do Barcelona, mas também que é eternamente agradecido ao clube que o apoiou em seus primeiros passos, quando era um pré-adolescente e teve o seu tratamento médico financiado. Sua paixão está inteiramente colocada no futebol e, em termos profissionais, é voltada ao Barcelona, onde ele pode se desenvolver plenamente. Ele conserva a picardia e habilidade da várzea argentina, mas ao mesmo tempo incorporou os conhecimentos da academia catalã, que começa na década de 1970, com o Cruyff. Messi é muito grato por pertencer a essa tradição.

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