Propriedade intelectual no Brasil não é tão ruim quanto EUA pensam, diz associação
EUA apontam demora na concessão de patentes e suposta tolerância com pirataria; para advogado Gabriel Leonardos, situação do Brasil não é grave nem deliberada
RIO - Em reação à maré das acusações trumpistas sobre as práticas comerciais do Brasil, a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) está em Washington para defender que o País respeita os direitos de propriedade intelectual.
Nesta quarta-feira, 3, o presidente da associação, o advogado Gabriel Leonardos, será ouvido em audiência pública do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), que coordena a política de comércio internacional dos EUA.
O órgão abriu uma investigação sobre temas como restrições comerciais e financeiras que o Brasil supostamente praticaria, incluindo as remessas de royalties aos EUA.
Junto ao USTR, Leonardos vai destacar os avanços do Brasil no combate à pirataria — com atuação integrada das autoridades de segurança e aduana — e ressaltará o progresso na redução na demora do exame de patentes pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
O advogado falou com exclusividade ao Estadão/Broadcast sobre as expectativas para o compromisso com a autoridade norte-americana.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Qual tipo de audiência acontecerá hoje?
Haverá uma série de audiências relativas ao processo da Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, instrumento de política comercial norte-americana que permite investigar atos, políticas ou práticas de governos estrangeiros considerados injustos, discriminatórios ou que restrinjam o comércio dos EUA. Há seis itens relativos ao Brasil em pauta — incluindo serviços de pagamento eletrônico, acesso ao mercado de etanol e desmatamento, mas vamos abordar apenas propriedade intelectual.
O que o governo americano alegou sobre os direitos de propriedade intelectual no Brasil?
Eles apontaram a demora na concessão de patentes e uma alegada tolerância com a pirataria de propriedade intelectual. Discordamos frontalmente. Não que o Brasil seja perfeito. Pode melhorar. Mas a situação não é grave nem deliberada. Não há uma política de governo para prejudicar os americanos. Há dificuldades inerentes a um país em desenvolvimento.
O que os senhores dirão na audiência?
Não vamos dizer que é tudo maravilhoso, mas não é tão ruim quanto pensam. É razoável para nível de desenvolvimento do Brasil. Podemos melhorar, mas não precisa brigar com a gente.
O que acontece se a investigação concluir que o Brasil cometeu práticas inadequadas?
O governo dos EUA pode adotar novas medidas, como tarifas adicionais ou restrições comerciais.
Qual é a expectativa em relação aos resultados do processo?
O processo pode durar uma semana, ou talvez seis meses. Depende do aspecto político. Eu não ficaria surpreso se houver uma definição, mas também podem manter o processo em aberto enquanto acontecem outras negociações.
A investigação está relacionada ao tarifaço de Donald Trump?
Não, não tem relação, mas a investigação pode levar a mais aumentos na tarifa sobre as exportações brasileiras aos EUA.
O governo brasileiro se envolveu neste caso?
No site do USTR há contribuições do governo. Imagino que haverá um representante da embaixada nas audiências.
Como são as relações entre EUA e Brasil no campo da propriedade intelectual?
Em 1989, o Brasil entrou na "watchlist" dos EUA porque não concedia patentes farmacêuticas. Mas a partir de 1996, o Brasil passou a conceder essas patentes, mas continuou na "watchlist". Nunca houve um esforço mais forte, de parte a parte, para mudar essa classificação. Ao mesmo tempo, vários países que estavam na lista conseguiram sair.
Como o Brasil pode melhorar nos aspectos apontados pelos EUA?
Em relação à demora na concessão de patentes, a ABPI insiste que o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) fique com uma fatia maior do que arrecada. Nos próximos 12 meses, deverá ter receita entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões, mas o governo só deixa gastar R$ 250 milhões. Se desse mais R$ 100 milhões, já haveria melhoria na tecnologia e pessoal. É um problema institucional brasileiro. O atraso prejudica inovadores dos outros países e também do Brasil.
E a pirataria?
Desde a CPI da Pirataria, em 2003, o Brasil avançou muito no combate à pirataria. As autoridades realizam operações com diversos órgãos. A sonegação prejudica os negócios legítimos e o caixa do governo. Hoje já está muito melhor. Há uma preocupação sincera das autoridades em reprimir.