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Mesmo com auxílio emergencial, 1 em cada 4 brasileiros viveu abaixo da linha de pobreza em 2020

Ainda assim, o benefício evitou um agravamento da miséria no País; os 21 milhões de brasileiros mais pobres sobreviveram com R$ 128 mensais por pessoa da família, ou R$ 4,27 por dia, o maior valor já registrado na série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012

3 dez 2021 - 10h11
(atualizado às 18h19)
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RIO - Apesar da injeção bilionária de recursos extraordinários por meio do auxílio emergencial, praticamente um em cada quatro brasileiros ainda viveu abaixo da linha de pobreza no ano passado. O auxílio emergencial evitou, temporariamente, o agravamento da pobreza no País em 2020, em meio ao choque da covid-19, mas parece ter apenas anestesiado o problema. Com o vaivém do benefício do ano passado para este, a miséria espreita os brasileiros mais vulneráveis.

Sem os programas sociais, os 10% mais pobres da população teriam sobrevivido o ano passado com apenas R$ 13,00 por mês, ou R$ 0,43 por pessoa a cada dia. A conta - excluindo da composição do rendimento familiar os valores recebidos com o auxílio emergencial e com benefícios estaduais e municipais complementares - divulgada nesta sexta-feira, 3, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é hipotética, mas descreve as agruras de brasileiros que perderam a pouca renda que conseguiam levantar.

Com a economia estagnada desde o segundo trimestre, os dados mostram também a necessidade de continuidade das políticas de transferência de renda, enquanto o governo federal e o Congresso Nacional discutem a criação do Auxílio Brasil - para substituir o Bolsa Família - e a mudança nas regras fiscais para abrir espaço no Orçamento para ampliar os gastos em 2022.

Embora estude a desigualdade de renda no Brasil há anos, Marcelo Medeiros, professor visitante da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, se disse "chocado" com os cálculos do IBGE, que mostram que as "coisas são piores do que se podia imaginar". "É preciso tomar medidas ativas pra reverter esse problema. Não basta ficar sentado esperando a economia se recuperar", disse Medeiros, ressaltando que a economia não só está estagnada, como os movimentos de retomada econômica demoram a chegar aos mais pobres.

Com os benefícios governamentais, esse grupo de 21 milhões de brasileiros mais pobres sobreviveu em 2020 com R$ 128 mensais por pessoa da família, ou R$ 4,27 por dia, o maior valor já registrado na série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), iniciada em 2012. Embora ainda insuficiente para uma vida sem restrições básicas, o montante representa uma alta de 14,9% ante os R$ 111 mensais recebidos em 2019.

"Sem os benefícios, haveria uma queda de 8,4% no rendimento domiciliar, mas ela seria muito maior nos décimos inferiores da distribuição de renda", afirmou João Hallak, gerente da Síntese dos Indicadores Sociais, do IBGE.

A injeção bilionária de recursos extraordinários fez o número de brasileiros abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial cair, em 2020, ao menor nível desde 2014. Ainda assim, praticamente um em cada quatro brasileiros (24,1% da população) viveu abaixo dessa linha no ano passado. São quase 51 milhões de pessoas vivendo com menos de R$ 450 por mês por pessoa. Não fossem os programas de transferências de renda, o contingente chegaria a quase um terço da população (32,1% do total). Em 2019, a proporção era de 25,9%.

Auxílio emergencial; com os benefícios governamentais, esse grupo de 21 milhões de brasileiros mais pobres sobreviveu em 2020 com R$ 128 mensais por pessoa da família, ou R$ 4,27 por dia
Auxílio emergencial; com os benefícios governamentais, esse grupo de 21 milhões de brasileiros mais pobres sobreviveu em 2020 com R$ 128 mensais por pessoa da família, ou R$ 4,27 por dia
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil / Estadão

Dentro desse grupo, mesmo com o pagamento do auxílio emergencial, 12,046 milhões de brasileiros, o equivalente a 5,7% da população, viveram abaixo da linha de miséria (rendimento médio mensal de R$ 155 por pessoa, no critério do Banco Mundial) no ano passado, o menor nível desde 2015. Sem os programas sociais, esse contingente seria mais do que o dobro: 27,313 milhões, ou 12,9% dos habitantes do País, ante 6,8% em 2019.

Na visão do professor Gilberto Tadeu Lima, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP, ao longo da história, a economia brasileira se tornou uma "máquina" de geração de desigualdades. Com a pandemia, que atinge mais fortemente os trabalhadores menos qualificados, com menores salários e que raramente podem trabalhar de casa, essa máquina encontrou "um terreno fértil". "Infelizmente, como está acontecendo agora com o novo auxílio em gestação, fundamental como remédio de curto prazo, a situação pouco suscita uma reflexão mais ampla a cerca da natureza e operação da nossa máquina de geração de desigualdades", afirmou Lima.

Estadão
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