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Leilão da ANP inclui blocos de petróleo próximos a Fernando de Noronha e Atol das Rocas

Região de biodiversidade única, a área de preservação integral também é fundamental para manter a subsistência de todas as atividades de pesca e turismo; leilão está marcado para 7 de outubro

1 out 2021 - 08h00
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BRASÍLIA - O próximo leilão de exploração marítima de petróleo, marcado para o dia 7 de outubro, inclui, entre as suas 92 ofertas, alguns blocos com impacto direto e sobreposição a algumas das regiões mais sensíveis e importantes do ecossistema de recifes do Brasil. Trata-se da chamada "Cadeia de Fernando de Noronha", região que envolve a sequência de montes submarinos que se conectam no litoral e que formam o arquipélago de Fernando Noronha e a reserva biológica Atol das Rocas.

Região de biodiversidade única, com reconhecimento internacional devido à riqueza de seu ecossistema, a área de preservação integral também é fundamental para manter a subsistência de todas as atividades de pesca e turismo. O arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas foram reconhecidos em 2001 como Patrimônio Natural Mundial pela Organização das Nações Unidaspara a Educação, a Ciência e Cultura.

O Estadão teve acesso a um estudo técnico realizado por pesquisadores e professores do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Os especialistas, que estudam há anos toda a região, se debruçaram sobre os dados técnicos dos blocos que serão oferecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

O levantamento revela que, entre os 92 blocos que a ANP vai ofertar para exploração de grandes petroleiras, estão aqueles da chamada "Bacia Sedimentar Potiguar", uma área que tem blocos com impacto direto em três bancos submarinos da cadeia de Fernando de Noronha. São os chamados bancos Guará, Sirius e Touros. Os estudos revelam que dois desses blocos atingem diretamente cerca de 50% da área da base do monte Sirius e 65% de seu topo.

Do fundo do mar, o Sirius avança sentido à superfície e chega a ficar a apenas 54 metros abaixo do nível do mar. Trata-se, portanto, de uma área extremamente rasa. O mesmo impacto direto foi identificado sobre os bancos Guará e Touros.

Localizado na região oeste da cadeia de Noronha, o Sirius é o banco mais importante para manter a ligação dos ecossistemas oceânicos da região Nordeste. Entre ele e o arquipélago de Noronha está localizado o Atol das Rocas. Dada a sua importância ecológica, o Atol se tornou, ainda em 1979, a primeira unidade de conservação marinha do Brasil.

Hoje, o Atol das Rocas é classificado como uma reserva biológica, com os mesmos critérios de conservação adotados em reservas como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (1983) e o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha em (1988), que no ano seguinte teve as áreas do arquipélago e de seu entorno decretadas como Área de Proteção Ambiental.

"As pessoas conhecem o arquipélago de Noronha e o Atol, mas esses bancos que fazem parte desse ecossistema, e que são pouco conhecidos, têm a mesma relevância e riquezas e são vitais para que tudo seja preservado, todo o conjunto, porque estão conectados", diz o professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (Docean/UFPE), Mauro Maida, um dos pesquisadores que assinam o estudo. O documento técnico também foi elaborado pelos professores Moacyr Araújo (Docean/UFPE), Beatrice Padovani Ferreira (Docean/UFPE) e Julia Araujo (IO-USP).

A ANP nega irregularidades na oferta dos blocos. Questionada sobre o assunto pela reportagem, a agência declarou que "não foram identificadas pelos ministérios envolvidos (Meio Ambiente e Minas e Energia) restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar".

Na avaliação dos especialistas, as arrecadações financeiras que costumam ocorrer com a oferta desses blocos perfazem algumas dezenas de milhões de reais, um custo que não justifica o risco de prejuízo inestimável que processos de exploração e acidentes possam impor à região. "As arrecadações costumam ser irrisórias para o setor se comparadas ao grande risco que essas explorações representam. Na contramão do mundo, estão querendo leiloar blocos em cima de áreas recifais. Com todas as alternativas de matriz enérgica que temos, não faz o menor sentido colocar em risco algo tão importante para o Brasil e o planeta", comenta Mauro Maida.

Os montes oceânicos são formações geológicas que costumam ser resultado de atividades vulcânicas que acontecem no leito oceânico. Normalmente, esses montes surgem em áreas de limites das placas da crosta e suas "fraturas". Dessas estruturas, os montes emergem de profundidades entre 1 mil e 5 mil metros, chegando até poucas dezenas de metros do nível do mar e, por vezes aflorando na superfície marinha, formando ilhas e bancos oceânicos. É o que ocorre com o arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas, as únicas áreas dessa mesma formação que se sobressaem da água.

Os pesquisadores afirmam que a melhor alternativa para preservar a região seria retirar ao menos esses blocos das ofertas do leilão, devido aos impactos ambientais já sabidos que atividades rotineiras de exploração de óleo e gás podem causar durante cada uma de fases de exploração, produção, transporte e desmonte das plataformas.

Na fase de exploração, por exemplo, os principais impactos estão associados à prospecção sísmica e ao processo de instalação da plataforma no fundo do mar. Durante a perfuração, pode haver dispersão de contaminantes oriundos de fluidos de perfuração. Já na fase de produção, problemas com derrames de petróleo causados pela liberação acidental ou explosão do poço, por exemplo, têm sido responsáveis por grandes impactos ambientais.

Fabio Feldmann, advogado, ambientalista e ex-deputado federal, responsável pelo capítulo de meio ambiente incluído na Constituição Federal, critica a exploração na região. "Explorar petróleo em áreas de singular biodiversidade aumenta a vulnerabilidade do país e da Petrobras diante do mundo e dos potenciais investidores. Certamente é a visão de um Brasil do século 20", comenta.

Para a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, o "Brasil continua a ver o mundo pelo espelho do retrovisor, ao ignorar a crise climática e insistir na ampliação da exploração de petróleo em novas fronteiras e em regiões com alta sensibilidade ambiental", como a de Fernando de Noronha. "Áreas leiloadas hoje somente serão exploradas daqui a vários anos, em um mundo que caminha para a transição energética e para a redução da dependência dos fósseis. Ao que parece, a estratégia deste governo é a do tiro no pé. O problema é que todos saímos perdendo nesse jogo."

Na avaliação de Ilan Zugman, diretor da 350.org, a exploração de petróleo acaba concentrando lucros nas mãos de poucas empresas e compartilhando os riscos com toda a população, especialmente as comunidades mais vulneráveis. "Já vimos, no caso do vazamento de óleo na costa do Nordeste, em 2019, como as famílias que dependem da pesca e do turismo ficam completamente desprotegidas quando há um acidente, enquanto os responsáveis muitas vezes nem são encontrados", afirma.

Além de destacar o risco significativo de prejudicar milhares de pessoas que vivem da pesca e do turismo nessas regiões, Zugman destaca a necessária busca por outras fontes de energia. "Enquanto as principais potências do mundo anunciam compromissos cada vez mais ambiciosos de redução das emissões, o Brasil insiste em expandir um setor econômico do passado e em aprofundar a sua imagem de inimigo do clima, que já prejudica os brasileiros em várias esferas."

Estadão
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