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Fundos ligados a secretário de Paulo Guedes ganham licitação no BNDES

Empresas são ligadas a Caio Paes de Andrade, secretário de Desburocratização da Economia, e foram selecionadas para receber parte de R$ 4 bilhões em uma licitação do banco público; Paes de Andrade nega envolvimento

26 out 2021 - 07h59
(atualizado às 12h10)
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BRASÍLIA — Dois fundos de investimento ligados ao secretário Especial de Desburocratização do Ministério da Economia, Caio Paes de Andrade, foram habilitados em uma licitação de R$ 4 bilhões promovida pelo BNDES, banco público subordinado à sua própria pasta. Um dos fundos é administrado pela mulher do secretário, a empresária Margot Greenman. O outro era controlado por uma empresa que tinha Paes de Andrade em seu conselho de administração, mas, apesar de selecionada, não chegou a concluir o acordo com o banco público.

Em maio do ano passado, o BNDES abriu licitação com o objetivo de repassar R$ 4 bilhões a fundos de investimento, que então emprestariam o dinheiro para micro e pequenas empresas. A ação se deu por meio da BNDESPar, uma subsidiária do banco público. O estímulo era parte de um pacote de apoio para empreendedores, no começo da pandemia de covid-19 — na mesma época, o governo criou o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o Programa Capital de Giro, entre outros. Aplicar os R$ 4 bilhões por meio dos fundos de investimento foi uma estratégia para fazer o recurso chegar mais rapidamente ao mercado.

Dos 12 fundos pré-selecionados na licitação, entre maio do ano passado e agosto deste ano, dois têm ligação com Paes de Andrade, que diz não ter influenciado na seleção. Um deles era o BSA FIC FIDC, gerido por uma empresa que tinha em seu quadro societário a Finvest Finanças e Investimentos S.A. Paes de Andrade integrou o conselho de administração da Finvest até o dia 5 de novembro de 2020. Ou seja: ele integrava a gestão da empresa enquanto a licitação ocorria.

O secretário Especial de Desburocratização Caio Paes de Andrade substituiu o economista Paulo Uebel no Ministério da Economia em agosto de 2020
O secretário Especial de Desburocratização Caio Paes de Andrade substituiu o economista Paulo Uebel no Ministério da Economia em agosto de 2020
Foto: Marcelo Casall Jr./Agência Brasil / Estadão

O outro fundo ganhador da licitação e que tem relação com o secretário da Economia é o Libra Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios. Este é gerido pela empresa Captalys Gestão LTDA, da qual é sócia a empresária Margot Alyse Greenman, mulher de Paes de Andrade. O próprio secretário também já foi sócio da Captalys, por meio de uma empresa chamada BR Ventures.

Paes de Andrade desembarcou em Brasília ainda no começo do governo de Jair Bolsonaro, em fevereiro de 2019, para atuar como diretor-presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a empresa pública federal de serviços de tecnologia.

A ida para o Ministério da Economia se deu em agosto de 2020. Ele substituiu o economista Paulo Uebel, que deixou a pasta comandada por Paulo Guedes descontente com a falta de progresso da reforma administrativa no Congresso — a proposta não foi votada até hoje. Quando Paes de Andrade chegou à pasta da Economia, portanto, a fase de pré-seleção da licitação já estava chegando ao fim, mas o processo continuou enquanto ele estava no cargo.

O objetivo do BNDES é aplicar até R$ 500 milhões em dez fundos — os doze pré-selecionados foram escrutinados pelo banco público até o dia 1.º de agosto de de 2021, e dois deverão ser excluídos. Desde o início do processo, o BNDESPar recebeu 73 propostas. Quatro fundos já foram contratados pelo banco público, entre eles o da Captalys, de Margot Greenman.

Falando em tese, a advogada e professora Vera Chemim explicou que a situação pode configurar conflito de interesse, caso se comprove a existência de irregularidade. Sem saber que o caso se referia ao secretário do Ministério da Economia, Chemim disse que a situação poderia ser enquadrada no Art. 337-F do Código Penal — que é a frustração ao caráter competitivo da licitação. "A nova Lei de Licitações (de abril de 2021) remete ao Código Penal. E este é o crime que se aplica se houver fraude para prejudicar os demais licitantes. A pena é de 4 a 8 anos de prisão, mais multa", disse ela, que é mestre em direito público administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Trata-se de um crime comum, relacionado à função pública da pessoa. Pode haver sanções tanto para o agente público quanto para a empresa envolvida", disse Vera Chemim. "Se a prática da fraude for comprovada, há outras sanções possíveis, como a perda da função pública (do servidor) e a inabilitação da empresa", diz ela. A princípio, diz ela, não há vedação para que um secretário de Estado participe do conselho de administração de uma empresa.

Também falando em tese, sem conhecer os detalhes, o advogado especialista em licitações Wesley Bento diz que a Lei das Estatais não traz uma vedação para casos como este -- se o regramento interno do BNDES e o edital da licitação permitir, seria possível a participação dos fundos no certame. "Se não houver nenhuma outra ilegalidade, nenhuma tentativa de favorecer as empresas ou de manipular o edital, então, a princípio, não seria proibida a participação das empresas", diz ele, que é sócio do escritório Bento Muniz e atua em Brasília.

Defesa

A reportagem do Estadão procurou o Ministério da Economia nesta segunda-feira, 25, mas ainda não houve resposta até a publicação. À reportagem, Caio Paes de Andrade disse desconhecer a participação das empresas na licitação do BNDES e afirmou que, apesar de atuar na pasta, não tem qualquer contato com o banco público em seu dia a dia. O secretário também disse que a Finvest era apenas "acionista capitalista" da gestora do fundo, sem participação na gestão. A participação no capital era de 17,49% do total, e em fevereiro de 2021, a Finvest deixou a sociedade.

Apesar de o fundo integrado pela gestora que tinha a Finvest como sócia ter sido selecionada, a empresa desistiu de participar da licitação em outubro de 2020, disse ele.

Procurado pela reportagem, o BNDES disse que o fundo gerido pela Captalys, da mulher de Caio Paes de Andrade, "passou pelo processo de diligência gerencial e jurídica e foi contratado pelo BNDES em 2021", e que não foram constatados problemas. "Durante esse processo, à luz dos normativos internos do BNDES e da legislação vigente, não foram observados impedimentos à contratação", disse o banco público, em nota.

"Todo o processo de seleção foi realizado por instâncias técnicas do BNDES, incluindo colegiados e respeitando, entre outros, os princípios da isonomia, publicidade e impessoalidade", diz o texto enviado pelo banco.

Estadão
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