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Caminhoneiros não cedem, e paralisação continua pelo País

Movimento pulverizado dificulta acordo entre grevistas e governo.

29 mai 2018 - 14h36
(atualizado às 16h23)
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Há mais de uma semana com o caminhão encostado, Orlando tem passado as manhãs na cozinha improvisada pelos caminhoneiros. No espaço coberto com uma tenda entre os veículos agrupados próximo à rodovia BR 116, os motoristas preparam refeições, compartilham mensagens no celular, discutem os rumos da paralisação, que entra no nono dia nesta terça-feira (29/05).

"Nós queremos redução do preço do combustível na bomba e não pagar pelo eixo vazio no pedágio", resume o caminhoneiro Orlando o motivo que o mantém ali. Os outros dez irmãos dele, todos caminhoneiros, estão paralisados em diferentes regiões do País, nos estados de Pernambuco, Paraná e São Paulo.

"Os canais de televisão dizem que a greve acabou. Mas nós estamos aqui, parados", afirma o caminhoneiro Juarez. "É isto que nós queremos", diz ele, mostrando um vídeo no celular. A mensagem é de um homem que está em Brasília e segura um papel com algumas anotações. São os valores atuais dos combustíveis e o preço final exigido pelos caminhoneiros - uma redução média de 30%.

O vídeo pede que o diesel S10 passe dos atuais R$ 4,10 para R$ 2,80; a gasolina caia de R$ 4,59 para R$ 3,14; o etanol, de R$ 3,20 para R$ 2,18; e o gás de cozinha caia de R$ 70 para R$ 49.

Os caminhoneiros presentes - e do grupo de conversa do aplicativo no telefone - aprovam a proposta. Mas ninguém sabe dizer exatamente quem é aquele homem do vídeo.

Alguns que encostaram o caminhão naquele trecho da BR-116, no Vale do Paraíba, interior paulista, querem ir para casa. Mas dizem ter medo de uma retaliação ao longo do trajeto. Eles são motoristas contratados por empresas, ou transportadoras, e ganham um salário fixo mensal.

Desacordo e tentativa de acordo

Com uma liderança pulverizada, o movimento provoca no governo afirmações desencontradas. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que o acordo celebrado nesta segunda-feira entre governo e caminhoneiros suspenderia a paralisação, o que ainda não aconteceu. Já o presidente Michel Temer afirmou que a crise será logo superada "se Deus quiser".

O acordo citado por Padilha reduz o valor do óleo diesel em R$ 0,46 pelos próximos 60 dias, diz que a Petrobras reajustará seus preços mensalmente e não diariamente, dá isenção de eixo suspenso dos caminhões, garante aos motoristas autônomos pelo menos 30% dos fretes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e cria uma tabela mínima de frete.

O anúncio, porém, não convenceu os caminhoneiros que ocupam as estradas. "Pode ser que isso seja bom para algumas empresas. Para nós, autônomos, não está bom", diz Juarez.

Segundo a Confederação Nacional de Transporte (CNT), 54% da frota de caminhões pertencem às transportadoras, os autônomos detêm 46%.

"A gente vai ficar aqui até os irmãos caminhoneiros do Brasil estarem de acordo. Por enquanto, isso não aconteceu", ressalta Juarez.

Por meio de nota, a Confederarão Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) afirmou que "entende que as propostas do governo ainda estão em desacordo com as reivindicações" das bases que optam pela continuidade do movimento.

No entanto, pediu que todos os caminhoneiros "avaliem com cuidado suas decisões sobre a continuidade ou não da paralisação, sob pena de perderem essas conquistas históricas da categoria".

Reajustes e imprecisões

"É um movimento descentralizado, e o governo não consegue identificar corretamente quem são os interlocutores do processo", avalia Orlando Fonte Lima Junior, coordenador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes da Unicamp. "Em situações do tipo não se pode fechar acordo com um dos atores e achar que os outros irão se alinhar", adiciona.

Enquanto a paralisação repercutia em todo o País, deixando as bombas dos postos secas, o preço dos combustíveis continuou subindo. "É a política da Petrobras, que segue a variação internacional", diz Lima Junior.

Os caminhoneiros paralisados acreditam que a queda de R$ 0,46 no litro do diesel não terá efeito prático. Além disso, a política de liberdade de preço não garante que um desconto dado nas refinarias será repassado pelo dono do posto. "Em tempos de desabastecimento, será difícil ver algum desconto nas bombas", opina Lima Junior.

Segundo os caminhoneiros, o custo com diesel consome 70% do que faturam com o frete. "Quando um pneu arrebenta ou temos que fazer uma manutenção, não sobra nada", exemplifica Orlando.

Caminhoneiros parados às margens da rodovia BR-116, em São Paulo
Caminhoneiros parados às margens da rodovia BR-116, em São Paulo
Foto: DW / Deutsche Welle

Correria e tanques escoltados

Enquanto prepara o almoço, o grupo na BR-116 assiste à passagem de caminhões-tanque escoltados pela Polícia Militar e pelo Exército. Em várias cidades do País, alguns postos passaram a receber combustível nessa segunda-feira, o que tem provocado corre-corre. Carros, motos e pedestres com garrafas e galões de todos os tipos formam longas filas.

"A população apoia o nosso movimento, mas corre para os postos para pagar por uma gasolina cara. Não dá para entender", diz um dos caminhoneiros.

O efeito do protesto dos caminhoneiros ainda se sente em todo o País: frotas do transporte coletivo estão reduzidas, escolas e universidades suspenderam as aulas, supermercados desabastecidos podem compreensão aos consumidores pela falta de produtos, aviões permaneceram no solo por falta de querosene.

"Remédios e tanques para abastecer ambulâncias e viaturas a gente deixa passar", afirma um dos caminhoneiros que, segundos depois, sai correndo para conversar com um outro motorista de um caminhão pequeno que tenta fazer entregas de perecíveis em Jacareí, interior de São Paulo.

Edson, que comprou seu primeiro caminhão em 1976, está preocupado em como vai pagar as oito parcelas restantes do veículo que financiou em 36 vezes de R$ 1.800. "Estou pagando as parcelas sempre com atraso", diz.

Pai de três filhos, todos caminhoneiros, ele e a esposa cozinham para todos no acampamento improvisado. "Cresci vendo o meu pai trabalhar, quis seguir a profissão dele", diz Rogério, filho mais velho de Edson.

"Aqui, entre os caminhoneiros, todos se respeitam. Não somos bandidos, somos trabalhadores", diz Edson. "Lá fora a gente se sente pisado. Agora o Brasil todo vê que precisa da gente."

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