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‘O Último Concerto para Vivaldi’ reflete sobre amor e morte

Peça de Dan Rosseto mostra cumplicidade entre dois homens desafiada por doença e o desejo de abreviar o sofrimento

27 mai 2021 - 13h57
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O espetáculo ‘O Último Concerto para Vivaldi’, escrito e dirigido por Dan Rosseto, marca a retomada das atividades presenciais no Centro Cultural da Diversidade (CCD), no Itaim, zona sul de São Paulo. Respeitando os protocolos sanitários contra a covid-19, o espaço receberá 35 espectadores a cada sessão. Fica em cartaz até o dia 5 de junho.

Bruno Perillo (Anton), Adilah (Amazyles de Almeida) e Ben (Michel Waisman): o amor e a morte caminham juntos no espetáculo
Bruno Perillo (Anton), Adilah (Amazyles de Almeida) e Ben (Michel Waisman): o amor e a morte caminham juntos no espetáculo
Foto: Cléber Côrrea/Divulgação

A peça conclui um ciclo de obras a respeito da morte. Tema inescapável ontem, hoje e sempre – e, mesmo assim, tão pouco discutido. O matemático Anton (Bruno Perillo) e o violinista Ben (Michel Waisman), que ensaia para um concerto de ‘As Quatro Estações’, de Vivaldi, vivem uma história de amor há 11 anos. Na órbita do casal está Adilah (Amazyles de Almeida), refugiada que trabalha como enfermeira.

O espectador é convidado a mergulhar nas lembranças boas e más da relação desses dois homens. As experiências explicam a cumplicidade entre eles – e a dificuldade de aceitar uma doença em estágio final e a decisão de antecipar o fim do sofrimento por meio de um processo de morte assistida. Viver mais um pouco em dor ou partir logo? Pensar em si ou no outro? Ser resiliente ou permitir-se a revolta? Amar é também aceitar o fim?

O dramaturgo e diretor Dan Rosseto fala a respeito de sua nova produção, de arte em tempos de pandemia e da animosidade ideológica contra os artistas.

O teatro, e especialmente este espetáculo, pode nos ajudar a encarar com menos medo e mais reflexão a morte e suas consequências?

A morte nunca esteve tão à espreita como nos dias atuais, o que tem deixado muita gente com medo. Felizmente, a peça fala deste tema com lindas reflexões e sabedoria. A morte é um dia que todo mundo irá viver. O medo não deixa de ser uma espécie de barreira que te impede de olhar para uma dor de forma saudável. O espetáculo propõe essa discussão com aprofundamento em diversas camadas e criando bastante identificação.

Qual a importância de uma produção com contexto LGBT+ em um momento de recrudescimento da homofobia e do conservadorismo no País?

A peça fala sobre três seres humanos – minorias – que vivem suas realidades criando espaços para existir. É um grito de amor, um apelo ao afeto sincero e às relações esquecidas. É urgente falar de AMOR, sempre! Seja no contexto que for, é importante criar laços de empatia e compaixão. O ser humano está cruel consigo mesmo, criando paranoias que levam à destruição do afeto. Como amar o próximo se eu não consigo me amar, me reconhecer ou até mesmo aceitar as minhas sombras? Amar, nos dias de hoje, é um ato de resistência.

O texto escrito por Dan Rosseto (à direita) fala da finitude da vida em contraponto ao amor infindável
O texto escrito por Dan Rosseto (à direita) fala da finitude da vida em contraponto ao amor infindável
Foto: Cléber Côrrea/Divulgação e Reprodução/@danrosseto

Acredita que o teatro ressurgirá mais forte e criativo nessa retomada gradual das sessões presenciais?

Sim! Eu não enxergo outra perspectiva. É preciso ser criativo e se reinventar sempre, não apenas pelo fato de abrir espaços para um retorno presencial, mas também com a forma de contar as histórias e até no atendimento ao público. De certa forma, será criativo quem sempre bebeu dessa fonte, não há mágicas tão pouco receitas milagrosas. É preciso arregaçar as mangas e produzir.

Sob ataque ideológico e com financiamento insuficiente, o teatro vive uma fase de outono e inverno. Acredita que logo surgirá um período de primavera e verão?

A arte sempre respirou por aparelhos. E nós, os artistas, sempre estivemos atentos para o novo, mesmo diante de tantos retrocessos. É importante não viver (apenas) para se lamentar, isso pode provocar rupturas ainda mais agressivas. Esta obra só foi possível através de um edital municipal, um incentivo que tornou real a continuidade de um trabalho que envolve muitos profissionais e gera empregos. Nós, artistas, estamos acostumados a viver períodos de escuridão – e nela criamos obras incríveis – para realizarmos quando a luz dá lugar às trevas.

Como foi o processo de escrita do texto? Inspirou-se em pessoas ou fatos reais?

Este texto foi escrito em três anos. Comecei em 2016, a partir de um relato de homofobia sofrido por um jovem, e coloquei o ponto final em 2019, alguns meses após a morte do meu pai, vítima de um câncer. Para abordar os assuntos da peça eu pesquisei de forma incansável, além de ir a campo conhecer tradições e também viver um casamento gay estável. Os temas, além de complexos, exigiram aprofundamento e tempo para melhor fluidez na obra. Produzir conteúdo é uma forma de produzir realidade. Todo escritor coloca no papel questões que tendem a provocar reflexão e discussões. Esse é o sentido! Na pandemia eu trabalhei sem descansos. Durante um ano eu escrevi três textos para o teatro e uma série biográfica de oito episódios para o Globoplay, já está em fase de pré-produção.

O blog conversou também com os atores do espetáculo.

Como o distanciamento social afetou sua relação com o consumo e a produção de arte?

Bruno Perillo: Como artista da cena, a pandemia trouxe inúmeros novos caminhos e descobertas, por dentro das imensas limitações que ela impôs. Tivemos que reformular a maneira de produzir, utilizando a tecnologia e o audiovisual como nossos maiores aliados. O mais importante, a meu ver, foi e continua a ser manter viva a chama do teatro, daquilo que acontece ao vivo entre elenco e espectador. Percebemos também como a nossa vida criativa está além de quaisquer limitações. Percebemos como a arte é necessária ao ser humano e como ela pode nos salvar.

Ensaios de ‘O Último Concerto para Vivaldi’: o teatro reage à pandemia de covid-19 e aos ataques contra a classe artística
Ensaios de ‘O Último Concerto para Vivaldi’: o teatro reage à pandemia de covid-19 e aos ataques contra a classe artística
Foto: Felix Graça/Divulgação

O espetáculo gira em torno de convivência e cumplicidade. Essas questões se fizeram presentes no seu dia a dia ao longo da pandemia?

Amazyles de Almeida: Nesse período de isolamento, dividindo a casa com alguém, isso foi inevitável. E acho que o sentido destas palavras foi ampliado. Todos tivemos que reaprender a conviver, a dividir, a somar, a ser cúmplices, a ouvir, a esperar... Tivemos nossos espaços reduzidos, mas ampliamos nossa capacidade e necessidade de perceber mais aquela pessoa que estava conosco todo dia, mas não o tempo inteiro. E isso faz muita diferença.

A iminência da morte é algo que causa reflexão e aflição?

Bruno Perillo: O texto de Dan Rosseto trata de várias temáticas de grande pertinência e talvez a principal delas seja a iminência da morte. Não só por causa do atual momento da humanidade, mas como algo cuja inevitabilidade é capaz de nos trazer à consciência a dimensão humana que tanto nos escapa no dia a dia. O lidar com a presença da morte nos assusta e paralisa. E, no entanto, o contato profundo com a sua chegada nos traz ensinamentos que nenhum outro acontecimento é capaz de trazer, a despeito de todo sofrimento. A peça retrata a passagem de um ano, da primavera ao inverno  – nascimento, vida e morte. Mas o retorno a uma nova primavera ilumina a esperança.

Temeram a contaminação pelo coronavírus nos ensaios e nas sessões?

Michel Waisman: Fazer teatro em tempos de pandemia não é fácil, principalmente porque a proposta dessa peça sempre foi que acontecesse presencialmente. Todos nós sempre tivemos muita preocupação com isso, e essa questão fez parte do nosso cotidiano de trabalho. Era todo mundo de máscara o tempo todo, produtor passando com álcool em gel, e um monte de questões que fomos tendo que lidar ao longo do caminho, mas sempre com muita conversa. Nos ensaios foi desse jeito, mas a peça mesmo é o que importa, né? Não é todo mundo que pensa nisso, mas as pessoas mais expostas num teatro são os atores. Foi um consenso nosso de que não havia motivo de corrermos esse risco, que tempos de exceção exigem medidas de exceção, e qual seria o problema de fazermos a peça de máscara? Não aquela de acrílico em que se tenta uma falsa ilusão de ausência de máscara, mas assumir mesmo esse adereço, que nem é somente um adereço a ser confeccionado como figurino, mas um objeto de suma importância para nossa proteção. Para nós, a máscara em cena é também um símbolo de que sim, estamos voltando, mas que não, não podemos relaxar. É uma medida de segurança e também um posicionamento político. O medo existe, mas tudo que podemos fazer para produzir e levar arte para o público, com a maior segurança possível, está sendo feito, sem concessões.

Essa peça pode suscitar efeito terapêutico nos atores e nos espectadores por conta dos temas abordados?

Amazyles de Almeida: Essa é uma história de pessoas que amam, que querem viver com amor, mas por razões diversas têm obstáculos intransponíveis. Seja pela cultura, seja pela violência, pela limitação física. Estes fatores afetam a todos, em menor ou maior grau. Mas histórias de amor aquecem a alma, são boas de ouvir, nos tiram da dureza cotidiana. É um prazer imenso estar de novo dentro de um teatro, mesmo com todos os cuidados, para contar essa história. E esse espetáculo foi construído com muito capricho, muito cuidado, muita delicadeza. Não tem como não fazer bem!

‘O Último Concerto para Vivaldi’, de Dan Rosseto

CCD - Centro Cultural da Diversidade (Rua Lopes Neto, 206 – Itaim Bibi), 35 lugares. Acesso a deficiente.

De 27/05 até 05/06 (Quinta, sexta e sábado às 20h)

Ingresso gratuito.  Informações: (11) 3074-3438 e @oultimoconcerto

Duração: 90 minutos / Classificação: 12 anos

O espetáculo foi contemplado pela Lei Emergencial Aldir Blanc, (Módulo I: Maria Alice Vergueiro), da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo.

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