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Livro sobre cartazes nazistas expõe a arte a serviço da ideologia

30 nov 2020 - 11h33
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Ricamente ilustrado, "Propaganda do terror" analisa as estratégias gráficas usadas pelo regime de Hitler para seduzir as massas. Um tema delicado, mas parte das lições permanece útil até hoje."Será que a propaganda, assim como a entendemos, não é também uma forma de arte?", perguntava retoricamente, em junho de 1935, o ministro de Educação Popular e Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels. A essa altura, os nacional-socialistas já ocupavam há quase dois anos e meio o poder na Alemanha, e há muito estavam lançados os fundamentos do domínio de terror que só acabaria em 1945, após desembocar numa guerra mundial e no Holocausto.

Adolf Hitler se armou em tempo recorde, tanto no campo militar como no civil. Para os soldados providenciaram-se novos tanques de guerra, aviões e submarinos. E para os cidadãos no front doméstico, o noticiário semanal Wochenschau nos cinemas, os rádios em casa e os cartazes em cada esquina.

A historiadora da arte Sylke Wunderlich examinou a fundo o significado desses pôsteres em seu livro Propaganda des Terrors (Propaganda do terror), ilustrado com mais de 200 fotografias. Um empreendimento bastante ousado, por abordar duas esferas totalmente diversas: ideologia e arte.

"Acho que o estilo artístico dos pôsteres contribuiu decisivamente para que tenha dado tão certo a influência sobre a massa da população", explica a autora residente em Berlim, em entrevista à DW, ressalvando: "Certo, no sentido da política dos nacional-socialistas."

Aprendendo também com o comunismo

No entanto, antes mesmo de tomar o poder, em 1933, os nazistas não hesitavam em copiar estratégias bem-sucedidas dos socialistas e comunistas. Os cartazes a serviço de Hitler também poderiam ser da autoria da esquerda revolucionária, substituindo-se as fotos pelas dos comunistas Rosa Luxemburgo ou Karl Liebknecht, por exemplo.

As peças de propaganda foram idealizadas tanto por nazistas convictos, como o conceituado gráfico e arquiteto Ludwig Hohlwein, como por discípulos do movimento artístico Bauhaus, como Herbert Bayer. Enquanto Hohlwein foi temporariamente proibido de exercer a profissão após o fim da Segunda Guerra Mundial, Bayer emigrara para os Estados Unidos em 1938. Até então, projetava cartazes para o regime nazista.

Contudo Wunderlich considera demasiado simplista a acusação de que Bayer teria se deixado instrumentalizar pelos nazistas, pelo menos por algum tempo: afinal, os artistas gráficos autônomos também tinham que pensar na própria subsistência. E talvez tenham sido intencionalmente recrutados, "devido a sua modernidade".

Biografia contraditória

A fim de se distinguir da anterior República de Weimar, o regime nacional-socialista queria se mostrar como um Estado "que era moderno, novo, diferente". Assim, a autora não vê qualquer contradição entre os motivos muitas vezes modernistas dos pôsteres e a ideologia populista-racista do Terceiro Reich: "Fotomontagens, tipografia clara, linguagem visual clara eram, sem dúvida, coisas consideradas boas."

Apesar disso, Herbert Bayer - que teve Johannes Itten, Paul Klee e Vassily Kandinsky entre seus mestres na Bauhaus - cairia em desgraça com o regime: algumas de suas obras foram parar na difamatória mostra Arte degenerada de 1937. Esse foi o empurrão decisivo para o artista, que se considerava apolítico, voltar as costas ao Reich hitlerista.

A biografia fragmentada de Bayer é um exemplo extremo, por um lado, da desconcertante contradição da política cultural nazista, e do outro, do comportamento aparentemente oportunista de alguns artistas: alguém que frequentou a Bauhaus, mais tarde chegaria a dirigir sua Oficina de Impressão e Reclames, envolveu-se, a partir de 1933 com os que combatiam a revolucionária escola de arte e design.

Wunderlich frisa que o design gráfico da época era "bastante espetacular", não só na Alemanha, "muito moderno, construtivista". Os nacional-socialistas se basearam nessa linguagem visual para seduzir e agitar - desde o início contra judeus e bolcheviques, mais tarde contra todos os adversários de guerra. A fachada de bela aparência se manteria por bastante tempo: as primeiras fissuras só apareceram quando a mesa virou na guerra.

Leni Riefenstahl, virtuose da manipulação

Após a invasão da Polônia, em 1939, até a derrota em Stalingrado, a propaganda nazista ainda funcionou de forma ideal, tendo como figura central a cineasta Leni Riefenstahl. Suas documentações dos comícios do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) e dos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, estenderam o alcance do regime para muito além das fronteiras do Terceiro Reich.

Ela fez isso com tanta sofisticação que outras nações também se deixaram ludibriar. As ambivalentes obras de arte de Riefenstahl receberam diversos prêmios, entre outros do Festival de Cinema de Veneza e do Comitê Olímpico Internacional (COI).

A estratégia dos nazistas dera certo, "senão, as massas humanas não teriam corrido atrás dessa política", afirma Wunderlich. No caso de Leni Riefenstahl, a semente da sedução vingou especialmente bem: Triunfo da vontade e Festa da beleza eram perfeitamente encenados, tanto do ponto de vista técnico quanto estético, e inflados propagandisticamente pelos cartazes que os acompanhavam.

E aí se chega novamente ao tema "modernismo", aponta a historiadora da arte: os nacional-socialistas o utilizaram para "dar a esse terrível Estado ditatorial uma aparência bonita, moderna, limpa". Enquanto nenhuma bomba caiu sobre Berlim e outras cidades, o regime pôde contar com a maioria dos alemães.

"Um povo, um Reich, um Führer": o culto pessoal a Adol Hitler se refletia literalmente nos cartazes de propaganda, tendo sempre na mira crianças e adolescentes. Com slogans como "Também tu pertences ao Führer", a política de total disponibilidade não era segredo: ninguém deveria ficar de fora da Juventude Nazista ou da Liga das Meninas Alemãs. E a grande maioria participava com franco entusiasmo.

Nazismo permanece tema delicado

À primeira vista, em todos esses anos a propaganda gráfica aparentara ser basicamente inofensiva, embora sedutora e muitas vezes de alto nível.artístico. Por muito tempo após o fim da ditadura nazista era praticamente impossível se ocupar dela com imparcialidade.

Ainda em 2012, 67 anos depois, a mostra "Tipografia do terror: Cartazes em Munique de 1933 a 1945", no Museu Municipal da capital da Baviera, desencadeou violentos debates: talvez bem-intencionada, mas "pura propaganda", sentenciou o jornal liberal de esquerda Süddeutsche Zeitung. O título da exposição lembra o Propaganda do terror de Sylke Wunderlich, publicado em alemão e inglês.

A fundadora da associação Plakat Ost considera estar fora de seu poder impedir que extremistas de direita se interessem por sua publicação. Na prática, porém, antigos e neonazistas se arrependerão da aquisição, o mais tardar, ao lerem suas claras e reveladoras análises da arte propagandística na era nazista. Não é possível acusar a autora de ter minimizado o tema, bem pelo contrário.

Oito anos atrás, os críticos da mostra em Munique acusaram os curadores de não situarem suficientemente as peças em exibição: os visitantes seriam deixados sozinhos com as imagens, apontaram, "na esperança de que sua antiga força sugestiva fosse apenas perceptível, e que seu ridículo se desmascarasse por si só".

Thomas Weidner, então diretor do departamento de gravuras e pinturas do Museu Municipal de Munique, defendeu-se lembrando que os pôsteres eram acompanhados de legendas com dados tanto sobre o evento apresentado e os autores da encomenda, quanto sobre os artistas e sua forma de trabalhar.

Ainda assim, continua valendo o que Weidner observou em 2012: "Exposições sobre o nacional-socialismo são sempre delicadas." O comentário certamente se aplica a livros sobre a arte propagandística do regime genocida da Alemanha.

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