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Netflix fica mal com comunidade LGBTQIA+ por especial de humor

11 out 2021 - 22h04
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Foto: Divulgação/Netflix / Pipoca Moderna

A Netflix se envolveu numa grande polêmica com a comunidade LGBTQIA+ por conta de um especial de humor. Sem saber como reagir às críticas, seus executivos disseram frases e tomaram decisões que pioraram muito a situação, transformando algo que poderia ser solucionado com um simples pedido de desculpas num pesadelo de relações públicas.

O problema começou com o lançamento de um novo especial de comédia de Dave Chappelle na semana passada. O humorista já havia criado mal-estar quando uma mulher transexual citada em seu especial anterior, "Stick and Stones" (2019), suicidou-se dois meses após a disponibilização do programa em streaming. Mesmo com esse antecedente, seu novo especial, "Encerramento" (The Closer), voltou a fazer piadas às custas das pessoas trans.

Polemista politicamente incorreto, Chappelle costuma achar engraçado defender outros ofensores. Em 2019, ele atacou os criadores dos documentários que denunciaram os cantores Michael Jackson e R. Kelly por abusos. Hoje, R. Kelly está preso e as piadas sobre as "reações exageradas" de suas vítimas tornaram-se ainda mais equivocadas.

Desta vez, ele agrediu a comunidade trans para defender J.K. Rowling, criadora da franquia "Harry Potter" e também transfóbica assumida.

"Cancelaram J. K. Rowling, Meu Deus. Efetivamente, ela disse que gênero era um fato. A comunidade trans ficou furiosa e começou a chamá-la de TERF [sigla em inglês para feminista radical trans-excludente]. Eu sou time TERF. Concordo. Gênero é um fato".

Em seu monólogo, o comediante faz diversas outras afirmações consideradas transfóbicas, além de reafirmar estereótipos de gêneros e fazer outras declarações problemáticas.

Imediatamente após o especial chegar no catálogo da Netflix, Jaclyn Moore, a showrunner da série "Cara Gente Branca" (Dear White People), encerrada em 22 de setembro, anunciou no Twitter que nunca mais trabalharia com a Netflix devido aos "comentários transfóbicos e perigosos" de Dave Chappelle em seu especial.

Além dela, outros funcionários da Netflix e organizações de direitos LGBTQIA+ e da comunidade negra protestaram nas redes sociais.

A organização não governamental GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) foi taxativa, afirmando que "a marca de Dave Chappelle se tornou sinônimo de ridicularizar pessoas trans e outras comunidades marginalizadas". "As várias críticas negativas e a condenação ruidosa de seu último especial é uma mensagem para a indústria de como o público não apoia mais injúrias anti-LGBTQ+."

David Johns, diretor executivo da National Black Justice Coalition (NBJC), também criticou Chappelle e pediu para a Netflix remover o especial de seu catálogo. "É profundamente decepcionante como a Netflix permite que a transfobia e homofobia preguiçosa e hostil de Dave Chappelle vá ao ar", declarou em comunicado. "Com 2021 a caminho de ser o ano mais mortal para pessoas trans nos EUA - cuja maioria é formada por transgêneros negros - a plataforma deveria saber melhor. Perpetuar transfobia perpetua violência."

Encurralada por várias críticas, a Netflix começou a reagir nesta segunda (11/10). E foi a pior reação possível. A empresa afastou uma funcionária transexual e mais dois que protestaram contra os comentários transfóbicos de Chappelle.

A engenheira Tara Fied criou uma thread no Twitter que se tornou viral, sobre a forma como o comediante ataca pessoas trans e o próprio significado do que é ser transexual. No especial, Chapelle também diz que a comunidade LGBTQIA+ se tornou "sensível demais".

Ao viralizar, a thread provocou um debate sobre os limites da liberdade de expressão e a cultura do cancelamento. Fied quis levar a discussão para a empresa e acabou suspensa, após tentar comparecer a uma reunião para a qual não tinha sido convidada com mais dois funcionários. Diante disso, outro funcionário trans teria se demitido em solidariedade.

A situação começou a sair de controle, levando a empresa a se manifestar. Um comunicado explicou que a suspensão não foi por causa dos tuites, mas pela tentativa de invasão da reunião agendada entre os principais executivos da plataforma. "Nossos empregados são encorajados a manifestarem abertamente qualquer contrariedade, e nós apoiamos o seu direito de fazê-lo", garantiu o texto.

O detalhe é que a decisão de Fied foi reação a um memorando assinado pelo chefão da empresa, Ted Sarandos, obtido pelo site The Hollywood Reporter, que alertou a equipe sênior de que "alguns talentos podem se juntar a terceiros para nos pedir para remover o especial nos próximos dias, o que não faremos".

O memorando também defendeu o comediante. "Chappelle é um dos comediantes de stand-up mais populares da atualidade e temos um contrato de longa data com ele… Assim como acontece com nossos outros talentos, trabalhamos muito para apoiar sua liberdade criativa - mesmo que isso signifique que sempre haverá conteúdo na Netflix que algumas pessoas acreditam ser prejudicial, como 'Mignonnes', '365 Dias', '13 Reasons Why' ou 'Nada Ortodoxa", escreveu Sarandos.

O texto segue, ainda mais polêmico. "Vários de vocês também perguntaram onde traçamos o limite do ódio. Não permitimos títulos na Netflix destinados a incitar o ódio ou a violência e não acreditamos que 'Encerramento' ultrapasse essa linha. Reconheço, no entanto, que distinguir entre comentário e dano é difícil, especialmente com a comédia stand-up, que existe para ultrapassar os limites. Algumas pessoas acham que a arte do stand-up é mesquinha, mas nossos membros gostam dela, e é uma parte importante de nossa oferta de conteúdo. "

Sarandos continua, falando que o compromisso da Netflix com a inclusão pode ser aferido por algumas das séries disponíveis em seu catálogo, como a popular "Sex Education", e o documentário "Disclosure", que retrata o impacto da indústria do entretenimento na imagem das pessoas trans.

Só que, ao ver sua obra citada no contexto do especial, o diretor de "Disclosure" deixou claro que a Netflix nunca investiu para produzir seu documentário como fez com Chapelle e ainda pagou barato para exibi-lo.

A GLAAD também voltou a se manifestar após a suspensão de funcionários e do memorando controverso. "A Netflix tem uma política de que conteúdo 'projetado para incitar ódio ou violência' não é permitido na plataforma, mas todos nós sabemos que conteúdo anti-LGBTQ faz exatamente isso. Embora a Netflix seja o lar de histórias LGBTQ inovadoras, agora é a hora de seus executivos ouvirem os funcionários LGBTQ, líderes do setor e o público e se comprometerem a seguir seus próprios padrões."

Os especiais de comédia de Dave Chappelle continuam disponíveis no catálogo da Netflix.

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