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Opinião: Jogador Nº1 tem muita referência para pouco filme

Baseado no livro Best Seller, a adaptação para o cinema trouxe muitos momentos para agradar os nerds, mas deixou a narrativa de lado.

3 abr 2018 - 08h23
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A primeira vez que tive contato com o livro Jogador Nº1, de Ernest Cline, achei a proposta absurdamente incrível. Contando a história de um jovem chamado Wade Watts, o universo criado é ambientado no ano 2044, em que a sociedade passa a maior parte dos seus dias dentro de um simulador com óculos de realidade virtual: o Oasis. Poucos são os que vivem no mundo real, já que as possibilidades dentro dele são gigantescas. Pode-se ser quem quiser, fazer o que quiser e ir para qualquer lugar… desde que tenha dinheiro para isso. Aliás, os mais ricos conseguem ter uma experiência ainda maior, com roupas e equipamentos que trazem até mesmo cheiros e sensações físicas ao usuário.

Geek que é geek gosta de filme ruim só por causa dos easter-eggs!
Geek que é geek gosta de filme ruim só por causa dos easter-eggs!
Foto: Divulgação / Warner Bros. / Amblin Entertainment

Com a morte do criador do Oasis, Halliday, um jogo foi iniciado. Antes de morrer, ele deixou alguns easter-eggs (itens escondidos dentro dos cenários, em lugares específicos) que levariam a um tesouro de tamanho absurdo: ser o dono do Oasis, tornando-se automaticamente rico e com um enorme poder. Em todo o planeta, as pessoas se juntam para participar da caça, tendo que lidar com uma enorme empresa chamada IOI, que tem centenas de funcionários em busca do grande prêmio. Wade, então, se transforma no primeiro a encontrar um dos easter-eggs, colocando um enorme alvo em sua cabeça.

Pouco depois que finalizei a leitura, um filme baseado no livro foi anunciado, com direção de Steven Spielberg. Não poderiam ter me deixado mais empolgado! Toda a trama, extremamente bem articulada, e as enormes pesquisas feitas pelo autor seriam transpostos nas grandes telas através das mãos de um dos maiores diretores do mundo. Em cada imagem e trailer, pude ver algumas das cenas que me marcaram, e já imaginei a dimensão que o filme viria a ter. Foi então que o assisti.

Halliday com Parzival, o avatar do protagonista Wade
Halliday com Parzival, o avatar do protagonista Wade
Foto: Reprodução / Warner Bros. / Amblin Entertainment

AVISO: A PARTIR DAQUI ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS

Com um início acelerado, todo o universo do Oasis é contado através de uma sequência de imagens narradas, sem dar qualquer detalhe em torno de sua criação. Os personagens principais têm toda a sua trama deixada de lado, colocando-os em uma reunião estranha e sem qualquer embasamento ― não conseguimos sequer criar vínculos com os irmãos Daito e Shoto. A troca foi óbvia, garantindo que o foco fique em torno dos momentos de ação.

Os problemas começam a ficar evidentes a partir das primeiras provas para encontrar os easter-eggs. Com uma troca esquisita, o que ocorre no livro em uma partida de videogame dentro de um labirinto criado a partir do jogo de RPG Dungeons & Dragons se transforma em uma corrida nos moldes de Speed Racer, sem qualquer busca por pistas e mensagens decifráveis (que são a base para praticamente toda a história original). As cenas que garantem a primeira chave a Wade são bonitas, cheias de referências a filmes e jogos antigos, com animações e muita ação, deixando muita gente feliz, mas sem se diferenciar de tantos outros filmes do mesmo gênero por aí.

Por conta de grande parte do livro narrar experiências complexas, com pouca ação e muita pesquisa em conteúdos antigos, era de se esperar que mudanças fossem feitas. Conforme o filme se aprofunda, novos personagens são apresentados, como a assistente de Sorrento, o chefe da IOI, e um comparsa no mundo virtual ― ambos sem qualquer tipo de profundidade, funcionando como uma parte cômica e infantil. Dificilmente algum espectador se sentiu com medo ou raiva da empresa rival, que é despistada através de atitudes estúpidas pelos personagens principais (se esconder atrás de objetos parece ser uma solução comum por parte dos roteiristas).

No filme, a destruição das "pilhas" de casas foi bem diferente do livro
No filme, a destruição das "pilhas" de casas foi bem diferente do livro
Foto: Reprodução / Warner Bros. / Amblin Entertainment

Com tantas mudanças, diversos buracos surgem no roteiro do filme de Spielberg. Vemos personagens escapando de mansões extremamente futuristas e blindadas sem a menor dificuldade, ou outros que deixam de ser ruins para virarem bons de uma hora para a outra (o outro criador da Oasis, por exemplo, resolve ajudar Wade e seus amigos, sem deixar claro os seus motivos). A inclusão de tecnologias que não são explicadas também traz muitas dúvidas sobre sua praticidade: como Sorrento consegue andar, já que fica sentado o tempo todo? Tudo isso consegue ser explicado em um livro, por conta do seu formato mais longo e detalhado, mas se perde em um filme com duração de uma hora e meia.

É fácil de entender, entretanto, os motivos pelos quais tantas pessoas estão adorando o filme. Vivemos em uma época em que é fácil de agradar a todos através de mostrar aquilo que elas gostam. Em um filme declaradamente feito para nerds e saudosistas dos anos 1980, o que não falta durante as cenas são referências a personagens e objetos antigos, como falamos AQUI. A euforia causada dentro da sala de cinema quando uma criança via Minecraft em 3D, ou o seu pai quando percebia que o carro de Wade é o mesmo de De Volta para o Futuro, faz com que muitos deixem de lado os problemas que o filme traz.

Mesmo com tantos erros, Spielberg acertou em muitos pontos. Recriar o cenário de O Iluminado, manter a cena final com uma enorme batalha entre um robô de Gundam e o Mecha Godzilla, dentre outros momentos de ação que fazem qualquer um levantar da cadeira, deixam o filme com certo valor. Fica até esquisito pensar em uma versão 2D, já que tudo foi feito para que tenhamos uma imersão total, com muitas luzes e movimentos de câmera realistas e dinâmicos. Enquanto estamos presos a essas cenas, deixamos de lado as dúvidas e a falta de identidade dos outros personagens (sequer nos chocamos ao descobrir que Aech, o melhor amigo de Wade no Oasis, é uma mulher), e conseguimos nos divertir.

Portanto, se me perguntam “e aí? Valeu a pena?”, eu digo que não. Mas, definitivamente, é um filme divertido, que pode agradar os que querem ver algo apenas pelo visual e referências. É um “sessão da tarde” instantâneo, capaz de entreter e deixar muitos com a sensação de ter revisitado um dos seus filmes e/ou jogos favoritos, já que seus personagens podem aparecer em algum momento. Felizmente, o livro ainda está à venda, e traz a profundidade que ficou faltando. Se quiser ler, entretanto, faça isso após ver o filme, de modo que consiga se desprender completamente do conteúdo original. Caso contrário, é melhor ficar apenas com a leitura, principalmente agora que sabemos que uma continuação está em desenvolvimento.

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