Diretor de 'Amélie Poulain' volta com comédia armamentista
- Carol Almeida
A indústria armamentista e a sanidade nossa de cada dia. Em linhas breves, esses são os dois elementos centrais de MicMacs, um Plano Complicado, mais recente filme de Jean-Pierre Jeunet. O diretor habituado a criar mundinhos de festa estranha com gente esquisita, está de volta com mais um grupo de personagens por quem nutrimos uma estranha simpatia, como quem coleciona monstrinhos de Tim Burton na parede da sala. O mesmo homem que nos cativou no bizarro de Delicatessen, em 1991, e dez anos depois nos desembrulhou o amor, com laço de cetim, em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, agora nos mostra esse rapaz que, com uma bala na cabeça e alguns amigos na mão, consegue provocar uma grande reviravolta em duas poderosas fabricantes de armas de fogo. Tudo, claro, no riso aberto do absurdo.
Bazil é o nome desse jovem protagonista, interpretado pelo talentoso Dany Boon. Quando mais novo ele, viu sua mãe chorar a morte do pai, vítima de um campo minado quando trabalhava para o exército. Já na idade adulta, numa daquelas infelizes combinações de estar no "lugar errado, na hora errada", Bazil leva um tiro na cabeça e eis que a bala fica alojada em seu crânio. O conto dos desafortunados poderia terminar aí, numa elipse da tragédia familiar que volta sempre ao mesmo ponto. Mas Jeunet tem aquele senso de humor corrosivo e um tanto rabugento dos franceses. Bazil então sobrevive ao tiro e, em lugar de se transformar em herói com sede de vingança, ele continua sendo o mesmo amável rapaz com sede de bisnaguinha de queijo cremoso. A vingança? Bem, essa vem de brinde.
Tentando sobreviver na rua com algumas de suas habilidades mímicas, Bazil é "adotado" por excêntricos habitantes de um curioso puxadinho no meio do lixão. Algo como o País das Maravilhas numa versão amarronzada, cujos animais falantes são apenas pessoas abandonadas. A calculadora, o homem canhão, a contorcionista, o ex-criminoso, o criador de bonecos, a mamma, o escritor. Todos têm uma função do organograma burocrático das tarefas inúteis. Bazil entra em cena como o mímico de, claro, poucas palavras. Vale aí ressaltar que, quando é para escolher seu elenco, Jeunet tem sempre alguns cartas marcadas necessárias ao jogo: o ator Dominique Pinon, velho parceiro do diretor e aqui no papel do homem canhão, é uma delas.
No meio de sua nova adaptação familiar, Bazil tem uma epifania. Passando por uma rua qualquer, nosso herói vê, do seu lado esquerdo e direito, as duas grandes empresas armamentistas que fabricaram suas duas grandes tragédias pessoais: a morte do pai e sua bala na cabeça. Na sua lucidez memorial, ele entende que é hora de fazer justiça com as próprias mãos.
Trata-se, portanto, de mais um filme em que você junta a turma para cumprir uma dessas missões impossíveis. Os agentes secretos de fundo de quintal vão se unir então em nome da justiça, da ética e de alguma atividade extra-curricular à rotina. Alguns planos infalíveis mais tarde, entendemos que Jeunet novamente usa da distorção, seja na imagem excessivamente plástica, nos plongés e contra-plongés da câmera, ou nos personagens circenses, para fazer uma crônica sobre o perigo da normalidade e da convenção social. Tudo que aparenta ter uma arquitetura padrão costuma ser vil. E tudo que parece louco, costuma ser bom de coração.
MicMacs, esse nome que assim meio de longe lembra uma rede internacional de fast-food, é uma grande sacada sobre um mundo que costuma pacificamente obedecer à insanidade. Não à toa que o grande herói de Bazil toma corpo da voz de cigarro de Humphrey Bogart, o cara dos personagens que só eram lúcidos porque nada tinham de obedientes.
SERVIÇO
MicMacs - Um Plano Complicado, de Jean-Pierre Jeunet
País: França
Duração: 105 minutos
HORÁRIOS:
22/10/2010 - 20:20 - CINE SABESP
24/10/2010 - 20:40 - RESERVA CULTURAL 1
25/10/2010 - 15:50 - CINESESC
27/10/2010 - 21:00 - CINE TAM
01/11/2010 - 22:20 - ESPAÇO UNIBANCO POMPÉIA
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