Curta sobre vício do crack ganha destaque no Cine PE
Diferentes olhares sobre o passado, o que se foi e o que insiste em ficar, deram o tom da terceira noite de exibição do Cine PE deste ano. O festival levou ao cine-teatro Guararapes três curtas-metragens e dois longas sobre personagens que, reais ou fictícios, refletiam a seu modo como cada um guarda, organiza e relativiza suas memórias. E para começar toda essa saga, o festival abriu a noite com um curta assustadoramente sincero sobre como o vício do crack destruiu parte da memória imaculada de álbuns familiares.
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A Casa da Vó Neyde, filme bastante pessoal do diretor Caio Cavechini, estabeleceu um padrão alto pra noite que foi quase toda documental. Ao abrir a câmera para o drama bastante íntimo da relação entre sua própria avó e o tio viciado em crack (único filho da vó Neyde que continuou a morar com ela), o jovem cineasta criou uma obra que, distante das implicações emocionais que ela venha a ter no núcleo familiar de onde saiu, é bastante incisiva em afirmar que a vida real não tem exatamente uma solução.
Os outros dois destaques da noite foram os longas Casa 9 e Augusto Boal e o Teatro do Oprimido. Ambos documentários que registram momentos de vanguarda da cultura brasileira. O primeiro é um projeto cuja importância documental é inquestionável, mas que parece ter sido criado numa edição de amigos para amigos.
A Casa 9, lugar em uma pequena vila no Rio de Janeiro, foi o lugar onde o diretor do filme, o quase lendário Luiz Carlos Lacerda (o Bigode, apelido dado pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos) viveu boa parte de sua vida criativa, dividindo parede com outros não menos célebres inquilinos como o músico Jards Macalé e a atriz Sonia Braga e dividindo sala com todo e qualquer artista que quisesse bater um dedo (ou bem mais) de prosa.
Por esse espaço, ora como visitas regulares, ora como de passagem rápida, se registraram pessoas do porte de Jorge Salomão, Gal Costa e até mesmo a escritora Clarice Lispector. Nas palavras do músico Naná Vasconcelos, outro frequentador da casa, era uma "afinidade de loucuras". Os depoimentos do filme são interessantes, mas a edição muitas vezes se deslumbra com esse passado e estica passagens extensas demais e videoclipes inteiros de músicas que deixam o filme mais longo do que ele poderia ser. Sem contar que a filmagem em digital não ajuda.
O segundo longa da noite, este fora de competição, foi o mais recente trabalho de um dos homenageados do festival este ano, o diretor Zelito Viana. Em um filme de câmera no tripé e fundos fixos, Viana cumpre com a função de registro que o longa tem em destacar a importância de Augusto Boal, falecido em 2009, no teatro não apenas do Brasil, como no mundo. O filme acompanha Boal em seus últimos anos e, nesse rastro, passa por lugares onde não se imagina quão forte é a influência do seu Teatro do Oprimido, como a Índia, por exemplo.
A segunda-feira ainda teve a exibição dos curtas Aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro, e Fábula das Três Avós, de Daniel Turini.
Chuva assusta
Em razão das recentes e intensas chuvas que estão parando o trânsito e alagando as ruas do Grande Recife, o público tem se mostrado receoso em chegar ao Centro de Convenções de Pernambuco, onde é realizado do evento. Na noite desta segunda-feira, dia útil de fluxo mais forte de carros, isso ficou claro: o festival conhecido por seu público gigante de mais de 2000 pessoas por noite, estava esvaziado porque a trilha sonora lá fora do cinema era de tempestade.
*A repórter viajou ao Recife a convite da organização do festival