Editoras apostam no livro físico como objeto de desejo dos jovens com edições especiais e brindes
De pinturas na lateral e capas metalizadas a cards ilustrados e até conteúdo extra, o mercado editorial tem adotado estratégias para atrair o leitor para o livro físico em meio à competição com as telas
Um livro de fantasia com pintura lateral dourada e uma capa dura cheia de cores chamativas. Uma edição especial de um romance lançado há pouco tempo com ilustrações inéditas, brilho e um capítulo extra. Um volume todo metalizado com dimensões e acabamento que remetem a uma obra do século 19.
Os exemplos descritos acima podem ser encontrados com frequência em livrarias físicas e virtuais. Se comprados na pré-venda ou no lançamento, provavelmente ainda virão com brindes, como marca páginas e cards ilustrados. Essas são amostras de um movimento que tem crescido no mercado editorial: o investimento em edições "diferenciadas" como estratégia para atrair o público jovem para o livro físico.
"Isso está vindo como uma estratégia das editoras por conta de uma mudança da relação do leitor com o livro. Nos últimos anos, vimos a importância do e-book como porta de entrada para a leitura. A geração Z já lê no celular, às vezes nem tem o aparelho e-reader. Essa barreira do dispositivo caiu", explica Rafaella Machado, editora executiva da Galera Record e da Verus, selos do Grupo Editorial Record.
Esse movimento, segundo ela, gerou uma reflexão nas editoras: o que faz esse leitor desejar a edição física de um livro? "Nós nos desafiamos a criar produtos bonitos, exclusivos, às vezes com tiragens limitadas. É a mesma história, mas trazendo toda a magia que tem no conteúdo, trazendo toda aquela sensação de uma relíquia, de um objeto mágico para a edição física."
Rafaella explica que a tendência começou com obras que já eram conhecidas do público, como best-sellers ou clássicos, mas que agora tem aparecido também em lançamentos, justamente para criar maior atração para o produto. No mês passado, por exemplo, a Galera Record lançou uma edição limitada da romantasia Wind Weaver com pintura lateral e capa dura e também uma edição "de luxo" do best-seller A Vida Invisível de Addie Larue.
Frini Georgakopoulos, editora de aquisições da Arqueiro, aponta que a tendência começou no exterior, mas que o mercado brasileiro começou a perceber essa necessidade já na pandemia, quando o livro passou a ser cenário de fundo para vídeos e ligações.
Foi nesta época também o surgimento do BookTok, que transformou a maneira como jovens consomem literatura e fez com que o livro se tornasse também objeto importante para a criação de conteúdo na internet. "[O livro] passa a ser não só a história que você está consumindo, mas sim um objeto de desejo, diz Frini.
Uma das primeiras apostas de edições especiais da Arqueiro foi o livro Noiva, da italiana Ali Hazelwood. A editora lançou uma versão "comum", em brochura, de maior tiragem, e uma edição limitada com capa dura e pintura lateral. Desde então, outros dois livros da autora ganharam versões especiais: A Hipótese do Amor (que vem até com um capítulo extra) e Amor, Teoricamente.
Outra aposta do grupo é a série Blackwater, de Michael McDowell (1950-1999), que ganhou um tratamento bem diferente: brochura, em formato compacto, lembrando um livro de bolso, com capa toda metalizada. "[As editoras estão] não só competindo entre si - porque ninguém lê um só livro, autor ou uma editora - , mas também com a tela, e várias delas, na verdade. Então, precisamos ter algo que se diferencie", diz Frini.
Marisa Midori, historiadora e professora do curso de Editoração da USP, argumenta que é importante lembrar que o livro também é uma mercadoria e que toda mercadoria tem a sua embalagem. "Ela tem que mexer com o imaginário, isso faz parte do fetiche da mercadoria. Você não compra só o texto, você compra tudo que vem junto."
Renovação do mercado
A professora afirma ver um cenário de renovação e maior preocupação com o público jovem no mercado editorial. O Brasil é há muitos anos referência na literatura infantil. Do outro lado da moeda, entre as décadas de 1990 e 2000, o País viu o fenômeno Cosac Naify, editora que ficou conhecida por edições de luxo.
Os livros da Cosac Naify tinham sempre um projeto gráfico diferenciado, com muitos dos elementos estilísticos descritos acima, mas que até aquele momento eram praticamente inéditos no setor. "Havia editoras muito boas no Brasil, mas eles trouxeram, além da qualidade do texto, uma inovação do produto", lembra Marisa. "Isso fez com que as editoras corressem atrás."
Portanto, no começo dos anos 2000, os livros já apareciam "caprichados" e com elementos diferenciados, mas com outro público-alvo. "O público jovem, ou seja, aquele que não é criança e não é adulto, ficou órfão dessa literatura e de um repertório editorial que conversasse com ele", explica ela.
Alguns movimentos interessantes surgiram na última década como precursores desse momento atual. Um deles veio com criação da editora Darkside, em 2012, especializada em livros de terror e suspense, que desde seu início já publicava edições bem trabalhadas e ainda é referência na área.
Em 2013, foi lançada a coleção Clássicos Zahar, com edições de bolso em capa dura que atraíram um público adolescente para obras de Machado de Assis e Arthur Conan Doyle, por exemplo, e que conversavam com a grade curricular das escolas. Foi um sucesso editorial, que hoje segue sendo publicado como selo da Companhia das Letras.
Anos depois, em 2019, a editora Antofágica apareceu com a proposta de oferecer uma experiência sensorial e multimídia para os clássicos. Publicando com capa dura, ilustrações ao longo de todo a obra, textos de apoio e conteúdo de peso nas redes sociais, ela atraiu leitores jovens para Virginia Woolf e Franz Kafka.
View this post on Instagram
Marisa também aponta a pandemia como o momento de virada de chave: "É a história do ovo ou a galinha, não é? Não sei dizer se a presença maciça dos jovens nas redes sociais provocou esse movimento, ou esse movimento também levou à presença dos jovens nas redes sociais para falar sobre livros. Mas o fato é que essa literatura juvenil se renovou."
Com base nesse história, a especialista argumenta que o que ocorre agora não é uma inovação do produto em si, mas sim na forma de comunicação com o público: "Há uma linguagem que os jovens entenderam e, que, na verdade, faz deles protagonistas dessa história."
Rafaella Machado, da Record, corrobora com essa avaliação: "O papel da editora está mudando. Não somos mais esse filtro do que será lançado. Cada vez mais os leitores participam dessa conversa, sentam nas mesas de discussão, trazem títulos."
"Faltava muito para o mercado editorial entender que ele é parte da conversa, mas não é a conversa inteira. Ele não é o filtro, ele está aqui para, humildemente, aprender com as próximas gerações que querem entrar no mundo da literatura. As edições bonitas são parte disso", completa ela.
Essa troca entre a editora e os leitores é essencial para as empresas. "O pessoal do nosso marketing, que toma conta das redes sociais, leva isso com muito carinho, porque estamos falando com fã, com pessoas que estão emocionalmente envolvidas naquilo. E tudo que mexe com o nosso emocional é muito intenso", diz Frini Georgakopoulos, da Arqueiro.
Livro também é mercadoria
As edições especiais já têm demonstrado resultados positivos para as editoras. A Record diz que o faturamento com esses lançamentos cresceu de 8% em 2023 para 11% em 2024. Ainda assim, as editoras consultadas dizem que há uma preocupação para que o preço de capa desses títulos não suba demais e, ao mesmo tempo, seja viável financeiramente para a empresa.
Marisa explica que, graças ao desenvolvimento da indústria gráfica, hoje é possível incorporar uma série de elementos no acabamento editorial que não encarecem tanto o preço do livro. Faz parte de uma linha de montagem, enquanto, antigamente, tudo era feito artesanalmente.
Ainda assim, ela lembra que o que faz a maior diferença no valor de capa é a tiragem do livro: quanto mais alta, mais barato ele será. Por isso é importante que a aposta de uma editora seja certeira - se ela sabe que um título é desejado, poderá colocá-lo à venda por um preço mais acessível.
View this post on Instagram
"A gente vê que há um trabalho de marketing e uma pesquisa de mercado muito bem feita", pondera Marisa Midori. Segundo Frini, a decisão do que merece receber uma edição diferenciada começa por conhecer o público de um gênero literário: "Não é todo mundo que valoriza e que vê isso como um diferencial do produto."
Ela diz, por exemplo, que os leitores de fantasia gostam de pinturas laterais e capas brilhantes, enquanto fãs de romance contemporâneo tendem a gostar mais de brindes na pré-venda. "São apostas. São livros que a gente está querendo fazer a diferença. São livros que, de repente, já têm um público supercativo, então sabemos que ele vai dar certo", completa ela.
Tanto Frini quanto Rafaella argumentam que as opções variadas ajudam a tornar o livro mais acessível: ele pode vir em uma edição especial, mas também em brochura, em e-book, em áudio. Em todos os casos, a reflexão segue a mesma: em um mundo em que o livro está a um clique de distância, o que a editora traz para a mesa? É isso que o mercado está tentando descobrir.