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Candido Portinari e Tomie Ohtake inspiram espetáculos de dança

Transmitidas online, coreografias destacam a obra e a trajetória dos artistas plásticos brasileiros

28 jan 2021 - 05h10
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Há uma série de coincidências entre dois espetáculos de dança inéditos que o público poderá assistir a partir desta quinta-feira, 28. Além de estrearem no mesmo dia, são produções que se inspiram na obra de artistas plásticos brasileiros e que precisaram passar por adaptações em função da pandemia, optando pelo formato das transmissões online.

Não é de hoje que a Cia. Druw debruça-se sobre a obra de grandes artistas da história. Kandinsky, Tarsila do Amaral, Van Gogh e Salvador Dalí estão entre os nomes que inspiraram encenações anteriores do grupo criado em 1996 pela coreógrafa Miriam Druwe. Agora, é um dos principais nomes do modernismo brasileiro, Candido Portinari (1903-1962), que tem sua obra lembrada e é homenageado em novo espetáculo infantojuvenil da companhia, intitulado Por Ti Portinari.

A outra produção, por sua vez, lança luz sobre o universo pictórico e escultórico da artista japonesa, naturalizada brasileira, Tomie Ohtake (1913-2015). Fruto de parceria entre a performer Emilie Sugai e o diretor Lee Taylor, o espetáculo, chamado AKA, tem como referência a dança butô, expressão desenvolvida pelo japonês Tatsumi Hijikata nos anos 1950 e ligada a movimentos de vanguarda. Idealizado para ser encenado presencialmente, o trabalho foi transposto para o formato audiovisual pelo cineasta Joel Pizzini, parceiro de criação de Sugai desde 2003.

Sobre o cruzamento entre arte e dança, o diretor Lee Taylor avalia que a "troca ampliou ainda mais as possibilidades de leitura de ambas linguagens por alimentar o imaginário e revelar diversas nuances resultantes dessas fricções". Entre os recursos cênicos explorados em AKA, por exemplo, as cores utilizadas por Tomie em suas obras pontuam diferentes momentos do espetáculo.

Levar essa combinação de linguagens às crianças, como é o caso de Por Ti Portinari, impõe ainda outros desafios. De acordo com Miriam, a concepção envolve reflexões sobre quais "ganchos" retirar da obra e da vida do pintor e sobre como estabelecer pontes que "dialoguem e encontrem ressonância com o imaginário infantil". Considerando que o espetáculo tem como ponto de partida a dramaticidade dos painéis Guerra e Paz, produzidos por Portinari entre 1952 e 1956 e exibidos na sede da ONU, em Nova York, esses desafios ficam ainda mais evidentes.

Portinari em cena. O espetáculo da Cia. Druw é resultado de um antigo desejo de Miriam. A preocupação com os direitos autorais, contudo, fez a diretora engavetar o projeto. Em 2019, a partir de uma conversa com Marcela Benvegnu, curadora de um festival do qual sua companhia participava, a ideia tornou-se mais factível: Marcela sugeriu apresentar Miriam a João Candido Portinari, filho do artista, que não hesitou em acolher a proposta e acabou até mesmo colaborando com o espetáculo. "O João é de uma grande generosidade. Tem um amor pela obra do pai e, por isso, digo que é um herói. Só temos acesso a esse acervo por causa de todo o trabalho que ele desenvolveu, viajando pelo mundo, catalogando as obras. Foi muito acolhedor conosco", conta Miriam.

"Quando comecei a escrever o projeto, a obra que acabou me arrebatando foi Guerra e Paz, quando mal sabíamos que entraríamos na guerra", brinca a diretora, referindo-se à pandemia. Em um processo criativo "colaborativo", que envolveu a diretora, os bailarinos (dentre eles, os atores Thiago Amaral e Fabrício Licursi) e a consultoria de Cristiane Paoli Quito, o grupo passou a investigar qual era a "travessia" da guerra para a paz. Um dos "insights" que acabaram pautando o espetáculo foi que, no painel da Guerra, Portinari universalizou a dor, mas também imprimiu na tela as suas memórias de infância, ligadas aos retirantes. Vem daí também a travessia: "Ele foi para o mundo e quis voltar pra Brodowski; quis retomar a paz retornando ao estado de infância", diz Miriam. Foi assim que surgiram os "ganchos" e as "pontes" para a encenação.

A forma de conectar a tensão entre a paz e a guerra com o universo infantil foi a inserção em cena de uma série de brincadeiras que trazem conflitos dentro delas, como a amarelinha - que vai do inferno ao céu -, ou nos próprios nomes, como "cabo de guerra" e "vivo ou morto". Tudo isso trazendo à tona, em projeções, outras obras do artista, como Os Retirantes (1944), Os Espantalhos (1959) e Meninos no Balanço (1960). A trilha sonora, assinada por Ed Côrtes, acompanha a tensão da dramaturgia, costurada ainda pela leitura de poemas de Portinari e de trechos do livro Meninos de Brodowski, de João Candido. Uma das principais preocupações, segundo Miriam, era não tornar a produção do artista um mero "pano de fundo". Assim, o título ressoa outros sentidos: "O 'Por Ti' não é apenas uma homenagem a ele; mostra que o espetáculo atravessa a obra dele".

Universo de Tomie. Pode-se dizer que AKA, mais do que uma homenagem, também propõe uma travessia - no caso, pela obra de Tomie Ohtake. "Nós não vamos mostrar as obras dela, mas é como se, pela dança, a pintura fosse nascendo do meu corpo", explica a performer Emilie Sugai. Parceiros de longa data, desde a época em que integraram o Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho, ela e Lee Taylor planejavam o espetáculo antes mesmo da morte de Tomie, em 2015. "A pesquisa para criação do trabalho teve como ponto de partida o pensamento zen, o vazio e a noção de infinito. Na busca por referências, me lembrei de Tomie e percebi que fazia muito sentido nos aprofundarmos em suas criações", conta o diretor. A morte da artista acabou fortalecendo, segundo ele, a vontade de homenageá-la.

O espetáculo é dividido em quatro "estações", ligadas às diferentes linguagens trabalhadas pela artista: esboços, gravura, pintura e escultura. As cores atribuídas a cada uma delas (o branco, o amarelo, o azul e o vermelho) eram as mais empregadas por Tomie em suas criações e reforçam agora a proposta sensorial da encenação.

Com a pandemia, a solução encontrada para apresentar a produção foi adaptá-la ao formato audiovisual. A dupla convidou o cineasta Joel Pizzini para filmar a performance no Teatro Faap e, então, transmiti-la virtualmente. Eles reconhecem que o formato possibilita que a obra seja vista de qualquer lugar e por outros ângulos, lamentam a perda de contato mais imediato com o público, mas esperam que acabe por despertar a vontade de ver a produção ao vivo, quando isso for possível.

SERVIÇO

Por Ti Portinari: 28/1, 18h; 30 e 31/1, 12h, 16h e 18h; 29/1, 1º, 2 e 3/2, 12h e 18h. Grátis. Acesso em youtube.com/ciadruw.

AKA: 5ª, 19h; 6ª e sáb., 20h; dom., 17h. Até 7/2. Grátis. Acesso em sympla.com.br/aka.

TRAJETÓRIAS

Tomie Ohtake

Nascida no Japão e naturalizada brasileira, a artista é lembrada pelo abstracionismo informal e pelo diálogo com diferentes linguagens. Morreu em 2015, aos 101 anos.

Candido Portinari

Nome de destaque do modernismo, consagrou-se pela pintura de personagens como trabalhadores e imigrantes. Seus icônicos painéis Guerra e Paz ocupam a sede da ONU.

Estadão
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