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Artista periférico recria história negra através da colagem

A arte produzida na periferia não é apenas arte. É uma documentação histórica, diz o artista Del Nunes

11 ago 2022 - 16h58
(atualizado em 12/8/2022 às 09h41)
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Del Nunes.
Del Nunes.
Foto: Caio Oliveira.

Através de diversas manifestações artísticas, a arte tornou-se um elemento importante na construção da história, seja por meio da dança, da música, ou até mesmo através das artes visuais, tudo se transforma numa forma de entregar emoções.

Mesmo estando presente em todas as culturas de forma universal, para o povo preto, a arte tem um significado a mais. Expressar suas manifestações políticas, trazer para a população preta e periférica a verdade sobre suas raízes apagadas por uma elite branca, além de proporcionar o surgimento de novos artistas oriundos da periferia.

“O povo preto de periferia durante muito tempo foi silenciado, estereotipado e até mesmo ridicularizado. Agora há empoderamento e espaços estão sendo construídos para que esse povo tome posse, seja do audiovisual, da literatura, das artes cênicas e das multilinguagens”, conta Del Nunes, artista visual de Salvador.

 O Cria, releitura de O Mestiço de Cândido Portinari.
O Cria, releitura de O Mestiço de Cândido Portinari.
Foto: Del Nunes.

Oriundo de São Cristóvão, bairro periférico de Salvador, Uendel Nunes (24), transmite em suas produções a essência da cultura preta, cria e recria momentos do povo negro apagados pela história, ressignifica o espaço das redes sociais transformando-o em um acervo de arte com propósito e espaço de empoderamento negro.

“Estamos produzindo e também consumindo muito conteúdo produzido pela juventude favelada e é claro que o contexto histórico, social e político que o Brasil vive influencia em toda essa documentação”, relata Del Nunes.

Criador de conteúdo para internet desde os 14 anos – motivo que o levou a formação em comunicação social – Uendel sempre esteve ligado a arte, criando para comunidades, páginas de facebook, blogs e até mesmo fã clubes. Em 2018, surgiram as colagens digitais como experimento e hoje, seu trabalho é nacionalmente reconhecido e através desse espaço ele percebeu que o improvável não é impossível.

A rede social pode ser muito bem aproveitada, nas mãos de quem sabe o que faz ela se torna grande aliada e foi o que aconteceu com o artista, ao deixar que as redes sociais o influenciassem criativamente, a ponto de descontruir todas as fotos e unificá-las.

Daqui de cima eu tenho o mundo em minhas mãos.
Daqui de cima eu tenho o mundo em minhas mãos.
Foto: Del Nunes e Rafael Freire.

“Todas as artes foram criadas no meu quarto, no meu íntimo, no meu particular. Não havia grandes pretensões. Foi quando eu percebi que o improvável não é impossível. Eu nunca imaginei que minha arte fosse impactar várias pessoas, para mim era muito improvável que os atores, músicos e apresentadores que eu cresci assistindo estivessem, agora, olhando para mim, me seguindo. Ou que as pessoas iriam se conectar às colagens ao ponto de me admirar como pessoa e gostar de cada arte publicada”, ressalta Del Nunes.

Segundo o artista, estamos inseridos na cultura do “remix”, onde os internautas não querem apenas consumir conteúdo de forma passiva, eles querem interagir, compartilhar, transmitir e republicar e isso é gerar conteúdo.

“Quando a gente abre um storie e posta uma foto, tirada por nós ou compartilhada, e escreve a nossa opinião, já estamos criando conteúdo. Então a juventude periférica tem se movimentado para remixar tudo, minhas próprias colagens são remixes de fotografias e obras clássicas”, explica Uendel.

O trabalho desenvolvido pelo artista é a mais pura representação da luta e resistência de um povo que teve sua cultura roubada, a arte criada por Del Nunes, seja física ou trabalhada de forma digital é um resgate não só da ancestralidade, é também a construção do momento social e político atual que as futuras gerações poderão ver e entender através da arte.

 Favela também é cidade.
Favela também é cidade.
Foto: Del Nunes, Gabriel Xavier e Caio Oliveira.

“Manter uma cultura viva é, sobretudo, um ato de luta visto que, historicamente, a colonização se empenhou em apagar, através de diversos métodos, religiões, costumes, tradições, línguas e até mesmo a culinária dos povos originários. Todas as artes que esses povos produziram foram roubadas e postas em museus ou, parafraseando Baco, tudo que era preto do demônio, depois virou branco e foi aceito. Por isso eu acredito que a materialidade é algo importante para que as gerações futuras possam compreender o agora”, finaliza Del Nunes.

Atualmente, o artista também está trabalhando a ideia de produzir um livro ou uma obra audiovisual. Ainda sem data prevista, a ideia é que tal projeto ganhe o mundo no primeiro semestre de 2023.

ANF
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