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Mulheres em cargos mais altos da ciência ainda dependem de políticas públicas, diz pesquisadora

Vencedora do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq conversou com o Byte sobre participação de mulheres na ciência

8 mar 2024 - 09h35
(atualizado às 11h51)
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Maior inclusão de mulheres na ciência deve ser feita com políticas públicas, diz pesquisadora
Maior inclusão de mulheres na ciência deve ser feita com políticas públicas, diz pesquisadora
Foto: Thomaz Silva/Agência Brasil

A presença feminina nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática avança a passos lentos. No Brasil, mulheres representam quase metade da produção científica desde 2017, de acordo com a Elsevier. Porém, essa proporção cai significativamente nos níveis mais altos da carreira acadêmica, revelando um cenário menos favorável quanto mais avançada a posição.

"O problema está, sobretudo, na ascensão da carreira", afirma Sabine Righetti, ganhadora do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em entrevista ao Byte.

Dados do CNPq mostram que, embora haja um aumento no número de mulheres ingressando na ciência, elas permanecem subrepresentadas nos escalões superiores, incluindo nas concessões das bolsas mais prestigiosas e de maior responsabilidade.

Das 112 posições de pesquisadores seniores na instituição, apenas 27 são ocupadas por mulheres. Esses cargos são destinados aos profissionais que se destacam como líderes e referências em suas áreas, mantendo-se por, no mínimo, 15 anos nos patamares mais elevados de produtividade científica.

Retirar o "teto de vidro" que limita o acesso das cientistas a posições de destaque é papel das políticas públicas, segundo Righetti. Ela ressalta que, embora a atual administração reconheça essa problemática — ao contrário da gestão anterior —, a jornada para superá-la é extensa.

A pesquisadora também enfatiza a importância da diversidade e representatividade para superar barreiras culturais que dificultam o avanço das mulheres na ciência, conforme relatou ao Byte.

Sabine Righetti é pesquisadora no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) na Unicamp, focando em comunicação social da ciência, jornalismo científico, percepção pública da ciência e da tecnologia, avaliação e indicadores de ciência e de ensino superior. Tem mestrado e doutorado em política científica e tecnológica pela Unicamp e coordena a Agência Bori, projeto de disseminação da ciência nacional à imprensa do país lançado em 2020.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

No Brasil, o interesse do público por ciência e tecnologia é notável? Como você avalia a atual percepção pública dessas áreas, especialmente após a pandemia, que parece ter valorizado mais a ciência?

Righetti: Existem métodos para medir o interesse, o conhecimento, o engajamento e a valorização da ciência, que são as pesquisas de percepção pública da ciência.

A mais recente pesquisa abrangente realizada no Brasil pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (CGEE/MCTI), em 2019, revelou um grande interesse das pessoas pela ciência, apesar de um amplo desconhecimento sobre cientistas ou instituições científicas. Por exemplo, nove em cada dez brasileiros não conseguiam nomear um cientista na época do estudo.

Pesquisas mais recentes, como a do instituto Sou_Ciência de 2021/2022, indicaram que, durante a pandemia, houve um aumento no conhecimento da população sobre cientistas brasileiros. Eu atribuo isso à maior exposição dos cientistas na mídia, influenciando diretamente o interesse das pessoas pela ciência.

Sabine Righeti, vencedora do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Sabine Righeti, vencedora do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Foto: Divulgação/Wanezza Soares

Como você percebe a situação do incentivo à formação em ciência e tecnologia para mulheres no Brasil? Existem diferenças marcantes em comparação com outros países?

Righetti: O incentivo à formação em ciência e tecnologia é uma questão multifacetada, que envolve temas que chegam até na primeira infância

Se a gente reforça na sociedade o tempo todo que a ciência é masculina, por meio de brinquedos, filmes e outras coisas, fica muito difícil para as meninas se verem como cientistas no futuro. Outro dia fui a uma loja de chocolates perto do Dia das Crianças e havia uma caixa com bombons em forma de dinossauros e, para meninas, em forma de bolsas e sapatos. Esse fenômeno é global.

Quais estratégias você considera eficazes para assegurar que as mulheres avancem para posições de maior prestígio e responsabilidade, sem ficarem estagnadas nos níveis iniciais?

Righetti: As mulheres já representam quase metade da produção científica nacional, mas o grande desafio está na progressão da carreira. A liderança em departamentos, grupos de pesquisa e instituições ainda é predominantemente masculina.

As universidades estaduais paulistas Unicamp e Unesp, por exemplo, nunca tiveram uma reitora mulher. A USP só teve uma reitora mulher — e está se aproximando dos 100 anos!

Isso acontece porque as mulheres chegam às carreiras científicas, mas são bloqueadas por um "teto de vidro", que se mostra, sobretudo, na maternidade, quando há uma "queda de produtividade" no período de licença maternidade.

O único jeito de enfrentar isso é com políticas públicas que levem em conta, por exemplo, os próprios períodos de licença maternidade na progressão de carreira. E não podemos aceitar, como sociedade, ter uma imensa maioria de homens brancos comandando a ciência brasileira em todas as suas instâncias. O Brasil é diverso e a ciência precisa dessa diversidade.

Mulheres negras e indígenas são ainda menos representadas na ciência. Como enfrentar esse desafio?

Righetti: Também com políticas públicas. E, nesse caso, temos um problema adicional: conhecemos muito pouco sobre a participação racial na ciência. Discuti isso recentemente em um artigo. Pouco se sabe sobre a presença de cientistas negros e indígenas na produção científica e sua representação na pós-graduação e no corpo docente universitário.

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Com as recentes mudanças governamentais, você nota diferenças significativas nas políticas de ciência e tecnologia, especialmente quanto à inclusão de mulheres e minorias?

Righetti: Há uma aceitação do problema — e isso é o primeiro passo para resolvê-lo. Mas ainda estamos caminhando lentamente. Isso ficou evidente com os relatos do movimento Parent in Science sobre pareceres problemáticos do CNPq contra pesquisadoras, sem uma resposta adequada da agência.

Qual o impacto da representatividade feminina na ciência, e como exemplos de mulheres bem-sucedidas podem inspirar futuras gerações?

Tenho uma aluna do mestrado no Labjor-Unicamp, Fernanda Andrade, que está estudando exatamente isso. Minha aluna já viu, por exemplo, que a participação feminina na produção sobre Covid-19 no Brasil foi muito maior do que a participação feminina de cientistas falando sobre Covid-19 na imprensa.

A literatura mostra que a presença de cientistas em diversas fontes de informação e consumo da nossa sociedade — como imprensa, filmes, livros, entre outros — afeta diretamente a percepção da nossa sociedade sobre a ciência.

Ora, se só acesso homens brancos quando o assunto é ciência, então eu concluo que a ciência é exclusiva de homens brancos. Justamente por isso, precisamos ter diversidade na representatividade feminina.

Fonte: Redação Byte
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