'Se não retivermos talentos, continuaremos consumidores', diz presidente da comissão de IA na Câmara
Deputada Canziani, que conduz trabalhos para elaborar texto, diz que é preciso estimular políticas multisetoriais para manter desenvolvedores no País e evitar 'fuga de cérebros'
BRASÍLIA - A presidente da Comissão Especial que elabora um projeto para regular inteligência artificial (IA) no Brasil, deputada Luísa Canziani (PSD-PR) disse que as prioridades dela para a proposição serão garantir segurança jurídica para atrair investimentos e trazer a discussão do letramento digital e infraestrutura de conexão no Brasil.
A parlamentar, que conduz os trabalhos para a elaboração do projeto de lei, diz ter grande preocupação com a "fuga de cérebros" no desenvolvimento de inteligência artificial no Brasil.
"É preciso garantir fomento. Fazer com que os recursos sejam alocados para iniciativas que desenvolvam a tecnologia, que garantam infraestrutura e que garantam esse cenário de retenção de cérebros e de formação de mão de obra qualificada para a tecnologia", afirma a deputada.
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgado neste ano mostra que 12 milhões de lares brasileiros não têm acesso à internet.
Em entrevista exclusiva ao Estadão, Canziani também afirma que a Comissão Especial analisa referências bem-sucedidas na Europa e em países como China e Japão. "A gente tem buscado esses marcos regulatórios para nos inspirar, obviamente adaptando a nossa realidade enquanto país, enquanto nação", afirma.
Também nessa conversa, a parlamentar fala quais os próximos planos para os trabalhos do colegiado e fala sobre os diálogos com o Poder Executivo, chefiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Sabemos que em algumas discussões o Executivo está sendo pouco participativo", concluiu. " Mas está sendo chamado para a discussão, assim como outros atores importantes no processo."
O projeto sobre regulação de IA é uma das principais apostas do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para apresentar o seu legado no comando da Casa legislativa. Ele espera que os trabalhos concluam ainda neste ano.
Essa proposição veio do Senado, que aprovou o texto no final de 2024.
Veja a entrevista com Luísa Canziani:
Qual a avaliação da senhora sobre o desenvolvimento de tecnologias ligadas à inteligência artificial no Brasil?
Temos grandes iniciativas no Norte, no Nordeste, no Sul, no Sudeste como o Porto Digital, em Recife, e o hub de Inteligência Artificial do Senai no Paraná. Agora, mais do que nunca a gente precisa garantir as condições para que haja o desenvolvimento da tecnologia. E, para que isso aconteça, obviamente, a gente precisa garantir segurança jurídica, a gente precisa estimular a educação, com políticas públicas letramento digital.
Seriam esses os principais desafios para o desenvolvimento de tecnologia no País?
Eu tenho dito que para a gente discutir a inteligência artificial no Brasil, a gente tem que discutir outras três inteligências: a primeira é inteligência institucional, estrutura de inteligência e, mais do que nunca, a inteligência humana. A primeira tem a ver com segurança jurídica - a segurança jurídica não só no cumprimento das leis, mas também na concepção das leis. É preciso criar essas regras claras, que deem essa confiança para os investidores, pesquisadores, para quem empreende, para que os custos de conformidade, principalmente para aqueles pequenos e médios desenvolvedores, não sejam excessivos.
E os outros dois?
A questão da infraestrutura inteligente, que envolve a descentralização dos data centers. Os supercomputadores, garantir que o País tenha mais supercomputadores. Uma pesquisa do TCU diz que mais da metade da população brasileira está em situação de baixa conectividade. E ainda temos 12 milhões de casas brasileiras sem internet. A gente tem que garantir infraestrutura, acesso à internet, para que a boa conexão possa alcançar diferentes grupos econômicos. O último ponto tem a ver com o letramento digital, como já falamos. Nós estamos vivendo um processo de fuga de cérebros, a gente está vivenciando uma competição internacional por talentos, por mão de obra qualificada e, depois da pandemia, com trabalho remoto, isso ficou ainda mais evidente. Se a gente não tiver uma política para criar e reter esses talentos, a gente vai continuar nesse papel de apenas consumidor dessa tecnologia.
São esses os pontos que a senhora espera que o projeto sobre IA no Brasil possa apresentar?
O projeto pretende alcançar esses desafios. Garantir esse marco de regras claras, que possam atrair investimentos, não só investimentos internacionais, mas garantir também segurança jurídica para que, principalmente, os pequenos e médios desenvolvedores possam desenvolver a tecnologia com segurança e, além disso, que a gente possa proteger a integridade física e moral dos nossos cidadãos.
Quais são os próximos passos do trabalho da comissão?
Estamos na fase das audiências públicas. Depois, vamos para os seminários regionais. Faremos seminários pelo menos um em cada região do Brasil e chamamos os ecossistemas de inovação das regiões, as universidades. Inseriremos, assim, a num contexto estadual e regional a nossa discussão na comissão. E depois terminaremos esse esse nosso ciclo de trabalho através da comissão especial com a área internacional, que nós estamos inserindo a Secretaria de Relações Internacionais da casa, as embaixadas para que a gente possa promover esse grande encontro nacional e internacional na Câmara.
Como está o diálogo com o Poder Executivo?
O Executivo vem participando desse debate. O Executivo tem sido chamado para todas as audiências públicas, e já, foram várias as representações que o Executivo nos mandou. Tivemos, por exemplo, desde a participação no ministério da Cultura no tema de direitos autorais, a participação, do ministério da Ciência e Tecnologia, quando a gente falou de infraestrutura. O Executivo está sendo chamado para a discussão, assim como outros atores importantes no processo. Eu acho ressaltar também a questão do PBIA, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que nós temos também feito essa interface para garantir não só esse marco legal capaz de superar os nossos os nossos desafios e oportunidades que o nosso país tem acerca da inteligência artificial, mas também garantir fomento. Fazer com que os recursos sejam alocados para iniciativas que desenvolvam a tecnologia, que garantam infraestrutura e que garantam esse cenário de retenção de cérebros e de formação de mão de obra qualificada para a tecnologia.