'Computação quântica terá mesmo impacto da IA quando afetar pessoas comuns', diz pesquisador
James Daniel Whitfield, professor do Dartmouth College, participa do Rio Innovation Week e fala ao 'Estadão' sobre os avanços da tecnologia quântica
James Daniel Whitfield chegou no mundo da computação quântica quando "tudo era mato". Ao iniciar a carreira em 2006, o professor do Dartmouth College (EUA) não imaginava que toda aquela teoria poderia se transformar em uma indústria — hoje, gigantes da tecnologia, como Amazon, Google, IBM e Microsoft, além de startups europeias, estão em uma corrida para quem consegue máquinas funcionais e livres de erros.
Para ele, o campo vive um momento que se assemelha ao que passou a inteligência artificial antes da popularização pelo ChatGPT, a partir de novembro de 2022. Ou seja, a computação quântica ainda não tem o reconhecimento cultural da IA — uma questão que será superada, diz ele.
Whitfield vem ao Brasil em agosto para participar do Rio Innovation Week (RIW), um dos principais eventos de inovação do País, que acontece entre 12 e 15 de agosto — o Estadão é parceiro de mídia do RIW. Na sua palestra, ele falará sobre os avanços da computação quântica e, em conversa com a reportagem, ele adiantou parte da conversa. Falou sobre os desafios e progressos de uma das áreas que prometem revolucionar diferentes indústrias. E avisou: a tecnologia não pode aumentar o abismo entre as pessoas.
Veja os melhores momentos abaixo.
O que mais te empolga em computação quântica?
Há muitas coisas empolgantes. Uma delas é que muitas das ideias da mecânica quântica se tornaram reais Agora, precisamos de novas maneiras de pensar sobre a mecânica quântica que não sejam tão teóricas, mas mais orientadas para a engenharia. Há muito investimento de empresas e corporações em todo o mundo que realmente impulsionou a computação quântica a um ponto em que está começando a se tornar uma tecnologia real, talvez não em aplicações, mas ela está sendo desenvolvida em direção a aplicações.
Por que as empresas deveriam estar prestando atenção à computação quântica neste momento?
As empresas já estão prestando atenção à computação quântica. Muitas delas, as grandes empresas de tecnologia, já estão investindo pesadamente. Há muitas startups e empresas de software que também estão desenvolvendo coisas relacionadas à computação quântica. Então, já se tornou uma realidade na indústria. Não atingiu o mesmo ponto dos LLMs neste momento. Mas se você pensar, a IA foi discutida por muito tempo antes de ter seu momento divisor de águas. Você precisa construir a tecnologia e ter os data centers, hardware e infraestrutura prontos para que aconteça. Na computação quântica, estamos em um momento que é anterior a quando a IA se tornou interessante. Há muitos protótipos, muitos dispositivos quânticos que estão crescendo, muitos experimentos de demonstração das diferentes partes da tecnologia, até um ponto de virada.
Empresas fora do setor de tecnologia deveriam se importar?
Para o consumidor comum ou empresas não tecnológicas talvez não seja relevante. Mas para as empresas que são de tecnologia ou que estão se inclinando para a tecnologia, faz sentido prestar atenção nas tecnologias que estão chegando. Se você está construindo pontes, talvez isso não o afete tão cedo. No setor financeiro, há muito esforço para alavancar a computação quântica, na tentativa de otimizar problemas de interesse da indústria. O setor aeroespacial também adquiriu tecnologia quântica ao longo dos anos, onde até um pequeno avanço compensa. Quando você tem problemas nessa escala, onde a computação é o desafio, a computação quântica aparecendo muito mais cedo.
É possível que a computação quântica se torne a próxima IA, no sentido de um superciclo de grande entusiasmo e investimento? Existem paralelos entre IA e computação quântica?
Há muitos paralelos e conexões entre as duas. Até aqui, IA tem um significado cultural que ainda falta na computação quântica. E não estamos perto de que isso aconteça. Isso vai mudar quando afetar o consumidor comum. Na computação quântica, você vê o hardware crescendo atualmente. Já a IA é impulsionada por software. Então, a computação quântica está construindo o hardware para executar qualquer aplicação que teremos no futuro. Assim, você também pode imaginar que ter um dispositivo quântico permitiria obter dados que você não poderia gerar de outra forma e isso pode nos dar melhores modelos de linguagem e melhor IA.
Em termos de construção de hardware, quais são os desafios técnicos para escalar essas máquinas neste momento?
Uma das coisas que acho que falta é a modularidade dos dispositivos. Pense nas arquiteturas do computador moderno. Você tem disco rígido, CPU, RAM e diferentes partes que funcionam independentemente e têm interconexões. No momento, a computação quântica tem muitos paradigmas diferentes para construir o dispositivo e todos eles têm pontos fortes e fracos, diferentes progressos e diferentes qualidades de progresso. Esses avanços estão todos separados. O que quero é vê-los se tornarem integrados, onde você tem um dispositivo que faz uma coisa conectado a outro, que faz uma parte diferente da computação. Isso não está acontecendo agora, mas é o que precisamos para que esses aparelhos passem de experimentos para algo mais simples.
Quais áreas devem ser transformadas pela computação quântica?
Muitas das ideias apresentadas na literatura giram em torno da otimização, mas eu sou pessimista em relação a isso. Não que não vá funcionar, mas tenho muita dificuldade em pensar que será onde a computação quântica entregará o maior valor. Minha área de pesquisa é a simulação quântica, que é quando estudamos um sistema físico sobre o qual queremos saber algo. Descobrir quais são os diferentes caminhos requer muita computação e ter um dispositivo quântico nos permitiria pensar nesses problemas onde poderíamos fazer a simulação. Um dos exemplos que gosto é como os testes de colisão de automóveis, onde você tem um o bate contra uma parede, e mede as forças, ângulos e tudo o que houve de dispersão. Você pode fazer o mesmo com um dispositivo quântico, onde você pega uma molécula e pode fazer um teste de estresse. Uma das áreas em que isso aparece com mais frequência na química e na física é a espectroscopia, onde usamos a luz para aprender sobre as coisas. Qual é a resposta em uma frequência particular ou o que vemos quando olhamos para ela? E você pode fazer simulações em uma escala maior se tivesse um dispositivo quântico. A IA tem feito coisas maravilhosas para a química quântica. No entanto, os algoritmos dependem da qualidade dos dados, e, atualmente, eles são de baixa qualidade. A computação quântica poderia ajudar na melhoria desses dados. Mesmo que tivéssemos um computador quântico que não pudesse necessariamente ser muito melhor do que um computador clássico, mas pudesse ser mais rápido, isso valeria o esforço e o investimento do ponto de vista da química quântica.
Quais são os riscos que a computação quântica traz para a sociedade?
Uma das coisas que impulsionou a computação quântica foi a ideia de seus usos em criptografia. A tecnologia tem a capacidade de fatorar grandes números primos eficientemente. Na década de 1990, Peter Shor escreveu seu algoritmo de fatoração que alertou a todos que a computação quântica representa ameaça aos protocolos de comunicação. Nos EUA, há muito trabalho em criptografia pós-quântica. Na China, há muito trabalho na construção de redes criptográficas quânticas em larga escala, na qual o emaranhamento é compartilhado para manter segredos e protegê-los. O próximo nível da pergunta é o que a tecnologia faz pela sociedade? É importante garantir que a computação quântica não exacerbe a divisão digital, fazendo com que as pessoas que têm acesso a recursos quânticos e as que não têm vejam o abismo crescer. Isso fará com que pessoas com alta fluência técnica se tornem ainda mais valorizadas e bem-sucedidas do que pessoas com baixa fluência técnica. Com a computação quântica, tem havido muita reflexão sobre isso. Uma das coisas em que me envolvo é pensar sobre a educação quântica. O que significa chegar a todos que são inteligentes e dar-lhes a chance de aprender computação quântica?
O cenário geopolítico global vive uma fase bastante instável. Isso pode de alguma forma afetar o desenvolvimento de computadores quânticos?
O cenário geopolítico tem sido muito interessante por causa do aspecto de competição. De certa forma, a situação geopolítica tem impulsionado muito a computação quântica. Se pensarmos na ida à Lua, havia um enorme aspecto competitivo, mas de uma forma saudável. Obtivemos muitas tecnologias boas com isso. Não foi uma competição destrutiva. Do mesmo ponto de vista, isso tem impulsionado o investimento na computação quântica. No momento, o cenário tem gerado uma ótima maneira para as pessoas trabalharem juntas, em vez de ser uma forma de causar divisões.
Como o sr. imagina o campo da computação quântica daqui a 10 ou 20 anos?
Não gosto de especular sobre o futuro apenas pela minha sanidade mental, mas talvez eu tente aqui. No momento, a trajetória em que estamos é que as pessoas estão testando a construção desses dispositivos quânticos. O que acontece depois deixa muitas perguntas abertas. No momento, há muitos caminhos para a construção de hardware e eles vão virar realidade. Quando isso acontecer será um bom momento para reavaliar: "o que construímos?", "o que temos?". Há muitas ideias sobre para que usá-lo, mas acho que essas ideias mudarão drasticamente assim que o tivermos em mãos.
Informações sobre o Rio Innovation Week 2025
- Data: 12 a 15 de agosto de 2025;
- Horário: 10:00 às 21:00;
- Local: Pier Mauá, Av. Rodrigues Alves, 10 - Praça Mauá, Rio de Janeiro;