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Pesquisa

Lampejos podem decifrar evolução dos vagalumes, diz estudo

Lampejos de luz podem decifrar evolução dos vagalumes, diz estudo

1 jul 2009 - 09h15
(atualizado às 09h44)
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Sara Lewis fala fluentemente a língua dos vagalumes. Esta noite, ela está caminhando pelos campos agrícolas do leste de Massachusetts, e observa os primeiros vagalumes em sua ascensão para o céu noturno, e os lampejos que eles começam a emitir. Lewis, ecologista evolutiva da Universidade Tufts, aponta para seis espécies presentes nessa pradaria, cada qual com um padrão próprio de lampejos.

Sara Lewis é ecologista evolutiva da Universidade Tufts
Sara Lewis é ecologista evolutiva da Universidade Tufts
Foto: The New York Times

Em dos extremos do prado ficam os Photinus greeni, com pulsos duplos de luz separados por três segundos de escuridão. Próximos de um regato, os Photinus ignitus, com piscadas simples a intervalos de cinco segundos. E, perto de um bosque, há os Pyractomena angulata, que empregam o padrão de piscadas luminosas preferido de Lewis: "É como um chuvisco de luzes alaranjadas", ela diz.

Os vagalumes em voo são todos machos. Paradas na relva, aponta Lewis, as fêmeas observam. Estão à procura de padrões luminosos de machos de sua espécie, e ocasionalmente respondem com um lampejo único, e sempre em prazo preciso depois que o macho brilha.

Lewis usa uma pequena lanterna para piscar duas vezes, imitando com perfeição o padrão dos Photonus greeni. Uma fêmea da espécie responde com um lampejo.

"A maioria das pessoas não compreende que existe um processo de chamado e resposta em curso", afirma Lewis. "Mas conversar com os vagalumes na verdade é muito, muito simples".

Para ela, o prado é palco de um verdadeiro drama invertebrado, repleto de paixão e de anseios, de duetos românticos e disputas de afeto, de ilusões crueis e mortes dolorosas. Ao longo dos últimos 16 anos, Lewis tem acompanhado o que acontece nesse prado a fim de decifrar as forças evolutivas que acompanham o espetáculo, enquanto os vagalumes se esforçam por sobreviver e transmitir seus genes à próxima geração.

Foi em uma noite parecida com essa, em 1980, que Lewis pela primeira vez caiu sob o encanto dos vagalumes. Ela estava fazendo pós-graduação na Universidade Duke, e estudava peixes que vivem em recifes de coral. À espera de verbas da escola para uma viagem de pesquisa a Belize, a única coisa que ela tinha para fazer era ficar sentada na varanda de sua casa, na Carolina do Norte.

"A cada noite havia uma incrível exibição de vagalumes", disse Lewis. Ela decidiu que começaria a estudar os insetos que contemplava em seu quintal, e a inspecionar os machos e fêmeas. "O que me espantou mais é que, em uma área de menos de meio hectare, havia centenas de machos e só consegui encontrar duas ou três fêmeas", ela disse. "E pensei comigo mesmo que era um processo de competição altamente intenso".

Quando número muito elevado de machos compete pela chance de acasalamento com fêmeas, uma espécie passa por uma forma especial de evolução. Caso os machos disponham de certos traços que os tornam atraentes para as fêmeas, tenderão a se acasalar mais do que outros machos. Essa preferência pode significar que os machos atraentes transfiram traços para a próxima geração. Ao longo de milhares de gerações, toda uma espécie pode se transformar.

Charles Darwin descreveu esse processo, que definiu como "seleção sexual", em 1871, usando as galhadas de alces machos e as penas dos pássaros como exemplos. Seu trabalho não mencionava os vagalumes. Na verdade, os vagalumes continuariam razoavelmente misteriosos por mais um século. Não foi senão na década de 60 que o biólogo James Lloyd, da Universidade da Flórida, decifrou os padrões de chamado e resposta de diversas espécies de vagalumes norte-americanos.

Lewis, ao perceber que restavam outros mistérios a resolver sobre os vagalumes, trocou o estudo dos peixes pelo novo campo, em 1984, quando começou sua pesquisa de pós-doutorado na Universidade Harvard. Ela aprendeu a decifrar o código dos vagalumes revelado por Lloyd, e depois começou a investigar os hábitos de acasalamento dos animais.

Os vagalumes norte-americanos passam dois anos enterrados na terra como larvas, e depois passam as duas semanas finais de suas vidas como adultos, voando, piscando suas luzes, se acasalando e pondo ovos. Quando Lewis começou a estudar vagalumes, os cientistas não sabiam se as fêmeas se acasalavam uma vez e punham todos os seus ovos ou se faziam acasalamentos com múltiplos machos.

"Ninguém sabia o que acontece depois que as luzes se apagam", disse Lewis.

Ela procurava por vagalumes em acasalamento, à noite, e marcava com bandeirolas as posições em que os encontrava, e depois monitorava o que estava acontecendo a cada meia hora, ao longo da noite. Os vagalumes continuavam se acasalando, quando raiava o dia.

"Era bacana ver o sol nascer e os casais se afastando. As fêmeas rastejavam pela grama, procurando locais para depositar seus ovos", disse Lewis.

Muitos norte-americanos estão familiarizados com os vagalumes que Lewis estuda, mas eles representam apenas uma pequena proporção das duas mil espécies desse inseto existentes no planeta, e as variações existentes entre elas podem ser enormes.

"Existem algumas espécies que lampejam, quando adultas, e outras que simplesmente brilham, quando adultas", disse Lewis. "Também existe todo um grupo de espécies nas quais os adultos não produzem qualquer luz".

Nos últimos anos, cientistas vêm analisando o ADN de vagalumes a fim de descobrir de que maneira sua luz se desenvolveu. O ancestral comum a todos os vagalumes hoje existentes provavelmente só produzia luminosidade em seu estágio de larva. Todas as larvas de vagalumes continuam a brilhar hoje, como um sinal de alerta a possíveis predadores. As larvas produzem compostos químicos de sabor amargo, que as tornariam desagradáveis como refeição.

Quando adultos, os vagalumes primitivos provavelmente se comunicavam por meio de sinais químicos, da mesma maneira que algumas das espécies modernas desse animal continuam a fazer até hoje. Apenas em estágio evolutivo muito posterior algumas espécies de vagalumes conquistaram a capacidade de produzir luz como adultos. Em lugar de servir como alerta, a luz se tornou um sinal de acasalamento. (Uma enzima encontrada na cauda do vagalume deflagra a reação química que produz luz.)

Quanto mais Lewis observava os rituais de acasalamento dos vagalumes, mais claro se tornava que as fêmeas escolhiam seus parceiros de maneira extremamente cuidadosa. Elas iniciavam diálogos com até 10 machos em uma mesma noite, e são capazes de manter diversas conversações em curso simultaneamente. Mas cada fêmea só se acasala com um macho, tipicamente aquele ao qual ela mais respondeu.

Lewis queria determinar se as fêmeas estavam selecionando os seus parceiros com base em variações dos padrões luminosos produzidos pelos machos. Para testar essa possibilidade, levou vagalumes fêmeas ao seu laboratório, onde dispõe de sistemas de luz computadorizados que conseguem imitar os padrões de lampejo de vagalumes. "Pode-se executar sinais específicos para as fêmeas e determinar a quais deles elas respondem", diz Lewis.

Os vagalumes fêmeas se provaram notavelmente seletivos. Em muitos casos, a piscada de um determinado macho passava sem qualquer resposta. Em determinadas espécies, as fêmeas tendiam a preferir padrões mais rápidos de pulsos luminosos. Em outras, as fêmeas tendiam a selecionar os machos cujos impulsos eram mais longos.

Se as fêmeas preferiam determinadas formas de lampejo a outras, Lewis queria determinar por que essas preferências teriam evoluído, inicialmente. Uma possível explicação estava na teoria de que os sinais oferecem aos vagalumes fêmeas uma indicação valiosa sobre os machos. De alguma maneira, o acasalamento com machos que exibem determinados padrões de lampejo deve permitir que as fêmeas produzam mais descendentes, e esses descendentes, quando fêmeas, herdariam as mesmas preferências.

É possível que as fêmeas utilizem os lampejos dos machos como maneira de determinar quais deles são capazes de propiciar as melhores oferendas. Em muitas espécies de invertebrados, o macho fornece comida à fêmea e a ajuda a cuidar de seus ovos. Lewis e seus colegas da Universidade Tufts descobriram que os vagalumes também são capazes de produzir o que os especialistas denominam de "presentes de núpcias" - pacotes de proteínas nas quais injetam seu esperma.

Lewis não está certa quanto ao motivo para que sua equipe tenha sido a primeira a identificar esse fator. Os presentes nupciais são formações em formato espiral que podem ocupar espaço considerável no abdome do vagalume macho. "São formações incrivelmente bonitas", ela afirma.

A recepção de presentes de núpcias, de acordo com as pesquisas de Lewis e seus colegas, pode fazer imensa diferença para o sucesso de um vagalume fêmea na reprodução. "Isso simplesmente dobra o número de ovos que uma fêmea é capaz de depositar em sua vida adulta", ela afirmou.

Um dos motivos para que o efeito dos presentes de núpcias seja tão forte é que os vagalumes não se alimentam durante suas duas semanas de existência adulta. Uma fêmea que esteja perecendo lentamente de fome pode utilizar o presente de núpcias para produzir maior número de ovos.

Em pelo menos algumas espécies, as fêmeas podem usar os lampejos para ajudar a identificar os machos dotados dos maiores presentes de núpcias. Lewis testou essa hipótese em duas espécies; no caso de uma delas, os machos com os lampejos mais conspícuos portavam os maiores presentes. Na outra, não havia correlação.

"Em alguns casos, os sinais podem ser honestos e em outros os sinais podem ser enganosos", disse Lewis.

Entre os vagalumes, táticas enganosas podem se desenvolver com grande facilidade, de fato. Um vagalume macho não queima muitas calorias adicionais ao produzir lampejos complexos. "O uso de energia aumenta, mas por pequena margem. Isso custa menos energia ao macho do que ficar voando", ela diz.

Se produzir luz é tão simples para os machos, parece estranho que nem todos eles tenham evoluído de forma a se tornarem mais atraentes para as fêmeas.

"O que os impede de produzir cada vez mais lampejos, cada vez mais longos?", questiona Lewis.

Observando o prado, ela apanhou sua rede de insetos e correu atrás de um vagalume de lampejo triplo que voava rápido. Lewis apanhou um animal que poderia responder sua pergunta. Ela guardou o espécime em um tubo e ligou uma lâmpada em seu visor, que permitia que observasse o animal. A espécie, conhecida como Photuris, é um vagalume que se alimenta de vagalumes.

"Trata-se de predadores realmente brutais", diz Lewis. Os vagalumes Photuris ocasionalmente realizam ataques aéreos, localizando vagalumes por seus lampejos e atacando do ar. Em outras ocasiões, ficam sentados em folhas de relva e respondem aos vagalumes machos com lampejos traiçoeiros. Quando os machos se aproximam, os photuri os capturam. "Eles agridem, mordem, sugam sangue - um procedimento bem violento", diz Lewis.

Ela descobriu que cada photuris pode comer diversos vagalumes por noite. Os photuri matam outros vagalumes para obter os produtos químicos de seus corpos, que utilizam como proteção contra predadores.

Para estudar como os hábitos predatórios afetam as presas, Lewis e seus colegas construíram armadilhas com material adesivo e equipadas de luzes que imitam os sinais de cortejo das vítimas dos photuri. Os cientistas descobriram que era mais provável que o Photuris atacasse quando o ritmo de lampejo é mais rápido. Em outras palavras, lampejos conspícuos, os preferidos pelas fêmeas, expõem os machos a maior risco de morte.

"Pelo menos na presença de predadores como o Photuris", disse Lewis, "haverá forte seleção para lampejos menos conspícuos".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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