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De Barcelona a Santos, cientista estuda como sobreviver ao colapso climático: 'Realismo e urgência'

Pesquisador Pedro Henrique Campello Torres, da Unesp, enfatiza a importância de traduzir a ciência em políticas públicas eficazes

25 out 2025 - 16h10
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Pedro Henrique Campello Torres é professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus do litoral paulista, e coordena o Laboratório de Desigualdade Ambiental, Mudanças Climáticas e Planejamento em Ambientes Socioecológicos. Ele foi um dos 20 brasileiros selecionados para integrar a equipe da próxima edição do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em entrevista ao Estadão, Torres destaca a evolução dos relatórios para incluir as ciências sociais aplicadas e temas como equidade, justiça climática e saberes ancestrais, paralelamente à crescente inclusão de cientistas mulheres e do Sul Global no painel. O pesquisador, que contribui no grupo focado em adaptação, enfatiza a importância de traduzir a ciência em políticas públicas eficazes e acessíveis à população.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a importância de um cientista brasileiro, com formação em humanidades, fazer parte dessa equipe e o que essa escolha do IPCC revela sobre as mudanças no clima?

São praticamente três anos de trabalho para atualizar o relatório atual, o AR6, que está indo para o AR7. A cada ciclo que passa, percebo uma evolução importante do ponto de vista da incorporação de pautas que são muito caras à minha pesquisa e à formação. Venho da área das ciências sociais aplicadas, com foco em planejamento territorial e gestão costeira, gestão pública e gestão ambiental. Essas expertises são cada vez mais desejáveis de serem incorporadas em um painel que era basicamente formado pelas ciências ditas naturais ou exatas. A partir de 2015, há um aumento progressivo da participação das ciências sociais, da política e dessa interface entre temas de política pública. Há uma valorização de pautas importantíssimas como equidade, questão de gênero e étnica. A expectativa é de que essa valorização, assim como a valorização de saberes ancestrais e oriundos de povos e populações tradicionais, seja cada vez mais reconhecida como fazer ciência, uma prática importantíssima. O objetivo é produzir um conhecimento que alie a pesquisa acadêmica em uma ciência de síntese, com a tomada de decisão, ou seja, com a política pública.

Quais são as expectativas em relação a esse trabalho com o relatório e o impacto nas políticas públicas?

A expectativa do relatório busca um equilíbrio entre o realismo e a urgência. O avanço que os últimos relatórios já trazem deixa clara a contribuição humana para a mudança climática; isso já está dado - apesar do que dizem os negacionistas. A questão que precisa ganhar a pauta é conseguir transformar esse conteúdo científico, traduzi-lo em algo palatável e compreensível para a população. É um desafio enorme e o relatório tem tentado cada vez mais mostrar que o que está acontecendo em escala global já está atingindo o morador na escala local. O tema da justiça climática já mostra quem são os mais impactados. É verdade que a mudança climática atinge todos, mas ela atinge cada um, cada grupo social, de uma forma diferente. Popularizar isso cada vez mais é fundamental para que a população esteja junto nesse processo, para mostrar que a gente precisa dar atenção e a emergência devidas a esse tema. Se a gente consegue atingir a população, a gente consegue atingir a outra ponta, que é a do tomador de decisão.

Como a sua pesquisa contribui no preparo das sociedades, da infraestrutura costeira e urbana, diante dessa mudança climática que está em pleno curso?

Tenho dois projetos em curso. O primeiro, em Santos, é o Abrigos Climáticos no Litoral de São Paulo. Ele busca construir com a população quais seriam as infraestruturas desejáveis para abrigos climáticos em cada território. Trabalhamos com escolas e a comunidade escolar, fazendo oficinas participativas com esses jovens, já atingidos e que serão mais ainda atingidos no futuro por esses eventos climáticos, sobre estratégias e entendimentos sobre o que cada parte da cidade necessita. Percebemos que as melhores soluções que vêm de outros lugares não vão dar certo em todos os lugares. A abordagem de adaptação tem de ser muito localizada e ter necessariamente escutas ativas com a sociedade. O segundo projeto, o Biota Síntese, da Fapesp, busca olhar tudo que já foi produzido cientificamente e em termos de política pública e avaliar por que as coisas não estão funcionando como a gente gostaria. A cidade de Santos, que tem o primeiro plano de adaptação climática do Brasil, é uma referência. Analisamos se esse plano está sendo implementado e se há lacunas. O projeto analisará planos e instrumentos na Baixada Santista, verificando se eles dialogam com as mudanças climáticas, utilizam a modelagem existente e se a gestão está utilizando esses dados. Queremos tentar entender como avançar na implementação, que é fundamental.

Plano de adaptação climática de Santos, no litoral paulista, é considerado uma referência.
Plano de adaptação climática de Santos, no litoral paulista, é considerado uma referência.
Foto: FERNANDA LUZ/ESTADÃO / Estadão

Sobre os abrigos climáticos, qual a importância desse projeto e quais seus principais resultados?

O projeto nasce para pensar soluções para as cidades costeiras face às ondas de calor e chuvas torrenciais que causam danos simbólicos e materiais nas populações. A ideia veio após o carnaval de 2023, com as chuvas torrenciais no Litoral Norte e na Baixada Santista. Esse dado pouca gente sabe, mas choveu a mesma quantidade em São Sebastião e em Bertioga. A diferença na tragédia demonstrou a importância de pensar o planejamento urbano, pois a conformidade da produção do espaço na cidade de Bertioga versus a de São Sebastião foi fundamental. Bertioga tem uma conformidade enorme de áreas de unidades de conservação, inclusive de terras indígenas e pouca área de ocupação em área de morro, ao contrário da realidade da Vila Sahy e de outras áreas de São Sebastião. Isso reforça que a estratégia para cada território tem que ser diferente.

Ficou claro que a população, no momento de risco, escolhe lugares pré-conhecidos onde se sente mais segura, como as escolas. A escola, igreja ou biblioteca são ambientes de confiança. Pensamos: se a escola já é esse espaço, por que não prepará-lo para que de fato seja um abrigo climático? A ideia não é que ele funcione só na emergência, mas que durante o ano funcione como espaço de conscientização e aproximação do tema com as crianças, com os adultos, com todas as gerações possíveis, classes sociais diferentes, grupos e sabedorias diferentes.

A resposta de Bertioga não vai ser igual nem dentro de Bertioga. É o que vemos em Santos. Lá, pesquisamos uma escola em área de morro e outra em uma área mais central. Um dos resultados que temos é que as demandas, a percepção sobre o clima e as estratégias de adaptação são distintas em áreas diferentes, reforçando que não vai ter uma receita de bolo pronta para seguir.

Outra coisa importante que percebemos é que melhoramos muito nos alertas da Defesa Civil. Mas a questão que pegou, conversando com as populações nos territórios, era: 'Mas o que fazer? Para onde ir?'. O pós-alerta também é fundamental. Isso conecta com o nosso projeto: pensar as rotas seguras. O que é uma rota segura? É aquela onde a população consiga caminhar num raio de 1 km, ou cerca de 15 minutos, que seja caminhável para criança, idoso ou alguém com comorbidade, para que ela possa se proteger.

Internacionalmente, estudamos cidades como Barcelona, que tem 500 e tantos refúgios climáticos conectados, e também na América do Sul, Buenos Aires e Santiago, já estavam criando estratégias de refúgios em escolas. São iniciativas importantes que servem de inspiração de política pública eficiente para os territórios vulnerabilizados.

Você acha que a participação de cientistas do Sul Global, como você, pode dar maior visibilidade para casos e soluções como essas para incentivar políticas públicas, não somente nacionais, mas também com financiamento global?

A presença de pesquisadores do Sul Global é crucial. Isso faz a gente tensionar questões: uma solução que aparece como caso de sucesso no relatório, de fato representa a escala global ou está falando só com a Alemanha ou a Holanda, que são países com muito recurso e onde o plano de adaptação já está na segunda ou terceira versão? Os estágios são muito diferentes. A garantia de ter a presença cada vez mais equânime de autores e autoras do Sul Global contribui para que o relatório tenha uma cara que represente os desafios em todos os países, não só nos países do Norte Global. Entendo que, quanto mais inclusiva e diversa for a ciência que a gente busca produzir, maior a chance de inclusão de melhores práticas de financiamento. Para quem estuda justiça climática, o financiamento não pode ser uma nova forma de colonialismo. Você não pode penalizar duplamente um país que foi colônia, como ilhas do Pacífico, América Latina, África. Esses locais, que pouco contribuíram com as emissões, não podem ser endividados com empréstimos. Para esses países, o financiamento tem de chegar como fundo perdido, ou seja, sem necessidade de retornar o empréstimo.

Estadão
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