Desinformação e diagnóstico tardio agravam o impacto do câncer de colo de útero no Brasil, que é o terceiro mais comum entre as mulheres e associado ao HPV; especialistas ressaltam a importância da vacinação e exames regulares para prevenção.
O câncer de colo de útero é o terceiro tipo da doença mais comum entre mulheres brasileiras, ficando atrás apenas do de mama e de intestino. Dados do INCA (Instituto Nacional de Câncer) estimam 17 mil novos casos registrados apenas em 2025, evidenciando o impacto da enfermidade. Um fator decisivo para esses números altos é a ligação estreita com o papilomavírus humano (HPV), responsável por 99% dos casos diagnosticados. Ele se desenvolve na região inferior do útero, conhecida como colo do útero, que conecta o corpo do útero à vagina.
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Apesar da gravidade, a desinformação sobre o HPV e o diagnóstico tardio ainda são entraves significativos para o enfrentamento da doença. Em média, 19 mulheres morrem por dia devido à enfermidade, somando mais de 5 mil óbitos anuais. O cenário agrava-se quando se considera que 60% das pacientes brasileiras descobrem o câncer em estágios avançados, como revelou uma pesquisa conduzida pela farmacêutica MSD Brasil, fabricante da vacina nonavalente contra o HPV.
Esse foi o caso da influenciadora nordestina Nayana Peixoto, de 37 anos, que descobriu a doença já no estágio 2B em exames de rotina. A suspeita surgiu após a identificação de uma mancha na região do útero em um ultrassom realizado após o nascimento do segundo filho.
“O médico disse: ‘Olha, é necessário que você procure a sua ginecologista o quanto antes para que ela possa pedir mais exames de expertisse’. Saí de lá muito preocupada. Ainda na maca, onde estava fazendo o exame, tive uma hemorragia muito grande. Até então, eu não tinha nada”, contou.
Ela relatou que realizava o exame de Papanicolau, método tradicional de rastreamento da doença, com a frequência recomendada, mas os resultados não indicavam alterações. “Eu não sabia que era importante fazer o Papanicolau junto com a colposcopia. Eu só fazia o preventivo e dava tudo ok. Quando descobri, já estava com câncer no colo do útero, um carcinoma em estágio 2B”, reflete.
Segundo a influenciadora, outro fator que atrasou o seu diagnóstico foi a falta de atenção aos sinais por parte dos médicos. “Eu fui em um primeiro profissional e ele simplesmente olhou para meu ultrassom, não deu a mínima [e apenas] repetiu o preventivo. Nessa outra médica, fizemos o preventivo com a colposcopia, que foi onde ela viu que tinha alguma coisa errada. E a biópsia, ela pediu para que fosse feita com urgência”, relembra Nayana.
Hoje, Nayana está curada da doença, mas além do tratamento convencional, precisou tomar três doses da vacina contra HPV para evitar uma possível reincidência. Nas redes sociais, ela se dedica a conscientizar sobre o vírus e a importância da prevenção.
“Após o meu primeiro vídeo, oito pessoas detectaram o câncer no colo de útero. Outras foram miomas. Tinham mulheres que foram falar comigo no direct [dizendo] que há dez anos não iam ao ginecologista”, explicou.
Brasileiras desconhecem a relação entre HPV e câncer de colo do útero
Segundo um estudo do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA), 57% das mulheres não sabem que o HPV é o principal causador da doença, enquanto 42% não se vacinaram ou não lembram de terem sido imunizadas. Ainda, apenas 29% conhecem a função do exame de Papanicolau, e quase metade (49%) não sabe para que serve o exame de DNA-HPV, ferramenta essencial para o rastreamento molecular do vírus.
“Os resultados chamaram bastante atenção. Nenhuma mulher, especificamente, ou homem deve deixar para trás os seus exames de rotina. Se tiverem oportunidades, se vacinem. Vacinem seus filhos, tanto meninas quanto meninos. Façam seus exames anuais de rotina e aquelas que eventualmente tiverem exames negativos”, disse Andréa Paiva Gadelha Guimarães, médica oncologista e presidente do Grupo EVA, em entrevista ao Terra.
Maria Soares*, de 25 anos, descobriu que estava com HPV pela primeira vez quando tinha 19 anos. Ela conta que começou a ter relações sexuais quando completou a maioridade e teve apenas três parceiros, sempre usando preservativo. Quando recebeu o diagnóstico, ficou chocada e com medo, pois percebeu o quanto sabia pouco sobre a doença.
“Eu descobri pelo preventivo. Deu o resultado e a minha ginecologista falou: ‘Você tá com HPV, mas como você é muito nova, o seu sistema biológico vai conseguir reverter essa situação’. [...] Só que nos meus 25 anos, voltou. Foi um momento que eu precisei tomar a vacina contra o HPV e atualmente está inativo. Não é uma vacina barata, o esquema é de 3 doses aplicadas em intervalos de 6 meses”, conta.
De acordo com ela, apenas a sua médica e sua mãe sabem sobre a doença, mesmo estando curada, pois tem receio da desinformação. “Quando fui ter a minha primeira relação sexual, minha mãe falava ‘pede os exames dele, vê os exames dele, se ele tem alguma coisa’. Eu pedia, mas eles sempre falavam: ‘Não, tá tudo certo’ e eu comecei a ter relação sexual mesmo com a camisinha, mas não vendo esses papéis”, lamenta.
“Hoje, qualquer informação é muito necessária. Para nós, mulheres, façam seus exames regularmente, conversem com os parceiros, cobrem mesmo o exame do homem”, destacou.
Formas de prevenção
De acordo com Andréa Gadelha, a vacinação contra o HPV, que eficaz para os tipos mais frequentes do vírus, é essencial. Podem-se vacinar:
- Meninas e meninos de 9 a 14 anos;
- Mulheres e homens que vivem com HIV, transplantados de órgãos sólidos, de medula óssea ou pacientes oncológicos na faixa etária de 9 a 45 anos.
- Vítimas de abuso sexual, imunocompetentes, de 15 a 45 anos (homens e mulheres) que não tenham tomado a vacina HPV ou estejam com esquema incompleto.
- Usuários de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) de HIV, com idade de 15 a 45 anos, que não tenham tomado a vacina HPV ou estejam com esquema incompleto (de acordo com esquema preconizado para idade ou situação especial).
- Pacientes portadores de Papilomatose Respiratória Recorrente/PRR a partir de 2 anos de idade.
“A principal forma de prevenção da infecção pelo HPV é a vacinação. Ela é preconizada e está disponível na rede pública. Ela cobre quatro tipos de HPV, os 6 e 11 que estão relacionados a verrugas genitais e 16 e 18 relacionados ao câncer”, destacou a oncologia.
Também é orientado o preventivo, o Papanicolau, associado a outros complementares, além da utilização de preservativos. Em termos de coleta, há também opções alternativas com novas tecnologias. Sendo elas:
- Teste de biologia molecular DNA-HPV: método implementado no Sistema Único de Saúde (SUS), que detecta 14 genótipos do papilomavírus humano (HPV), identificando a presença do vírus no organismo antes da ocorrência de lesões ou câncer em estágios iniciais.
- Detecção do HPV por PCR (Reação em Cadeia da Polimerase): método disponível na rede particular pelo Grupo DNA identifica o vírus por DNA através da autocoleta, mesmo em casos de baixa carga viral ou sem lesões aparentes. De acordo com o CEO da empresa, Rodrigo Matheucci, a sensibilidade estimada é de até 30% superior ao rastreamento convencional.
“O papanicolau, depois de dois negativos, pode ser feito a cada três anos. E um teste de DNA-HPV negativo, pode ser feito a cada cinco anos. Isso não quer dizer que você não precise ir ao ginecologista anualmente. Precisa sim, pois ali vai ser visto também vulva, vagina, vê se tem alguma outra alteração. Qualquer alteração que venha a ter, é importante estar sempre em acompanhamento. E o homem deve fazer o seu exame de rotina também com o urologista. A saúde tem que ser prioridade, ela não pode ser deixada para amanhã”, orientou.
*Entrevistada pediu para permanecer em anonimato.