Oferecimento

Projeto com energia solar garante água potável a quilombo no AM após décadas de espera: 'Isso é dignidade'

Iniciativa transformou a vida de comunidade do Tambor, localizada no interior do Parque Nacional do Jaú, no Amazonas

24 set 2025 - 04h59
Resumo
Projeto Água+Acesso instalou sistema de água potável movido a energia solar no Quilombo do Tambor, Amazonas, beneficiando 130 moradores e trazendo dignidade, sustentabilidade e melhoria na qualidade de vida da comunidade.
Com o fim da jornada para buscar água, crianças da comunidade conseguem ganhar tempo precioso que agora pode ser dedicado à brincadeira
Com o fim da jornada para buscar água, crianças da comunidade conseguem ganhar tempo precioso que agora pode ser dedicado à brincadeira
Foto: Michael Dantas/Fundação Amazônia Sustentável

Por gerações, o ritual diário de sobrevivência da comunidade quilombola do Tambor, localizada no interior do Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, foi ir até as margens do rio para carregar pesados baldes de água na cabeça e nas mãos. Uma tarefa exaustiva, realizada principalmente por mulheres, idosos e crianças, que se tornava ainda mais difícil durante a seca, quando o recuo das águas transformava o trajeto em uma caminhada ainda mais longa.

Essa realidade mudou com a instalação de um sistema de água potável movido a energia solar, uma iniciativa do projeto Água+Acesso, desenvolvido pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS). Esta é a primeira vez que o projeto chega a uma comunidade quilombola no Estado, beneficiando cerca de 130 moradores.

Publicidade

Além do aproveitamento de água de poço subterrâneo, o sistema também utiliza a captação fluvial, montada sobre uma base flutuante. Todo o processo é alimentado por energia solar, que garante o bombeamento contínuo e confiável da água, eliminando os riscos de interrupção no abastecimento. A água captada é armazenada em reservatórios com capacidade de 5 mil litros. 

Para Valcléia Lima, Superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades da FAS, a escolha do local foi baseada na urgência. "Eu pessoalmente fui fazer a visita na comunidade e identifiquei que tinha uma série de demandas, mas na minha avaliação a água era a mais essencial", relata.

Instalação de um sistema de água potável movido a energia solar no quilombo
Foto: Michael Dantas/Fundação Amazônia Sustentável

"Essas comunidades são ribeirinhas, localizadas à margem do rio. A população costumava buscar água diretamente no rio, descendo o barranco. A água era transportada de diferentes formas, seja carregando baldes na cabeça ou nas mãos. E essa tarefa, na maioria das vezes, era realizada por mulheres, idosos e crianças" -- Valcléia Lima

A superintendente ressalta que a seca sobrecarrega ainda mais quem já é vulnerável: "Afeta diretamente a saúde de mulheres, idosos e crianças, que precisam percorrer trajetos maiores diariamente. A água é essencial para tudo, preparar alimentos, higiene e consumo. E com a estiagem, a situação se agravava, tornava ainda mais difícil o acesso a um recurso tão básico."

A solução técnica, no entanto, vai muito além da infraestrutura, é um impacto humano imediato, proporcionando mais tempo livre para outras atividades e garantindo mais qualidade de vida e saúde.

Publicidade

"Muitas pessoas não sabem a dificuldade que é não ter água, e um poço é igual a dignidade, porque você leva dignidade para dentro da casa dessas pessoas", diz Valcléia.

Território da comunidade quilombola do Tambor
Foto: Michael Dantas/Fundação Amazônia Sustentável

Da promessa à ação: a comunidade viu a mudança

Valcléia Lima critica a desconexão entre as políticas públicas e a realidade das áreas mais afastadas da Amazônia, onde o poder público raramente chega. "Se tem uma comunidade onde mora cerca de 10 famílias e isso não elege um vereador, não é prioridade para aquele político."

A invisibilidade da comunidade, acostumada a promessas não cumpridas, fez com que a equipe do projeto fosse recebida com certa descrença. O voto de confiança só chegou após uma segunda visita, quando chegaram os materiais para executar a obra.  

A satisfação veio ao ver o projeto concluído. "Quando ouvi o seu Sebastião [uma das principais lideranças do Tambor] dizer que aquilo foi a melhor coisa que aconteceu para a comunidade, sentimos que cumprimos nosso papel: levar melhorias e infraestrutura para dentro das comunidades. É muito gratificante poder cumprir nossa missão, que é cuidar de quem cuida da floresta", contou a superintendente, que pede mão na massa "para Amazônia prosperar e alcançar desenvolvimento sustentável".

Publicidade
Projeto usa energia solar para fornecimento de água potável para toda a população do quilombo
Foto: Michael Dantas/Fundação Amazônia Sustentável

Quilombo do Tambor: uma história centenária 

A Comunidade Quilombola do Tambor, primeira no Amazonas a ser reconhecida pela Fundação Palmares, teve seus 719,8 mil hectares formalmente declarados como “terras do território do Tambor” em dezembro de 2022, por meio de uma portaria do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicada no Diário Oficial da União.

Em junho deste ano, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Ministério Público Federal (MPF) e o Incra assinaram um acordo judicial que encerra a Ação Civil Pública que tratava da presença da comunidade no interior do Parque Nacional do Jaú.

O conflito é histórico, remontando à criação do parque na década de 1980. Na época, a ausência de consultas públicas ou levantamentos de campo resultou na não consideração das comunidades tradicionais --incluindo a do Tambor-- no desenho da unidade de conservação, resultando, em alguns casos, na remoção forçada de seus territórios.

Projeto garantiu que moradores tenham acesso a água em quilombo
Foto: Michael Dantas/Fundação Amazônia Sustentável

O reconhecimento formal da comunidade como remanescente de quilombo veio anos depois, com a certidão da Fundação Cultural Palmares (2006), seguida pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Incra (2009) e, finalmente, pela Portaria nº 2333/2022 do mesmo instituto, que declarou o território quilombola integralmente sobreposto pelo parque. Diante da falta de uma solução administrativa, o MPF moveu a ação judicial para assegurar os direitos territoriais da comunidade.

Publicidade

Elaborado sob orientação da Advocacia-Geral da União, o acordo representou uma solução que busca equilibrar a integridade do Parque Nacional do Jaú e os direitos da comunidade tradicional. Sua assinatura ocorreu em audiência pública. 

Com mais de um século de existência, a Comunidade do Tambor é formada por remanescentes de quilombos do Nordeste que migraram para a Amazônia no início do século 20. Após diversos deslocamentos pelo Estado, estabeleceram-se às margens do rio Jaú, onde criaram laços afetivos e de parentesco com famílias ribeirinhas.

A definição legal do grupo está ancorada no art. 2º do Decreto nº 4.887/2003, pela qual a Fundação Palmares afirma que "consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida."

Fonte: Portal Terra
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações