Em entrevista, papa Leão XIV exclui reforma sobre o papel das mulheres e fiéis LGBT+ na Igreja

Em uma entrevista publicada no livro 'Leão XIV: cidadão do mundo, missionário do século 21', lançado em espanhol nesta quinta-feira (18), o papa buscou tranquilizar a ala mais conservadora da Igreja e excluiu qualquer mudança de doutrina a curto prazo. O livro chegou primeiro às prateleiras do Peru, onde o pontífice viveu por 20 anos, e foi escrito pela vaticanista americana Elise Ann Allen, do portal Crux, um site especializado em informações sobre a Igreja Católica.

18 set 2025 - 11h10

Em uma entrevista publicada no livro 'Leão XIV: cidadão do mundo, missionário do século 21', lançado em espanhol nesta quinta-feira (18), o papa buscou tranquilizar a ala mais conservadora da Igreja e excluiu qualquer mudança de doutrina a curto prazo. O livro chegou primeiro às prateleiras do Peru, onde o pontífice viveu por 20 anos, e foi escrito pela vaticanista americana Elise Ann Allen, do portal Crux, um site especializado em informações sobre a Igreja Católica.

Fieis reunidos na Praça de São Pedro seguram uma imagem do Papa Leão XIV para lhe desejar um feliz aniversário, durante sua oração do Angelus, no Vaticano, em 14 de setembro de 2025.
Fieis reunidos na Praça de São Pedro seguram uma imagem do Papa Leão XIV para lhe desejar um feliz aniversário, durante sua oração do Angelus, no Vaticano, em 14 de setembro de 2025.
Foto: AFP - FILIPPO MONTEFORTE / RFI

As declarações de Leão XIV visam apaziguar os ânimos dentro da Igreja após o pontificado do papa Francisco, que deu vários sinais de abertura em relação aos fiéis LGBT+. Em dezembro de 2023, por exemplo, o argentino anunciou que os padres católicos poderiam abençoar relacionamentos de casais do mesmo sexo. Essa decisão provocou forte reação no campo conservador, especialmente na África e nos Estados Unidos.

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Ao responder sobre a questão "muito sensível" sobre a aceitação dos fiéis LGBT+ na instituição, Leão XIV defendeu a ideia de acolher "todos, todos, todos", promovida por Francisco. Mas rejeitou qualquer mudança doutrinária, como o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Acredito que o ensinamento da Igreja permanecerá como está", afirma.

"Todos são convidados, mas não convido uma pessoa por causa de sua identidade particular", destacou o papa, explicando que não deseja "incentivar a polarização dentro da Igreja". Fiel ao ensinamento do catecismo católico, o papa reafirmou seu apoio à "família tradicional", "o pai, a mãe e os filhos", cujo "papel, que por vezes sofreu nas últimas décadas, deve ser novamente reconhecido e fortalecido".

Francisco, seu antecessor morto em abril, aos 88 anos, enfrentou ataques internos por parte da ala conservadora, especialmente por suas restrições ao rito tradicional em latim e suas críticas à Cúria Romana, o governo central da Santa Sé. Sem alterar a doutrina, o papa argentino multiplicou gestos de abertura para com divorciados, pessoas que se casaram de novo e fiéis LGBT+.

No início de setembro, Leão XIV recebeu em audiência privada o padre americano James Martin, um dos principais defensores dos fiéis homossexuais na Igreja Católica, mas não mencionou publicamente os cerca de 1.400 católicos LGBT+ que participaram recentemente de uma peregrinação no contexto do Jubileu, o "Ano Santo" da Igreja.

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Correntes divergentes

O papa americano também falou sobre os desafios das "correntes divergentes" que coexistem dentro da Igreja, sem propor mudanças significativas, inclusive em relação à pedocriminalidade. Questionado sobre o combate à violência sexual cometida por clérigos, Leão XIV afirma que a Igreja deve continuar a acompanhar as vítimas com "compaixão autêntica e profunda".

Mas a questão da violência sexual "não pode se tornar a prioridade da Igreja", insistiu o papa durante a entrevista de quase três horas, realizada em inglês e em duas etapas, em julho.

Diante dos "casos comprovados de acusações falsas", ele citou o número de 10% de acusações falsas feitos contra sacerdotes. "É preciso proteger os padres, ou o acusado, e respeitar seus direitos", afirmou à Elise Ann Allen.

Diversas associações criticaram a proteção da instituição em detrimento das vítimas e acusaram Francisco de não ter feito o suficiente, apesar de suas muitas medidas, como o fim do segredo pontifício e a obrigação de denúncia.

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Mulheres diáconas?

Sobre a possibilidade de ordenar mulheres como diáconas, tema debatido por uma assembleia internacional em 2023 e 2024, o papa de 70 anos afirma não ter "intenção de modificar as regras da Igreja sobre o assunto" a curto prazo.

Mas ele ressalta que deseja "seguir o caminho" de seu antecessor argentino ao "nomear mulheres para cargos de liderança em diferentes níveis da vida da Igreja".

No plano econômico, o ex-missionário se disse preocupado com o crescente abismo entre os níveis de renda e lamenta ver o bilionário americano Elon Musk prestes a se tornar o primeiro no mundo a possuir 1 trilhão de dólares."Se isso é a única coisa que tem valor hoje em dia, estamos com sérios problemas", lamenta.

Faixa de Gaza

Ao ser questionado sobre os conflitos no Oriente Médio, o papa disse que o Vaticano "não pode se pronunciar" neste momento sobre se a guerra conduzida por Israel em Gaza configura "genocídio". 

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"O termo 'genocídio' está sendo cada vez mais utilizado. Oficialmente, a Santa Sé considera que não podemos nos pronunciar sobre isso", afirmou no livro. "Existe uma definição muito técnica do que pode ser considerado genocídio, mas cada vez mais pessoas levantam essa questão, inclusive dois grupos de defesa dos direitos humanos em Israel", acrescentou. 

Na terça-feira (16), pela primeira vez, uma comissão internacional de inquérito mandatada pela ONU acusou Israel de cometer genocídio em Gaza desde outubro de 2023, com a intenção de "destruir" os palestinos. 

Desde sua eleição em 8 de maio, o papa Leão XIV tem feito diversos apelos por um cessar-fogo em Gaza e pela libertação dos reféns mantidos pelo Hamas. Na quarta-feira, denunciou o deslocamento forçado dos habitantes de Gaza, que "sobrevivem em condições inaceitáveis". 

Fiel à sua posição de neutralidade, a Santa Sé, que reconheceu o Estado Palestino, apoia a solução de dois Estados e intensifica esforços por uma saída diplomática e pacífica para o conflito. 

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No livro, o papa americano também considerou "muito preocupante" o fato de que "nenhuma resposta clara tenha sido dada para encontrar meios eficazes de aliviar o sofrimento dos habitantes inocentes de Gaza". 

"Mesmo por parte dos Estados Unidos, que são obviamente o terceiro país mais importante para pressionar Israel, apesar das declarações muito claras do governo americano, e recentemente do presidente (Donald) Trump", denunciou. 

(Com agências)

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