O primeiro dia do Enem 2025 teve a temida redação. Neste ano, os candidatos precisaram escrever sobre "Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira". A escolha do tema da redação chamou a atenção por lembrar um episódio marcante na história do exame: o vazamento do Enem de 2009, que teria trazido como proposta a "Valorização do idoso".
Confira o gabarito extraoficial do 1º dia de prova do Enem 2025
A redação tem como objetivo avaliar a capacidade de argumentação e escrita dos candidatos. Os participantes devem desenvolver um texto com até 30 linhas, com base no tema proposto. São exigidas a apresentação de uma tese, argumentação consistente e proposta de solução para o problema abordado.
Com pontuação máxima de 1.000 pontos, a redação tem um peso importante no resultado final do Enem. Tirar zero impede o uso da nota do exame no ingresso em universidades públicas ou privadas, além de comprometer a chance de conseguir bolsas de estudo ou intercâmbios.
Veja exemplo de redações nota mil:
- João Vinícius Albuquerque Pimentel, professor de redação do Poliedro e equipe de redação do Poliedro
No filme “O Senhor Estagiário”, é retratada a história de um senhor que, aos 70 anos, tenta retornar ao mercado de trabalho, contudo, enfrenta dificuldades para ser contratado por causa de preconceitos relacionados à sua idade. O ambiente de estigma retratado no filme, em certa medida, é recorrente com a população idosa brasileira, já que visões estereotipadas são, muitas vezes, reproduzidas pela sociedade e pelos meios midiáticos. Soma-se a isso, o fato de que muitos idosos, mesmo após se aposentar, terem que buscar novas fontes de renda para custear os cuidados decorrentes da velhice. Cabe discutir, assim, que há perspectivas negativas acerca do envelhecimento da população brasileira, na medida em que, sob a ótica do capitalismo, o indivíduo só tem valor quando produtor de riqueza, o que perpetua um culto à juventude.
A visão de indivíduo enquanto produto contribui para a desvalorização do envelhecimento. Isso ocorre, porque o capitalismo, ao objetivar o lucro, costuma valorizar aqueles que, de alguma forma, atuam no sistema, seja produzindo, seja consumindo, de forma que aquilo que não mais o favorece é descartado. Os idosos, por não estarem muito inseridos nessa lógica, acabam tendo pouca função, o que contribui para a construção de uma mentalidade preconceituosa a respeito deles, os quais passam a ser vistos socialmente como incapazes, frágeis e lentos – especialmente frente à velocidade com que as tecnologias e a economia se expandem. Tal concepção faz com que, mesmo quando os idosos têm que continuar no mercado de trabalho dada a necessidade financeira, por serem considerados improdutivos, eles sejam alvos de preconceitos, como retratado no filme “O Senhor Estagiário”. Dessa forma, o viés econômico conduz a marginalização dessa população.
população. Por conseguinte, desenvolve-se uma cultura de valorização da jovialidade. Tal fato decorre tanto da concepção capitalista como da indústria midiática, as quais disseminam cotidianamente rostos e corpos jovens, saudáveis e ágeis. A primeira, por exemplo, vende a produtividade como sinônimo de sucesso profissional e pessoal, que deve ser atingida por todos como uma forma de adequação a ele, o que requer vigor e pró-atividade. A segunda, de modo semelhante, difunde propagandas exaltando um padrão de juventude que pode ser alcançado por meio de procedimentos estéticos simples, como botox, harmonização facial e “peeling”, e por métodos que apagam outros traços do envelhecimento, como tintura de cabelo e vestimentas joviais; tudo isso como uma tentativa de conquistar uma aparência jovial e distanciar-se da velhice. Dessa maneira, observa-se que o culto à juventude traz barreiras para o envelhecimento populacional.
Em suma, a concepção de indivíduo como produto e a valorização da juventude configuram desafios para garantir o envelhecimento da população. Portanto, cabe ao Poder Executivo Federal, na figura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, investir na modificação da visão social acerca da velhice, por meio de campanhas educativas veiculadas nas mídias e direcionadas à comunidade em geral, a fim de garantir visões mais positivas acerca dessa faixa etária. Desse modo, haverá uma sociedade que valoriza a sua experiência e a sua sabedoria, diferentemente do que acontece em “O Senhor Estagiário”.
- Denise Leal Franco, autora do Fibonacci Sistema de Ensino
“Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso”. Esse pensamento do escritor e político Chateaubriand expressa como alguns idosos são vistos no Brasil: uma sobrecarga tanto para o poder público quanto para muitos dos familiares dos sêniores. Nesse sentido, é fundamental analisar as perspectivas acerca do envelhecimento no território nacional, a fim de assegurar aos anciãos a dignidade de outrora.
Diante de tal cenário, é válido ressaltar, inicialmente, que a Constituição de 1988, em seu artigo 230, determina que o Estado tem o dever de amparar a pessoa idosa. Entretanto, o que se nota, atualmente, é a inoperância dessa garantia constitucional, haja vista a mínima expressividade do Estado no que tange a assegurar aos 60+, em especial aos que acumulam desigualdades, o suporte necessário para viverem bem, visto que muitos idosos de baixa renda e que vivem em áreas periféricas enfrentam obstáculos para receberem atendimento médico de qualidade. Essa situação ocorre porque o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não se adaptou completamente às especificidades de atendimento que essa parcela populacional exige, por exemplo, contratação maior de geriatras, a fim de atender pacientes dessa faixa etária com doenças crônicas, como diabetes. Tem-se, como exemplo, pesquisa divulgada pelo jornal Estadão a qual expõe o déficit de 28 mil médicos especialistas na melhor idade no país. Com isso, devido à sobrecarga do sistema, inúmeros anciãos que moram em locais precários ficam sujeitos à demora na marcação de consultas, comprometendo o acompanhamento de suas enfermidades. Sendo assim, fica evidente a necessidade cumprir o que determina a Constituição.
Além disso, é mister salientar como o descaso de muitas famílias para com os seus idosos contribui para que as perspectivas do envelhecimento no Brasil não sejam as melhores. Nesse viés, a filósofa mineira Terezinha Azerêdo Rios constata que o idoso na cultura brasileira vale menos, ou seja, é tratado com menos humanidade. Essa constatação, de fato, encontra respaldo em solo nacional, ao se observar o modo como muitos familiares enxergam suas matriarcas e seus patriarcas: com desprezo, negligenciando cuidados e afetos. Uma das justificativas que os parentes tendem a dar para esse mau comportamento é a falta de tempo para dispender com os idosos. Porém, essa desculpa acaba por sinalizar o desprezo com que a terceira idade é vista, demonstrando que parcela da sociedade, na verdade, não se enxerga envelhecendo e, portanto, não consegue se ver na mesma situação. Essa realidade demonstra, então, a imprescindibilidade de desenvolver a empatia social.
Sendo assim, para melhorar as perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira, medidas exequíveis são necessárias. Para isso, o Ministério da Saúde, órgão responsável pelas políticas públicas desse setor, deve contratar mais geriatras, por meio de divulgação de vagas, principalmente para áreas mais carentes, com o objetivo de assegurar que idosos de baixa renda recebam atendimento adequado. Ademais, é dever do Estado, mediante campanhas e propagandas, desenvolver a empatia social, com o propósito de chamar a atenção de famílias sobre a responsabilidade que elas têm de cuidar de seus idosos. Desse modo, será possível fazer os brasileiros voltarem a tratar os anciãos com a dignidade que merecem.